Câmara tem barraco e até tucano contra Doria por venda de Interlagos
Demétrio Vecchioli
09/11/2017 15h40
A Câmara Municipal de São Paulo deu um rito muito mais veloz do que o usual para aprovar em primeiro turno a venda do Autódromo de Interlagos à iniciativa privada. Após dois dias agitados, que incluíram uma visita do prefeito João Doria (PSDB) para conversar com lideranças, um intenso bate-boca em plenário e um tucano entrando na Justiça contra o rito, a prefeitura saiu vitoriosa, conseguindo a aprovação da privatização do autódromo por 37 votos a 9. Assim, consegue dar um recado à Fórmula 1 na semana que antecede ao GP Brasil.
Ainda que defenda a privatização de Interlagos desde a campanha eleitoral, Doria só enviou à Câmara o curto projeto de lei que autoriza a venda do autódromo no dia 10 do mês passado. O prefeito, porém, alegou que tinha pressa na aprovação ao menos em primeiro turno e pediu que a Câmara o aprovasse ainda esta semana, antes do GP Brasil. "Votamos o projeto ontem (quarta) para aproveitar a oportunidade da Formula 1, que passa no mundo inteiro. Assim, a gente chama atenção de que queremos vender o autódromo e buscamos mais interessados em participar da licitação", argumenta Nomura, líder do governo.
Até terça-feira à tarde, porém, o projeto não havia caminhado na Câmara. Após reunião com Doria no começo da tarde, quando foram presentados com um kit de vitaminas que levam o nome do prefeito, os vereadores da base passaram a tratar a privatização como prioridade. Foi formado um Congresso de Comissões, para que o projeto fosse discutido de uma só vez em todas as comissões necessárias antes de chegar ao plenário. Isso incomodou inclusive um vereador tucano, Mário Covas Neto, presidente da Comissão de Constituição e Justiça. No mesmo dia, ele entrou com um Mandado de Segurança na Justiça.
"Houve uma violação do regimento interno da Câmara Municipal. Antes de um projeto ser votado em plenário ele deve passar pela CCJ. Houve uma pressão muito grande para que se votasse em primeira instância ainda essa semana. E ao ter essa pressa, foi feito o Congresso de Comissões, que normalmente é feito só depois de passar pela CCJ", reclama o filho do ex-governador Mário Covas.
Acusando que a Câmara estava prestes a cometer um "ato ilícito", Covas Neto entrou com o Mandado de Segurança pedindo a proibição da votação em plenário, inicialmente programada para terça-feira à noite. O desembargador responsável só leu o mandado na quarta pela manhã e, considerando ser tarde demais, não deu a liminar. O vereador recorreu, afirmando que ainda havia tempo hábil, já que votação aconteceria só na quarta-feira no fim da tarde, mas novamente não obteve resposta à tempo.
Ainda na terça-feira, o plenário foi palco de um bate-boca. José Police Neto (PSD) reclamou que um texto alternativo apresentado por ele não seria nem lido em plenário e se exaltou. Jogou um calhamaço de papel, gritou, gesticulou, disse palavrões e repetiu que aquilo era "uma palhaçada", precisando ser contido por Aurélio Nomura (PSDB), líder de Doria. O vídeo foi disponibilizado no Facebook pela página Câmara Man, enquanto que a versão oficial da gravação, disponibilizada pela Câmara, teve o áudio cortado neste trecho.
Com o tema em plenário, na quarta-feira, Covas Neto foi o único vereador a se abster. "Meu voto é não pelo projeto, mas pela forma com que foi votado, sem cumprir os trâmites", reclama. Reis (PT), um dos nove a votar contra, também protesta. "Tem um acordo de lideranças que determina que os projetos para serem no plenário têm que passar na CCJ. Atropelaram todo o procedimento legislativo. Ele foi atropelado porque a vontade do prefeito impera. O prefeito fala 'eu quero isso' e os vereadores da base saem correndo fazendo a vontade do prefeito", critica.
Nomura rebate e diz que já jurisprudência de que os projetos não têm que passar exclusivamente pela CCJ e que o Congresso de Comissões é válido, uma vez que a CCJ é parte dele.
O projeto – A versão do PL 705/2017 aprovada em primeiro turno é bastante simples. Tem apenas 11 parágrafos, mas não estipula um valor mínimo pelo qual o autódromo deve ser vendido. Além disso, critica a oposição, permite que só posteriormente que o executivo só formule um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) após a sanção da lei.
O PIU é chave da privatização. Afinal, é esse projeto que definirá o que será permitido e o que será proibido construir na área de 950 mil metros quadros do autódromo. Ou seja: só a partir do PIU é que será possível determinar se o autódromo vale X ou 10X. Para Reis, a Câmara está passando um cheque em branco ao prefeito.
"Esse projeto, como todos de desestatização enviados pelo prefeito, afrontam o nosso sistema legal. O projeto não está devidamente justificado quanto a por que o executivo quer vender o autódromo. É uma coisa pessoal, do prefeito. Ele não justifica por que vender, quanto de recurso vai trazer para os cofres públicos. A Lei de Licitações estabelece as etapas que antecedem a alienação do bem. A primeira etapa é o interesse publico devidamente justificado. Isso não está no projeto. Não foi feita prévia avaliação", critica Reis. "Quem vai ganhar com isso? Não é o município, mas o comprador."
Nomura garante que todos os trâmites serão cumpridos. "Só vamos aprovar o projeto em segundo turno conjuntamente com o PIU. Tanto que ainda esse mês ainda nós temos uma reunião com a secretária de Urbanismo e Licenciamento (Heloisa M. Salles Penteado Proença), responsável pelo PIU. Realizarmos tantas audiências públicas quanto forem necessárias. A votação ontem foi para dar divulgação mais ampla possível", explica.
Presente – Durante a reunião de terça-feira, Doria distribuiu aos aliados um kit de "DoriaVit", um suplemento alimentar da Ultrafarma que homenageia o prefeito. O produto aparece como "indisponível" no site de e-commerce da empresa farmacêutica, mas tem como valor de mercado R$ 164,00, contendo potes das vitaminas Doriavit Energy, Doriavit Memory e Doriavit Vitality.
Apenas os vereadores aliados, convidados para uma reunião a portas fechadas com Doria, receberam o mimo. O próprio Covas Neto não esteve no encontro e, por isso, não foi presenteado pelo prefeito. Ainda assim, ganhou um pote de vitaminas de um colega.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.