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CBT denunciou 'esquemão com dinheiro público' em evento ligado ao Rio Open

Demétrio Vecchioli

22/05/2018 04h00

Um torneio realizado em 2014 no mesmo local do Rio Open, no dia seguinte ao Rio Open, com a mesma arquibancada do Rio Open, com os mesmos banheiros químicos, mesma tenda, mesma iluminação. Mas, no papel, segundo os organizadores, um evento completamente diferente, de outro promotor, que por isso precisava alugar tudo aquilo mais uma vez. Apenas 24 crianças e adolescentes do Rio fizeram 18 jogos entre si em um evento de um dia e meio, deslegitimado pela federação estadual, mas R$ 1 milhão foi captado por meio da Lei de Incentivo Fiscal junto ao Itaú. Denunciado pela Confederação Brasileira de Tênis (CBT), que chamou o torneio de "esquemão para fazer uso do dinheiro público indevidamente e obter vantagens ilícitas" o caso chegou à Polícia Federal e fez o Ministério do Esporte glosar (ou seja, mandar o proponente devolver) R$ 522 mil. Ainda assim, aqueles 18 jogos custaram R$ 500 mil aos cofres públicos.

O proponente, no caso, é o Instituto Sports, uma organização não-governamental que tem, em sua diretoria, os donos da Try Sports, empresa que cuidou, por ao menos quatro anos, das ações de publicidade e marketing do Itaú no tênis. Foi fundamentalmente graças ao banco que o Instituto, desde 2010, executou ou está executando 25 projetos só pela Lei de Incentivo ao Esporte – outros seis estão em captação. No período, arrecadou mais de R$ 31,5 milhões graças à renúncia fiscal da União. A maior parte das prestações de contas (20) já foi apresentada, mas só uma delas passou por análise financeira do Ministério do Esporte. A partir de outras denúncias da CBT, o Ministério Público Federal (MPF-SP) está investigando irregularidades em outros três eventos, que envolvem R$ 7 milhões.

Na única prestação de contas analisada pelo ministério, o Instituto foi condenado a devolver mais da metade (R$ 522 mil) do R$ 1,023 milhão que obteve para organizar a "Copa Rio Juvenil de Tênis". A Federação de Tênis do Estado do Rio de Janeiro, porém, reclamou publicamente que o torneio não tinha legitimidade. Em um comunicado, remetido ao Ministério do Esporte, escreveu: "Tratou-se de uma iniciativa/parceria da IMX e do Instituto Sports, que convidaram os quatro melhores das categorias 12, 14 e 16 anos – tanto no masculino quanto no feminino -, de acordo com o atual ranking estadual, pra uma competição de caráter institucional e com apenas dois dias de duração". Ou seja: cada chave tinha quatro atletas, somente.

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A IMX, no caso, é a empresa que detém os direitos sobre o Rio Open, competição que, em 2014, foi realizada no Jockey Club do Rio. A Copa Rio também, entre os dias 25 (segunda) e 26 (terça), logo após o Rio Open, que acabou no domingo. Mesmo assim, o Instituto Sports, que em tese nada tem a ver com a organização do Rio Open, apresentou (e teve aprovado) um projeto no qual desmontaria e montaria duas arquibancadas, de 300 e 900 pessoas, para o torneio juvenil. A CBT contratou um perito e demonstrou que, na verdade, as arquibancadas, que ficaram completamente vazias, eram as mesmas do dia anterior.

Não só a arquibancada. "Analisando as fotos utilizadas na prestação de contas do referido projeto e ainda as fotos que constam na página do Facebook do evento, nota-se que a Copa Rio Juvenil utilizou exatamente as mesmas quadras, as mesmas arquibancadas, as mesmas estruturas de iluminação e tendas e todos os demais itens relacionados acima do Rio Open", alega a CBT na denúncia ao Ministério do Esporte. O laudo do perito comprova isso.

Outros números chamam atenção. Por exemplo, foram pagas 210 diárias de profissionais de segurança, o que indica uma suposta contratação de 105 pessoas por dia. O evento reunia 24 crianças e adolescentes de até 16 anos. "Não é possível que não tenham visto o quão absurdo que é tudo isso", critica, na denúncia, o ex-presidente da CBT, Jorge Lacerda. Os alambrados para separar uma quadra da outra custaram R$ 33 mil, enquanto as "instalações elétricas" saíram por R$ 24 mil.

Parte dos valores, depois da denúncia, foi devolvida, com o Instituto alegando que "estabeleceu parceria com a produção Rio Open, ajustando com os fornecedores a permanência da estrutura até o final da execução do projeto incentivado, pagando proporcionalmente por este serviço", conforme consta em relatório do ministério. A "parceria" não constava na prestação de contas inicial e só foi informada depois da abertura de inquérito na Polícia Federal, quando o Instituto optou por "corrigir" algumas informações.

A tabela da competição que custaria R$ 1 milhão e acabou custando R$ 500 mil aos cofres públicos. Competição deveria acontecer entre os dias 24 e 25, mas foi adiada para 25 e 26 porque o projeto só foi aprovado no dia 25 (segunda) às 11h32. O evento teve início às 10h.O "esquemão"

A tese defendida pela CBT é a de que a Copa Rio Juvenil na verdade custou um valor muito aquém do R$ 1 milhão envolvido. "(Eles) utilizaram não só as instalações, como toda a estrutura do Rio Open sem qualquer custo, já que um dia antes a mesma estrutura estava lá, pronta", escreveu a CBT na denúncia, apontando indícios como a contratação de 60 carregadores (pessoas que levam os equipamentos esportivos dos tenistas), número equivalente ao de uma competição como o Rio Open. Um "diretor técnico" recebeu R$ 15 mil para montar a tabela acima.

O "esquemão" citado pela confederação envolveria também a Try Sports e o Itaú, que patrocinou o Rio Open e doou mais de R$ 1 milhão ao Instituto Sports para a realização da Copa Rio, sendo seu único patrocinador. "(Os fatos) levam a crer que tudo é feito entre as mesmas pessoas e o dinheiro circulado entre as mesmas empresas, caracterizando um 'esquema' infalível. Afinal, tem uma promotora, um instituto e um patrocinador fixo", indica Jorge Lacerda.

No site da Try Sports até a semana passada era possível ver que ela fazia a "interface" entre Itaú e Rio Open, além de ser responsável pelas ativações do Itaú no tênis. Após a reportagem contactar empresa e banco, essas informações foram retiradas do site, que, na área de "ativação", tem diversas fotos de serviços prestados ao Itaú.

De acordo com a CBT, a Try pertence a Danilo Marcelino e Nelson Aerts, fundadores do Instituto. Marcelino, inclusive, era presidente da ONG em 2014 e, ao apresentar o projeto do Instituto ao Ministério do Esporte, forneceu um e-mail da empresa. A situação é recorrente na Lei de Incentivo, que não permite que empresas apresentem projetos – a partir daí surgiram ONGs ligadas de forma intrínseca a elas, como no caso do Brasil Open, mostrado pelo Olhar Olímpico há dois meses.

(divulgação)

Investigações

A denúncia foi feita pela CBT no início de 2015. Naquele momento, Jorge Lacerda, hoje ex-presidente da confederação (elegeu sucessor no ano passado), tinha a imagem bastante arranhada por uma série de denúncias que o atingiram em 2014. Culpando desafetos, ele resolveu dar o troco apresentando provas do que ele chama de "esquemão" para a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o MPF e o Ministério do Esporte.

Foi este último que de fato tomou providências, instruído pelo MPF e pelo TCU. Ainda que tenha prestações de contas de projetos do Instituto Sports de 2010 ainda na fila para fazer a análise financeira, o ministério se debruçou sobre a prestação da Copa Rio. Validou contratações como a de uma assessoria de imprensa apesar da competição ser entre adolescentes e considerou atingido o objetivo de "criação de site" com a entrega de uma página no Facebook. Mas glosou mais de meio milhão.

Ao MPF, o ministério admitiu a "desnecessidade da etapa de montagem de estrutura, uma vez que foram aproveitados de evento anterior", reforçando o elo entre a Copa Rio e o Rio Open. Ao mesmo tempo, sem especificar valores, glosou parcialmente contratações que envolviam mais de dois dias de serviço. Assim, determinou a glosa de R$ 522 mil. O TCU e o MPF entenderam que, com isso, podiam arquivar o caso. Já a CGU disse ao blog que utilizou a denúncia como "insumo para o planejamento de ações de controle que, na presente data, ainda estão em realização".

Isso não significa que o caso não terá novos desdobramentos. Ao receber a denúncia, o MPF provocou a Polícia Federal, que no fim do ano passado ainda estava realizando diligências de um inquérito policial aberto em 2015.

Ao mesmo tempo, porém, o MPF investiga outras duas denúncias, a respeito das edições de 2014 a 2016 do "Circuito de Tênis Escolar e Universitário", que permitiram ao Instituto Sports arrecadar R$ 7 milhões em três projetos, além de outros R$ 2,2 milhões no ano passado, sempre financiados pelo Itaú. Para a CBT, o dinheiro era usado com outra finalidade: "A forma de agir do Instituto Sports é sempre a mesma, ou seja, propõe projetos para captação de valores por meio da Lei Incentivo ao Esporte para utilizar os materiais e contratar as pessoas para trabalharem em eventos da Try Sports, provavelmente no Itaú Masters Tour". Este circuito, para atletas masters, não é beneficiado pela Lei de Incentivo

Entre os indícios apresentados pela CBT estão o número alto de atletas que supostamente participaram de cada uma das cinco etapas da competição (mais de 500), além de valores que a confederação indica serem superfaturados para a compra de bonés e camisetas de marcas famosas, além de mais de R$ 770 mil em premiações – viagens para duas semanas de clínicas e passeios em Barcelona.

Além das competições juvenis, o Instituto Sports também é o responsável pela organização de alguns eventos das séries Future e Challenger disputados no Brasil, como o Challenger de São Paulo, valendo-se para isso da Lei de Incentivo. Este ano, são seis eventos no calendário, todos bancados por doações do banco Santander.

Outro lado

Procurado, o Instituto Sports não respondeu se houve utilização de estrutura do Rio Open, quantos torcedores compareceram ao evento ou se houve cobertura in loco da imprensa, entre outras questões. Apenas enviou um comunicado no qual afirma que os órgãos competentes realizaram a fiscalização e que concluíram que "não houve o crime de improbidade administrativa pela qual o Sr. Jorge Lacerda da Rosa falsamente acusou o Instituto Sports e seus pares".

"A única relação da Try Sports com o Instituto Sports é que os proprietários da Try Sports são associados do Instituto Sports", diz a ONG, ressaltando que a empresa ou seus proprietários nunca foram remunerados pelo Instituto.

O Rio Open disse apenas não se manifestaria porque  "a denúncia em questão não diz respeito ao Rio Open".

O Itaú não informou quanto doou ao Instituto Sports por leis de incentivo ao longo da década, nem respondeu sobre a relação que manteve com a Try. Ao blog, enviou a seguinte nota: "Ciente das denúncias apresentadas com relação aos organizadores do projeto "Copa Rio Juvenil de Tênis 2014", acompanhamos as apurações realizadas pelas autoridades responsáveis, até a final aprovação das contas do projeto pelo Ministério do Esporte, e a conclusão, pelo Ministério Público Federal, da ausência de dano aos cofres públicos".

Jorge Lacerda disse que a denúncia foi aprovada pela assembleia geral da comunicação e que fez sua "obrigação". "Estamos num momento no Brasil que primeiro se condena e depois se processa, sendo as Confederações sempre apresentadas como vilãs. Na verdade podem ir a fundo que as grandes negociatas na Lei de Incentivo ao Esporte estão nas ONG's", comentou ao blog.

O Ministério do Esporte informou que tomou todas as medidas administrativas necessárias para sanar as irregularidades apontadas, promovendo a glosa de R$ 522.278,77.  "Em julho de 2017, o Instituto Sports foi comunicado das inconsistências apontadas e, em setembro de 2017, foram protocolados os comprovantes de devolução dos valores solicitados e, posteriormente, a prestação de contas do projeto foi aprovada", informou a pasta.

O TCU emitiu quatro acórdãos sobre o caso, sem nenhuma multa ou punição. Todos os documentos citados nesta reportagem estão disponíveis neste processo: 001.257/2015-3. Os mais relevantes são os apresentados em 23/1/2015 (a denúncia da CBT) e as explicações dadas pelo Ministério do Esporte, que podem ser acessadas diretamente neste link.

No MPF, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (PGR) homologou o arquivamento da investigação sobre a Copa Rio, enquanto dois inquéritos civis correm em São Paulo para apurar as supostas irregularidades nos torneios universitários.

 

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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