Família relata Coaracy com demência senil e usando cuecas geriátricas na prisão
Demétrio Vecchioli
20/06/2017 04h00
Coaracy Nunes (Satiro Sodré/SSPress)
Presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) por quase três décadas e um dos dirigentes esportivos mais influentes do país em seu tempo, Coaracy Nunes está sentindo na pele como são os sistemas judicial e penitenciário do país. Mesmo em estado de demência senil, tomando diariamente um coquetel de 14 remédios e usando cuecas geriátricas, Coaracy, de 79 anos, segue detido preventivamente na Penitenciária de Benfica, na Zona Norte do Rio, sem ter acesso a um médico que possa avaliar suas condições de saúde. Enquanto isso, um pedido de habeas corpus para ele e outros três dirigentes da CBDA tramita há mais de dois meses no Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF3). A expectativa é que o mérito seja julgado na terça-feira da semana que vem,.
"A prisão preventiva que é a pior que se tem. Você está retido sem ter julgamento, sem ter o direito de defesa, e não pode nem recorrer à Vara de Execuções Penais. A gente está brigando com uma juíza que não aceita a condição clínica dele", reclama Luciana Nunes, filha de Coaracy.
Advogado de defesa de Coaracy e dos demais presos na Operação Águas Claras da Polícia Federal em 6 de abril (Ricardo de Moura, Ricardo Cabral e Sérgio Alvarenga), Mauro Tsé chegou a apresentar dois laudos médicos sobre as condições clínicas de Coaracy antes de ser preso, mas não conseguiu sensibilizar o TRF.
Na comunidade aquática, circulam há semanas relatos de que Coaracy Nunes tem dado "trabalho" na prisão. Logo que foi preso, ele teve um surto emocional e, desde então, sofre com incontinência urinária. Por isso, precisa usar cuecas geriátricas o tempo todo. Desde o último dia 30 de março, a situação piorou. "Ele começou a ficar desorientado. Acorda sem saber onde está. Precisam explicar para ele que ele está preso em Benfica, aí ele vai entendendo o que está acontecendo, mas entra em um quadro depressivo", conta Luciana. "É um descontrole farmacológico, que pode ser tratado clinicamente", aponta.
Há anos Coaracy tem diabetes, mas seu quadro clínico piorou muito em 2014, depois de uma queda em casa. Só em 2015 é que veio o diagnóstico, do médico Paulo Niemeyer: uma hidrocefalia. Coaracy tinha uma bolha de água do tamanho de uma bola de tênis no cérebro. Por decisão da família, o então dirigente só foi operado em dezembro de 2016. Temiam que ele não resistisse à cirurgia e não pudesse ver de perto uma Olimpíada no Rio.
Na Rio-2016, aliás, Coaracy apareceu quase sempre de cadeira de rodas, já com traços de demência. Naquele momento, ele não comandava mais a CBDA, que desde 2014 passou a ser tocada, no dia-a-dia, por Ricardo de Moura. Após a cirurgia, no fim de 2016, porém, a condição de saúde de Coaracy melhorou consideravelmente, a ponto de ele passar a frequentar uma academia e voltar a caminhar sem grandes dificuldades.
Primeiro em Bangu 8 e depois em Benfica, para onde foi transferido há cerca de um mês junto com os presos da Lava-Jata, Coaracy viu seu quadro clínico piorar. "Ele tem diabetes, hipertensão, colesterol. Durante esse processo veio uma demência senil muito acentuada", conta a filha. Entre os remédios que Coaracy toma diariamente estão o Seroquel, indicado para o tratamento da esquizofrenia, e o Lexapro, antidepressivo.
Os remédios são dados diariamente por Ricardo de Moura, que virou o cuidador de Coaracy dentro da prisão. Desde que foi preso, porém, o dirigente continua tomando os mesmos medicamentos, apesar da mudança em seu quadro clínico. De acordo com o advogado de defesa, a juíza do TRF3 ainda não respondeu sobre um pedido para que o dirigente receba a visita de um médico. O processo corre em segredo de Justiça
"Eu nem posso entrar com os direitos de preso, porque, em teoria, ele não está preso. Tudo que eu posso fazer é pedir uma avaliação médica. Todos esses 14 remédios que ele toma diariamente, ele tomava numa condição de melhora expoente. Se a consciência dele flutua, o estado de percepção não é o que a gente vive, então não é muito mais fácil tirá-lo dessa situação desumana?", reclama Luciana.
O Olhar Olímpico apurou, porém, que causou grande mal-estar o fato de um dos filhos de Coaracy, que leva o mesmo nome que o dele, ter ligado para o cartório onde está o processo cobrando que o pai fosse solto, usando para isso palavras muito pouco amistosas. Foi depois disso que o pedido de prisão domiciliar foi rejeitado pela juíza Raecler Baldresca.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.