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Após ouro, Etiene espera críticas e diz não estar 'nem aí' por prova não ser olímpica

Demétrio Vecchioli

27/07/2017 15h30

Etiene sabe que, enquanto ela comemorava a primeira medalha de ouro da natação feminina brasileira em Mundiais de Natação em piscina longa, no Brasil havia quem estivesse minimizando seu feito, argumentando que o ouro foi obtido em uma prova que não faz parte do programa olímpico: os 50m costas. A resposta dela já está na ponta da língua: "Tô nem aí".

"Eu não quero mais me importar com isso. Sei quanto batalhei, sei quanto treinei, quanto meu técnico ficou feliz ou chateado com meu treino. 'Tô' nem aí. Sei que vou chegar no Brasil e vai vir alguém falar isso, mas vou responder: 'Estou feliz, ganhei medalha. Você ganhou?'. Tenho que ser assim. Sou mais quietinha, mas os brasileiros têm que aprender a dar valor às nossas medalhas, dar valor ao que a gente tem", desabafou, ainda na zona mista do Duna Arena, enquanto batia no estojo no qual já havia guardado sua histórica medalha de ouro.

Foi a primeira dourada conquistada pela natação brasileira, que faz boa campanha em Budapeste. Até aqui, foram quatro medalhas, sendo três em provas que não constam no programa olímpico, ainda que a Federação Internacional de Natação (Fina) tenha solicitado a inclusão nos Jogos de Tóquio, o que o Comitê Olímpico Internacional (COI) recusou. Assim, em Tóquio-2020 não haverá os 50m costas em que Etiene foi ouro, nem os 50m peito da prata de João Gomes Jr, nem os 50m borboleta da prata de Nicholas Santos. Também não terá duas das três provas nas quais Ana Marcela Cunha medalhou na maratona aquática: os 5km e os 25km. Ela ainda foi bronze nos 10 quilômetros.

"Se é isso é o que a gente tem, vamos agradecer. Temos sim que pensar o que temos que fazer para melhorar. Temos que investir, investir em outras pessoas para que isso evolua. O atleta sozinho ele não vai. Estou preparada para chegar no Brasil e escutar isso (as críticas) e preparada para ignorar isso. Consegui índice em quatro provas para a Olimpíada em quatro provas, sou finalista olímpica nos 50m livre", exaltou.

Com o ouro em um Mundial de piscina longa, Etiene sobe mais um degrau e aumenta uma enorme lacuna entre ela e qualquer outra nadadora brasileira. A pernambucana de 26 anos foi pioneira em medalha em Mundial Júnior, em Mundial de Piscina Curta (25m), em ouro em Jogos Pan-Americanos, em medalha em Mundial de Natação, em recorde mundial em piscina curta e em ouro em Mundial de Piscina Curta.

Nunca outra nadadora brasileira chegou perto dos feitos dela e a própria Etiene admite que isso não é fator de orgulho, mas de preocupação. Em Budapeste, a delegação brasileira, de 16 atletas, tem só três mulheres. Joanna Maranhão nadou três provas e não avançou a nenhuma final, ainda que tenha batido o recorde sul-americano dos 200m medley, dado perto do seu melhor nas outras duas e ainda tenha os 400m medley, sua prova favorita, para nadar. Já Manuella Lyrio não avançou sequer à semifinal tanto nos 100m livre quanto nos 200m livre.

"Estar vendo três meninas na seleção não é legal. A gente quer estar nadando entre os melhores, mas precisamos achar um meio de nossa natação feminina despontar não só com uma garota, mas também com outras. A forma de tratar o masculino e o feminino tem que ser diferente. O masculino está muito acima. Tem que ir resgatando. É como o judô, como a Joanna sempre fala. Quando teve a separação dos gêneros, teve uma melhora ferrada. A gente está precisando de suporte. Precisamos de pessoas competentes, técnicos competentes. Não tô dizendo que não tem, tem. Mas tem que lapidar um pouco mais", reclamou.

Etiene sabe que, ao despontar como uma atleta muito acima da média, ela já se tornou um expoente da modalidade, o que faz com que tenha responsabilidades. "Desde Doha (Mundial de Piscina Curta na qual ganhou sua primeira medalha) venho batalhando para que a natação feminina esteja no mesmo nível. Não quero só Etiene Medeiros, quero várias outras meninas. Queria que as pessoas acreditassem na gente. Espero que essa medalha consiga fazer reagir várias outras atletas, mas também dirigentes de megas empresas, que tornem o apoio mais sincero. A gente tem que acompanhar o pessoal, eles estão muito acima. Passou o Jogos e gente tem que (estalar de dedos, indicando aceleração)."

Da mesma forma, a pernambucana também tem consciência de que não pode assumir sozinha esse fardo. A evolução da natação brasileira, e feminina, passa por um comportamento diferente dos atletas. "Tem que ter competitividade, trazer essas meninas mais novas. Não podemos nos ver como adversárias, mas ver como: 'P…, vamos, temos revezamento, a gente pode estar junto". precisamos melhorar muita coisa fora da piscina. Dentro da piscina a gente faz resultado, mas fora da piscina a gente precisa ser unida, carne osso, ser humano, apoiar. Mesmo que tenha a rivalidade de clubes. a gente tem que ser mais unidos para que nossa natação cresça. Isso tem que vir de cada um."

(Satiro Sodré/SSPress/CBDA

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.


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