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Passo a passo: entenda por que Nuzman é acusado por quatro crimes

Demétrio Vecchioli

19/10/2017 04h00

(foto: Bruno Kelly/Reuters)

Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do COB e presidente afastado do Comitê Rio-2016, está preso desde o último dia 5 de outubro, quando foi deflagrada a segunda fase da operação Unfair Play. Mas, até terça-feira à noite, não havia contra ele uma ação penal. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi tornada pública na quarta e, se acatada pelo juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Lava-Jato no Rio, Nuzman se tornará réu por quatro crimes: corrupção passiva, organização criminosa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

A denúncia, que acontece no âmbito da Lava-Jato e também envolve seu braço-direito Leonardo Gryner, o ex-governador Sergio Cabral e o empresário Arthur Soares, o "Rei Arthur", não traz fatos novos à investigação que já ocupa o noticiário há quase um mês e meio. Mas compila uma série de informações colhidas em depoimentos, em mandados de busca e apreensão e em documentos oficiais para explicar como operava a suposta organização criminosa.

O começo – As investigações tiveram início no Ministério Público da França, que investigava movimentações financeiras de Lamine e Papa Diack, senegaleses, pai e filho. Após a dica de um ex-dirigente esportivo brasileiro (Eric Maleson, deposto pela Justiça na Confederação de Desportos no Gelo), eles procuraram por movimentações suspeitas próximas à votação para a sede da Olimpíada de 2016, em setembro de 2009, e encontraram depósitos de uma empresa ligada ao empresário Arthur Soares.

No Brasil – O "Rei Arthur" já era investigado por participar da organização criminosa ligada a Sergio Cabral, ex-governador do Rio que, com a denúncia apresentada a esta semana, ampliou sua coleção a 16. Era Cabral, para o MPF e para a Polícia Federal, quem comandava um esquema que beneficiava uma rede de empresários com contratos públicos fraudulentos.

Os investigadores franceses e brasileiros não encontraram motivo aparente para a transferência de US$ 2 milhões por parte de Rei Arthur para os Diack, que têm voto na assembleia do Comitê Olímpico Internacional (COI), exceto a suspeita de compra de votos. Suspeita essa reforçada por cobranças feitas por Papa Diack a Nuzman e Gryner, por e-mail, que dão a entender que houve um arranjo. Para o MPF, os dirigentes do COB (e depois do Comitê Rio-2016) negociaram a compra de votos e Arthur Soares efetivou a compra.

Unfair Play, 1ª fase – Foi essa suspeita que levou à primeira fase da Operação Unfair Play, em 6 de setembro, quando foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos endereços associados a Nuzman e às sedes do COB e do Comitê Rio-2016. Neste momento foram encontrados documentos que reforçaram essa associação entre Nuzman e a organização criminosa de Cabral.

Afinal, como descobriram os procuradores, o Comitê Rio-2016 firmou contrato com empresas ligadas a essa organização criminosa, especialmente as de Arthur Soares, mas também de Jacob Barata, do ramo de transportes. No caso do Rei Arthur, ele é dono do que era para ser o Trump Hotel, um hotel que deveria ter ficado pronto antes da Olimpíada e não ficou. E isso acabou sendo decisivo para que Nuzman fosse denunciado.

O presidente dos EUA – O Trump Hotel foi construído pela LSH Barra Empreendimentos Imobiliários, de Arthur Soares, mas levaria o nome da rede que pertence ao hoje presidente dos Estados Unidos Donald Trump. O Comitê Rio-2016 reservou diversos quartos para receber dirigentes durante a Olimpíada, mas o hotel não ficou pronto a tempo. Em dezembro, o Comitê resolveu dar um desconto de 30% na multa que a LSH deveria pagar. No mesmo mês, Trump tirou sua marca do empreendimento, que até então não havia ficado pronto.

O desconto – A denúncia de Nuzman por associação criminosa e por corrupção passiva só faz sentido por causa desse desconto. Os procuradores alegam batem na tecla do "jogo de ganha-ganha". Eles defendem a lógica de que a Arthur Soares comprou votos para que o Rio ganhasse a Olimpíada e foi recompensado, por exemplo, com esse desconto. Como o Comitê recebeu recursos públicos em forma de patrocínio de estatais, esse desconto seria coberto com dinheiro público. Isso confirma, para os procuradores, o modelo de organização criminosa. E ainda ajuda a imputar sobre Nuzman o crime de corrupção passiva.

Corrupto? – Como explicou o Blog do Rodrigo Mattos, essa acusação é a grande novidade da denúncia. Porque só pode ser réu por corrupção passiva quem é agente público e Nuzman não tem nenhum cargo governamental.

Mas o MPF formulou uma tese para demonstrar que Nuzman tinha responsabilidades, como presidente do COB, semelhantes a de um agente público. Afinal, o desporto é uma atividade que deve ser fomentado pelo estado e, se o COB cumpre esse papel, ele assume função pública. Além disso, o COB recebe recursos públicos e representa a União em eventos internacionais de esporte de alto rendimento.

É um entendimento polêmico, que precisa, claro, convencer o juiz responsável em primeira instância pelo caso, Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. Se isso acontecer, será criada uma jurisprudência que poderá permitir a possibilidade que outros dirigentes esportivos, inclusive da CBF, possam ser denunciados por corrupção passiva.

O ouro – Os outros dois crimes pelos quais Nuzman foi denunciado estão relacionados a uma chave e um cartão de um depósito suíço encontrados em sua casa. Não foi difícil para os investigadores descobrirem que ele guardava 16 quilos de barras de ouro dentro de um cofre em Genebra. A tese ganhou força quando o próprio Nuzman retificou seu Imposto de Renda para informar das barras da ouro e foi comprovado quando a polícia suíça, por um acordo de cooperação, foi até o local e lá encontrou o ouro.

Para o MPF, as barras de ouro, compradas em 2014, são frutos do esquema de corrupção do qual Nuzman supostamente participava. Os procuradores ressaltam, na denúncia, que o patrimônio dele cresceu imensamente durante 2006 e 2016.

Lavagem de dinheiro – Se há diversos indícios de que houve compra de voto em 2009, a denúncia por lavagem de dinheiro é relativamente vaga, a partir de uma série de fatos suspeitos. Por exemplo: Nuzman costuma pagar suas contas em dinheiro vivo. Até seus empregados recebem seus salários em dinheiro. Não há nenhuma restrição legal a isso, mas em situações de lavagem de dinheiro, essa prática é recorrente. O dinheiro sujo entra e sai sem passar pelo sistema financeiro.

Outros indícios são o fato de Nuzman guardar mais de R$ 400 mil em casa em dinheiro vivo, em cinco moedas diferentes, e os saques em altos valores realizados nas contas do COB.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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