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Fim de clube de atletismo é maior golpe ao esporte brasileiro pós Rio-2016

Demétrio Vecchioli

16/01/2018 04h00

Esqueça o fim do patrocínio da Petrobras a uma lista de confederações, o final obscuro do Plano Brasil Medalhas ou o corte no investimento de Caixa, Banco do Brasil e Bradesco no esporte. Nenhum golpe é tão simbólico e tão doloroso quanto o fim da B3 Atletismo (antiga BM&F Bovespa), anunciado na segunda-feira. Acaba o maior, mais caro e mais longevo projeto profissional no dito esporte amador brasileiro. Acaba também a melhor (ou única) esperança de que é possível fazer esporte com dinheiro privado no Brasil.

Um relato pessoal pode ajudar o leitor a entender o fim da B3. No Troféu Brasil do ano passado, um dia contei o número de repórteres trabalhando na cobertura da competição, em São Bernardo do Campo: eu e uma colega do Grupo Globo (site e SporTV), ante seis assessores de imprensa. Houve outros veículos para ver Thiago Braz competir, e só. O torneio não passou na tevê e não teve espaço nos jornais. Se até o que tem bom retorno esportivo não compensa mais ao patrocinador após o fim da chamada "década esportiva", o que dirá os demais.

A antiga BM&F, depois fundida com a Bovespa, e ano passado com a Cetip, dando origem à B3, investia cerca de R$ 9 milhões ao ano (número de 2016) para manter o clube. Além disso, colocou R$ 20 milhões na construção de um centro de treinamento em uma área de prefeitura de São Caetano do Sul, em 2012, e bancou uma reforma na pista do Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera, na primeira metade dos seus 30 anos de patrocínio ao atletismo.

"A gente pensava que o mundo poderia acabar, mas a B3, não", diz Ronald Julião, um dos atletas que estava há mais tempo no clube, desde o fim de 2004. Mais longevo que ele, só Julio Cesar de Oliveira, que defendia o amarelo e azul da antiga BM&F há 17 anos. No fim do ano passado, três atletas da equipe inicial, montada em 2000, se aposentaram: Marilson Gomes dos Santos, Fabiana Murer e Mario José dos Santos Júnior.

Foi esta geração que viu o atletismo brasileiro se profissionalizar. Depois de um bem sucedido patrocínio direto a atletas ao longo de toda a década de 1990, a BM&F ficou com a estrutura deixada pela Funilense, então maior clube do país, baseado no Estádio do Ibirapuera, e se tornou ela a soberana no atletismo do Brasil. Isso foi no ano 2000 e, até 2015, a BM&F ganhou todos os títulos do Troféu Brasil.

E não poderia ser diferente. Criticada por deixar na mão o clube e o técnico formador, absorvendo o atleta pronto, a equipe da BM&F oferecia bons salários, um centro de treinamento de primeiro mundo (a partir de 2012, inclusive com estrutura indoor), auxílio moradia, estágios no exterior, técnico, fisioterapeuta, médico, nutricionista, preparador físico, psicólogo… etc.

A empresa teve de  responder por diversos processos trabalhistas, nos últimos anos, pois todo dezembro o clube demitia todos os seus atletas, pagando FGTS e multa. Em seguida, os contratava de novo. "Acontecesse o que acontecesse, todo dia 31 de janeiro o dinheiro tava na conta de novo", lembra Ronald Julião. Alguns poucos atletas que não tivesse resultados expressivos não eram recontratados, outros chegavam, mas a grande maioria do time se mantinha. O apoio ao atletismo, afinal, era contínuo.

Agora, não é mais. Oficialmente, a alegação da B3 é que a empresa mudou sua estratégia social e vai substituir o apoio ao esporte por patrocínio a ações ligadas à educação e à formação de jovens. "Educação é um eixo estratégico para a B3 e um tema que permeia o negócio. É parte do compromisso com o avanço dos mercados e, consequentemente, do país", explicou a entidade, em nota.

Claro, há outros fatores. Um deles, no entender de mais de uma fonte ouvida pelo Olhar Olímpico, a saída de Sérgio Coutinho, ex-presidente da Federação Paulista de Atletismo (FPA) e depois diretor-técnico do clube, considerado um grande defensor do projeto. Outro, o fato de Edemir Pinto, mecenas do atletismo, ter deixado, no ano passado, a presidência da BM&F Bovespa, quando esta se fundiu com a Cetip.

E, claro, a diminuição na visibilidade do projeto, com o esporte amador perdendo espaço na mídia. O exemplo do Troféu Brasil é um, mas no Mundial de Atletismo deste ano também só havia dois veículos de imprensa brasileiros – o UOL e a Globo. Para ajudar, a B3 perdeu para o Pinheiros os títulos das últimas duas edições do Troféu Brasil e a única medalha conquistada por um brasileiro na Rio-2016, o ouro de Thiago Braz, acabou no peito de um atleta que a BM&F formou, mas precisou passar para a Orcampi (seu time B) depois de um racha entre dois treinadores.

Numa postura altruísta, a B3 ainda vai patrocinar durante o ano de 2018 os 57 atletas que estavam sob contrato na temporada passada, além de manter 13 técnicos. Na reunião com os atletas na segunda, não disse se vai pagar os mesmos valores, nem se fará isso como CLT. Ou seja: com plano de saúde, auxílio moradia, auxílio refeição, férias, 13º, etc… Alguns atletas serão absorvidos pela Orcampi, em Campinas, mas ninguém sabe quantos, nem em que condições. A partir de 2019, a não ser que os ventos mudem inesperadamente, a verba será toda cortada.

O fim da B3 se assemelha muito ao da equipe da Unilever, no Vôlei, ainda que em proporções muito maiores. Afinal, o vôlei ainda tem diversas outras equipes de menor porte. No atletismo, exceto a B3 e a Orcampi, uma equipe satélite que nunca foi assumida oficialmente assim, só o Pinheiros mantém uma estrutura profissional. ASA São Bernardo, SESI e Sogipa, outros clubes profissionais, têm orçamentos que são uma fração pequena do que investia a B3.

Sem a B3, haverá R$ 9 milhões a menos para o atletismo todo ano. Um corte que se soma aos R$ 7,5 milhões por temporada que a Caixa reduziu no patrocínio à Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) no começo do ano passado, pensando em todo o ciclo olímpico. Forte apoiador da modalidade, mantendo centro de treinamento e financiando competições, o governo do Estado de São Paulo também tirou seu time de campo.

Como a notícia pegou todo mundo de surpresa na segunda, ainda é cedo para falar de como o atletismo pode tentar reverter a perda. De qualquer forma, o cenário já preocupa. Atletas que treinavam no exterior bancados pela B3 já não sabem se terão verba para deixar o país. Nem em 2018, nem tão cedo.

 

 

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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