Gigante brasileiro ganha a Champions e vira herói nacional na Macedônia
Demétrio Vecchioli
07/06/2017 10h00
Multidão recebe o campeão Vardar
Quando percorreu num carro popular, com mais quatro garotos, os 2 mil quilômetros que separam Belém do Pará e Recife, em Pernambuco, para participar de uma peneira, o já gigante pivô Rogério tinha muito sonhos no handebol. Na lista não estava o seu último feito: ser laureado herói nacional da Macedônia. A honraria, entregue ontem pelo presidente do país de 2 milhões de habitantes, é um reconhecimento pelo maior título da história da ex-república iugoslava: o da Champions League do handebol.
Há um ano e meio, a possibilidade ser campeão da Champions como titular nem passava pela cabeça de Rogério. E nem tinha como passar. Em sua primeira temporada na Europa, no fortíssimo Kiel, da Alemanha, o pivô brasileiro de 2,04m e 122kg não chegou a jogar nem 60 minutos – tempo de uma partida. Isso porque o time dele entrou em quadra mais de 100 vezes.
Encostado e desiludido, ele não pensou duas vezes quando recebeu um inesperado convite do Vardar para morar na Macedônia e jogar num clube que nunca havia chegado sequer ao Final Four. Joan Cañellas, um espanhol que também jogava no Kiel, havia fechado com o Vardar e ficou sabendo que o clube macedônio buscava um pivô jovem, de potencial. Defendeu a contratação de Rogério, hoje com 23 anos, que acabou acertando um contrato de três anos.
Só ao chegar na Macedônia é que Rogério descobriu que ele não era o primeiro brasileiro a desbravar o país. Duda já havia atuado lá e ganhado diversos títulos pelo rival Kometal. O que ele também não sabia era que, assim como Duda, que este ano faturou o tri pelo Gyori, da Hungria, ele também se sagraria campeão europeu.
"Cheguei aqui para aprender. Não tinha minutos, não tinha a confiança do treinador. Comecei jogando no final dos jogos. Só no final da fase de grupos é que comecei a jogar mais. Nas quartas de final, já fui titular e jogando bastante. No Final Four, eu comecei os jogos, fazendo ataque defesa, jogando bem", conta Rogério que, um ano antes, também foi ao Final Four de Colônia, mas nem entrou em quadra – na decisão do bronze, sequer foi relacionado.
Apesar de não ter marcado gol na vitória por 24 a 23 sobre o PSG, domingo, na grande decisão da Liga, Rogério foi fundamental para a conquista do título, o maior da história do esporte da Macedônia. A ponto de 150 mil pessoas tomarem as ruas de Skopje, capital do país, para receber os campeões. Até o presidente, Gjorge Ivanov, abriu um espaço na agenda para entregar pessoalmente a cada um dos atletas a maior honraria do país.
Pivô e o presidente da Macedônia
COMEÇO – Rogério é natural de Abaetetuba ("vê se escreve direito o nome", ele pede), cidade no interior do Pará. Como muitos garotos, começou a jogar handebol na escola. Recebeu e precisou recusar uma bolsa para estudar em uma escola de Belém do Pará, de onde partiu, em 2011, para um acampamento da confederação de handebol em Recife. Lá, foi convidado pelo técnico Macarrão a defender o Clube Português, tradicional formador de atletas. Foram três anos em Pernambuco e um no Rio, até surgir o convite do Kiel.
Mas foi na Macedônia que Rogério se tornou um dos melhores do mundo na posição. E ele agradece ao técnico espanhol Raúl González Gutiérrez por isso. "Ele é muito muito bom. Consegue tirar de mim o que nem eu esperava. Me passou a confiança, me fez acreditar no potencial que eu tinha, sugou o máximo de mim", diz o pivô.
Rogério (13) comemora o título após o apito final
Também ajuda a excelente estrutura propiciada pelo Vardar, um clube que, no futebol, ganhou cinco das últimas seis edições do campeonato macedônio, mas sempre cai na primeira fase preliminar da Liga dos Campeões. A aposta é no handebol e, em Skopje, Rogério tem um apartamento de 120m², carro, e um salário "muito bom". O centro de treinamento, diz ele, é comparável aos melhores do futebol brasileiro, com hotel e spa. A consequência é que o Vardar ganhou a Champions masculina e foi vice na feminina.
Rogério, porém, promete não se acomodar. "Primeiro de tudo, penso em melhorar. Eu fui campeão da Champions agora, mas não significa que sou o melhor da minha posição. Sou novo, tenho que continuar treinando par melhorar. Quero ganhar todas as competições", diz.
E quer, também, ter espaço na seleção. Sem jogar no Kiel, Rogério ficou fora da Olimpíada do Rio. Depois, com a saída do técnico Jordi Ribera, até foi convocado para o Mundial da França. "Mas foi o mesmo que não ir. O treinador (Washington Nunes) não passava confiança em mim. Isso me influenciava nos poucos minutos que eu entrava", reclama. A seleção ainda não tem técnico. Aliás, não tem previsão ser convocada novamente em 2017. Seu próximo reencontro com os alguns colegas de seleção será no Mundial de Clubes, em agosto, onde também estará o Pinheiros.
Sobre o autor
Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.
Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.
Sobre o blog
Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.