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UOL encontra indícios de que Del Nero fraudou convênios de R$ 6,6 milhões

Demétrio Vecchioli

24/11/2017 04h00

(Ricardo Stuckert/CBF)

O UOL Esporte avaliou três convênios assinados pela Federação Paulista de Futebol (FPF) de Marco Polo Del Nero e o Governo do Estado de São Paulo, entre 2011 e 2012, que somam R$ 6,653 milhões em repasses, e encontrou indícios de irregularidade em todos eles.

Assinados pelo atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), os convênios foram firmados com a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, a SELJ, e previam a realização de três competições. São duas edições de um torneio entre ligas municipais, em 2011 (R$ 2,5 milhões) e 2012 (R$ 2,7 milhões), e um campeonato paulista entre clubes amadores, em 2012 (R$ 1,3 milhão).

Na época, o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) repassou mais de um terço do valor recebido à Sport Promotion, ou empresas ligadas a ela, para a organização das competições. Parceira de longa data do cartola, a agência levou os contratos ao vencer, em 12 concorrências, a empresa de sua própria assessora de imprensa e outra microempresa que, como a da jornalista, é de fotografia de eventos. Para especialistas ouvidos pelo blog, há indícios "fortes" de "fraude ao procedimento licitatório". Os documentos foram identificados pelo blog na própria sede da SELJ, no centro de São Paulo, na semana passada, via Lei de Acesso à Informação.

Nos três contratos, a organização dos campeonatos foi dividida entre a Sport Promotion (R$ 1,2 milhão) e uma microempresa chamada "Luis Felipe Coelho Leal-ME" (R$ 1 milhão), que pertence ao filho caçula de um dos sócios da primeira. Juntas, elas faturaram mais de R$ 2,2 milhões em subcontratos – quando o dinheiro sai dos cofres públicos e vai parar na conta de terceiros, passando por entidades como a FPF.

A contratação da Sport Promotion foi feita por tomada de preço, que é quando a entidade que gere o dinheiro público (no caso, a FPF) analisa orçamentos de três fornecedores para escolher o menor preço e contratar o serviço ou produto. O problema é que, nos 12 subcontratos firmados, a agência teve como concorrentes a LaPerez Produções e Filmagens, que pertence à jornalista Lídia Perez e que atende, de 2009 até hoje, como assessora da imprensa da própria Sport Promotion.

Na documentação entregue pela FPF à SELJ (veja aqui) é possível notar que a LaPerez é inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas em apenas duas atividades: "filmagem de festas e eventos" e "artes cênicas, espetáculos e atividades complementares", que em tese não contemplam a "organização de eventos esportivos" que a federação procurava. Isso não impediu, entretanto, que ela apresentasse orçamentos para concorrer com a empresa na qual ela trabalha. As propostas estão aqui e aqui.

Pela "consultoria esportiva", por exemplo, cobrou R$ 145 mil, contra R$ 90 mil da empresa para a qual trabalha. A disparidade de valores fez com que ela perdesse todas as 12 disputas na qual entrou. Além dela, a SMB Planejamento e Execução de Eventos também ofereceu orçamentos em cada um dos subcontratos conquistados pela Sport Promotion. Como a LaPerez, a empresa de Suzana Maria Brunini Spadari e Thiago Luiz Spadari perdeu as concorrências em 2011 e, no ano seguinte, manteve o preço dos serviços genéricos ofertados, sem nunca ameaçar a Sport Promotion.

O Olhar Olímpico não encontrou nenhuma referência sobre a SMB na internet. O site indicado nos orçamentos de 2011 não existe mais e o telefone não atende. De qualquer forma, a empresa nunca pôde realizar serviços de organização de eventos esportivos. Suas atividades econômicas, desde 2005, são "filmagem de festas e eventos", "serviços combinados de escritório e apoio administrativo" e "serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas". Ainda assim, a entidade máxima do futebol paulista solicitou, entre outros serviços, que ela lhe ofertasse uma "consultoria esportiva".

Coaracy chegou a ser preso por acusação semelhante (Reynaldo Vasconcelos/Folhapress)

A "coincidência" de ofertas derrotadas é um indício de fraude, de acordo com especialistas ouvidos pelo blog. Foi uma acusação semelhante, feita pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF), que levou o ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Coaracy Nunes, à prisão. No entender do MPF e da Justiça Federal de São Paulo, o veterano dirigente da natação simulou licitações públicas utilizando empresas que têm relações entre si. Além disso, sempre de acordo com MPF e a Justiça Federal, o fato de uma mesma firma sempre vencer as licitações da CBDA contra as mesmas concorrentes configurava um indício de fraude, assim como o fato de as concorrentes não terem sequer telefone, levantando a suspeita de serem de fachada. Tudo como acontece nesta denúncia sobre a FPF.

Caso liga Del Nero a dinheiro público pela 1ª vez

Presidente da CBF desde 2014, Del Nero se mantém no cargo apesar de uma série de denúncias de corrupção. O fato de a CBF não receber recursos públicos, porém, sempre o permitiu passar longe de qualquer acusação no Brasil, como chegou a mostrar o UOL no ano passado. As únicas opções para Del Nero deixar o poder eram o avanço de uma CPI, que acabou em pizza, ou investigações internacionais.

A reportagem do Olhar Olímpico mostra, no entanto, que o cartola já geriu dinheiro público. É o próprio Del Nero quem assina todos os contratos polêmicos citados pela reportagem (veja aqui). Por se tratar de uso de verba estadual, porém, caberia ao Ministério Público de São Paulo, e não ao MPF, abrir uma investigação. Da mesma forma, à Polícia Civil, não à Polícia Federal. O UOL está à disposição das autoridades para repassar os documentos citados nesta reportagem.

Marin, médico da CBF… Caso atinge figuras próximas de Del Nero

Os convênios são transferências voluntárias do governo ou de secretarias a entidades do terceiro setor ou prefeituras. A requerente (no caso, a FPF) apresenta um projeto, uma série de documentos obrigatórios e um plano de trabalho. Junto dele, três orçamentos que justifiquem os valores que serão contratados de terceiros. À época, a escolha dos projetos por parte da SELJ, entre os que cumprem todos os requisitos legais, era puramente política – a Lei dos Convênios, de 2014, mudou um pouco esse cenário.

Todos os convênios do caso foram firmados enquanto a SELJ era gerida pela seccional paulista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que tem como vice-presidente, até hoje, José Maria Marin. Os últimos dois desses convênios foram assinados duas semanas antes de Marin, então vice-presidente da CBF, indicado pelo próprio Del Nero, assumir o comando da entidade no lugar de Ricardo Teixeira, em março de 2012.

Marin cumpre prisão domiciliar atualmente em Nova York (Eduardo Knapp/Folhapress)

O primeiro dos três convênios entre SELJ e FPF foi assinado em 20 de maio de 2011, durante o curto mandato de Jorge Pagura à frente da secretaria. Médico neurocirurgião, ele chegou ao cargo quando já era um dos homens de confiança de Del Nero, diretor de Assuntos Médicos da FPF. Sua gestão durou só mais um mês, exatamente. Denunciado pelo Fantástico em um escândalo que envolvia fraudes em licitações e pagamentos indevidos por plantões médicos, ele renunciou ao cargo em junho e, depois, foi indiciado por formação de quadrilha. Hoje, é o diretor médico da CBF.

Foi a Pagura que Del Nero pediu, e conseguiu, a liberação de R$ 2,530 milhões para a realização do que chamou ser o 1º Campeonato Estadual de Futebol Amador de Seleções de Ligas Municipais. A Sport Promotion, beneficiada com R$ 1,2 milhão, é parceira próxima de Del Nero até hoje. A empresa dos sócios João José Bastos e José Francisco Coelho Leal ganhou, no mês passado, a organização do Brasileiro de Aspirantes, recém-criado pela CBF. Também é a agência que cuida da Série B e dos Brasileiros sub-17, sub-20, feminino e da seleção brasileira de futebol de areia.

Empresas próximas à Sport Promotion levam 40% da verba dos convênios

A Sport Promotion recebeu R$ 1,2 milhão dos R$ 6,6 milhões repassados pelo poder público à FPF por meio dos três convênios, mas também há ligações suspeitas em outros pontos do caso. Foi a pequena Luis Felipe Coelho Leal – ME, por exemplo, que dividiu a organização dos eventos com a Sport Promotion. Recebeu, por isso, cerca de R$ 1 milhão em pelo menos seis subcontratos.  

A microempresa que pertence ao filho caçula de José Francisco Coelho Leal, dono da Sport Promotion, recebeu R$ 202 mil da FPF para produzir "lonas e painéis" para o estadual de ligas de 2011. Tudo antes de chegar à sua nota fiscal de número 60. Dali em diante, ela se tornaria parceira frequente da entidade para atividades como logística de placas de publicidade e confecção de backdrops. Em um só contrato, levou mais de R$ 400 mil.

Todas as vezes em que foi contratada, a Luis Felipe Coelho Leal teve seus preços comparados com os de outras duas empresas: a Núcleo Produções Cinematográficas, que atua com "soluções cinematográficas", e a Memories Eventos Especiais, única que de fato atua no ramo esportivo. Como no caso da Sport Promotion, mesmo derrotadas nas concorrências do primeiro convênio, elas não baixaram o preço para ganhar o serviço nos demais.

Lidia Perez também não saiu de mãos abanando. Foi ela a vencedora das três concorrências para fazer a assessoria de imprensa dos torneios, ainda que FPF tivesse equipe interna para tal serviço. No total, ela levou R$ 114 mil, fazendo com que as três empresas ligadas à Sport Promotion, juntas, ficassem com R$ 2,3 milhões, cerca de 40% do valor repassado à FPF pela SELJ.

 Especialistas reforçam indícios de fraude

A FPF apresentou as contas sobre os três convênios à SELJ, que as aprovou sem contestação. No Tribunal de Contas do Estado, igualmente, a prestação não foi questionada.

O Olhar Olímpico, porém, enviou toda a documentação para dois importantes especialistas em controle de gestão de recursos públicos, que não podem ter seus nomes expostos porque não estão envolvidos na fiscalização desses convênios. Os dois, porém, foram unânimes em apontar que os indícios de fraudes são "fortes".

A começar pela relação entre a Sport Promotion e sua assessora de imprensa. "Isso configura, no mínimo, conflito de interesses. É preciso respeitar o princípio de impessoalidade. As despesas públicas não existem para atender interesse de pessoas", aponta um dos entrevistados, ressaltando que, individualmente, isso não pode ser apontado como uma "evidência" de fraude. Mas que o caso se soma a um "conjunto de indícios".

Um deles é a existência de orçamentos genéricos. "Esse caso se assemelha muito a outros casos ligados a confederações esportivas investigadas. O modus operante é muito similar. Todas elas atuam de forma muito parecida e de forma deficiente. Os orçamentos genéricos, por exemplo. Aparece apenas: 'consultoria esportiva; quantidade: uma'. Ou 'planejamento de logística, R$ 120 mil'. É humanamente impossível saber se como chega nesse valor. Não há quantitativos, não há um nível detalhamento", critica o mesmo especialista.

"Essas cotações genéricas indicam fraude à licitação. Numa licitação real, uma empresa que entra de forma idônea para competir precisa saber o que ela precisa fornecer para apresentar o preço. Essa forma de execução prejudica o controle, porque você não tem como aferir se aquilo foi prestado. Há uma grande margem para desvio de recursos", avalia a outra fonte consultada pelo Olhar Olímpico.

Os dois especialistas ainda concordam que o fato de os três convênios serem bastante parecidos entre si, envolvendo as mesmas empresas e os mesmos serviços, com pequenas variações, ainda configura mais um indício de fraude. "Se são convênios idênticos, propostas idênticas, na jurisprudência do judiciário é indicio a burlo ao controle", explica um deles.

Secretaria promete investigar e cartolas negam irregularidade

Procurada pela reportagem, a SELJ, que hoje tem como secretário o delegado da Polícia Federal Paulo Gustavo Maiurino, ressaltou as contas foram aprovadas à época e que "os objetos dos convênios foram efetivamente realizados" – ou seja, que os campeonatos existiram. Mas, a partir dos documentos apresentados, disse que vai solicitar à Corregedoria Geral da Administração uma "correição extraordinária" nos três convênios citados, buscando "a apuração integral" dos fatos mencionados pela reportagem.

Por intermédio da assessoria de imprensa da CBF, Marco Polo Del Nero avisou que não responderia à reportagem, uma vez que cabia à FPF fazer isso. Já a federação enviou nota afirmando que os convênios obedeceram a todos os trâmites estabelecidos, de forma transparente. "Todas as contas foram prestadas e aprovadas pelos órgãos competentes", escreveu a entidade, pontuando que os campeonatos foram transmitidos na televisão (por Cultura e BandSports) e reuniram 36 ligas municipais e 32 times amadores, que disputaram 289 partidas.

Jorge Pagura assinou um dos três convênios com indícios de fraude (Pedro Ivo Almeida/UOL)

A FPF não respondeu "por que cotou 'consultoria esportiva' com uma empresa de fotografia", nem como foram escolhidas as empresas que ofereceram orçamentos. Da mesma forma, não respondeu se considera que a concorrência entre a Sport Promotion e sua assessora de imprensa foi leal aos princípios da administração pública.

A Sport Promotion confirma que Lidia Perez já trabalhava na empresa em 2009, mas como "PJ" – ou seja, sem vínculo empregatício. Sobre suas funções nos campeonatos citados, a agência disse que "são tantos campeonatos e torneios realizados que é impossível saber de memória". Mas complementou: "Basicamente é a coordenação geral, mas cada contrato tem especificações únicas, só olhando os próprios contratos para saber." A reportagem foi respondida dois dias após enviar seus questionamentos e as notas fiscais podem ser consultadas pela internet.

Sobre a relação entre a Sport Promotion e a Luis Felipe Coelho Leal-ME, a primeira disse apenas que esta "presta serviços para a Sport Promotion e para outras empresas". Questionada sobre a experiência da LaPerez em gestão de eventos esportivos, Lidia respondeu que a empresa "presta serviços de coordenação, produção, divulgação e assessoria de eventos esportivos, sociais, corporativos e culturais, entre outras atividades correlacionadas".

Jorge Pagura, por telefone, disse ao UOL que se afastou de seu cargo na FPF, não remunerado, quando assumiu a secretaria. Depois, pediu para enviar uma nota por escrito. Nela, não voltou ao tema. Explicou que "jamais foi assinado qualquer convênio contrariando a legislação vigente e os pareceres técnicos e jurídicos da SELJ", e ressaltou que uma das atribuições da secretaria é o fomento das atividades esportivas.

Ele fez questão de assinalar que, "antes da assinatura de cada convênio, todos os projetos são avaliados pelas áreas técnicas responsáveis e o convênio só é assinado pelo secretário após a emissão de parecer jurídico pela Procuradoria Geral do Estado".

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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