Gatlin vence, mas Bolt é quem dá volta olímpica com o bronze em despedida
Demétrio Vecchioli
05/08/2017 17h56
AP Photo/Tim Ireland
O mundo ainda não sabia como Usain Bolt se comportava quando não ganhava uma prova. Descobriu neste sábado, exatamente quando ninguém queria mais saber como isso seria. Bom, Bolt se comportou como o ídolo que é, independente do resultado. Pegou a bandeira da Jamaica e começou sua volta olímpica. Ninguém no Estádio Olímpico de Londres, nem ele, parecia se importar com o fato de que o vencedor da última prova individual da carreira de Bolt foi seu arquirrival Justin Gatlin. O jamaicano foi bronze, e só, numa chegada apertadíssima. Christian Coleman, outro norte-americano, beliscou a prata em seu primeiro Mundial.
Gatlin e Bolt são arquirrivais na cabeça do público do mundo inteiro, muito mais do que na deles mesmos – basta ver a foto que ilustra este post. É que o norte-americano de 35 anos foi ficando mais rápido à medida que ficava mais velho, depois de passar por dois casos de doping. O mundo passou a considerar que Gatlin faz o que faz por ser um atleta trapaceiro, exatamente o oposto de Bolt, mais carismático dos esportistas de sua geração.
Não à toa, foi o jamaicano que atraiu 51 mil pessoas ao Estádio Olímpico de Londres neste sábado. A maioria deles gritou o nome de Bolt diversas vezes durante as três horas de sessão, desde a semifinal. Cada vez que o nome de Bolt era citado ou ele aparecia no telão, todos se lembravam por que estavam lá: "Usain Bolt, Usain Bolt, Usain Bolt". Exatamente o oposto do tratamento dado a Gatlin, vaiado todas as vezes que foi apresentado – para as eliminatórias, na sexta, na semi e na final. Uma vaia contundente, de certa forma até envergonhante.
Mas acabou sendo Gatlin a sair com a medalha de ouro dos 100m na prova de despedida de Bolt. Os dois cruzaram a linha de chegada praticamente juntos, enquanto o estádio inteiro respirava fundo na torcida para que Bolt, que largou muito mal, alcançasse o norte-americano. Até alcançou, mas não foi o suficiente.
O jamaicano terminou com o bronze, porque também terminou atrás do norte-americano Christian Coleman, de apenas 21 anos, revelado na mesma Universidade do Tennessee na qual Gatlin começou. Gatlin fez 9s92, seu melhor na temporada, enquanto Coleman marcou 9s94. Bolt marcou 9s95, igualando o melhor da sua breve temporada, na qual só correu três provas.
Foram longos segundos até que o telão mostrasse o resultado de Gatlin, vencedor. O estádio inteiro se assustou, até Gatlin, que primeiro gritou e depois fez um símbolo pedindo silêncio para a torcida. Em seguida, se ajoelhou para reverenciar Bolt, a quem abraçou. "Você merece, trabalhou para isso. Você não merece essas vaias, você é um cara bom", teria dito o jamaicano, segundo Gatlin.
Após o abraço, Bolt partiu pegar a bandeira que está sempre esperando por ele junto de onde ficam os fotógrafos, depois da reta de chegada, e começou sua volta olímpica. Ele sabe bem como fazer isso. Só aqui, no Estádio Olímpico de Londres, ganhou três medalhas nos Jogos de 2012.
"Foi difícil, mas eu encarei como qualquer outra competição e dei meu melhor", disse Bolt após a prova. "Obrigado pelo apoio, eu não esperaria isso de nenhuma outra torcida. Eles me incentivaram a dar meu melhor. Minha largada é o que está me matando. Normalmente, ela fica melhor ao longo das etapas, mas hoje ela não se acertou. E isso me matou".
No total, foram 11 medalhas de ouro em Mundiais, duas de prata (ambas conquistadas em Osaka-2007, quando tinha somente 20 anos) e agora esta de bronze. Em Olimpíadas, ganhou nove vezes, mas uma de suas medalhas, a conquistada no revezamento 4x100m em Pequim, acabou cassada por doping de um de seus companheiros.
Gatlin já conhecia o gosto da vitória – venceu os 100m nos Jogos de Atenas, em 2004, e depois fez dobradinha nos 100m e 200m no Mundial de Helsinque, em 2005 -, mas nunca uma como a deste sábado, contra Bolt e um estádio inteiro. Vaiado, ele pegou a bandeira dos Estados Unidos, foi procurar por alguém na arquibancada, e nem se arriscou a dar a volta olímpica. Seria uma vaia ainda mais contundente e ele sabia disso. Saiu de fininho, enquanto Bolt estava nos braços do povo. Literalmente.
O público odiou tanto o resultado que Bolt nem esperou ele terminar sua volta olímpica para começar a deixar o estádio. Quem ficou, porém, viu o tradicional raio na linha de chegada.
Mas a carreira de Bolt ainda não terminou. Não necessariamente. Ele não se inscreveu para os 200m no Mundial, nem treinou para esta prova na temporada, mas deverá correr o 4x100m com o revezamento da Jamaica, no domingo. A expectativa agora é se ele aparece já nas eliminatórias ou se deixa para correr só a final, correndo o risco de uma desclassificação de seus companheiros nas eliminatórias.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.