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Olhar Olímpico

Quem é o homem que ganhou um título mundial 3 meses depois de morrer

Demétrio Vecchioli

05/12/2019 04h00

Patrick Teixeira, campeão mundial de boxe (divulgação)

Eduardo Melo Peixoto tinha um sonho: construir um campeão mundial de boxe. Sem pedir nada em troca, a não ser a esperança de um dia poder segurar um cinturão profissional, ofereceu casa, comida e roupa lavada a um jovem catarinense de apenas 15 anos. Desde então já se passaram 13 anos de investimentos, recompensados no último sábado (31), quando Patrick Teixeira, aos 28, completou sua missão e se sagrou campeão mundial de boxe pela Organização Mundial de Boxe (WBO) .

Seu Edu, porém, não teve o prazer de acompanhar a realização do sonho de toda uma vida. Aos 79 anos, ele sofreu um corte no pé que, devido à diabetes, nunca cicatrizou. Seu quadro foi piorando e, em agosto, o empresário não resistiu a um derrame. Deixou viúva, filha, e uma equipe encarregada de concluir sua jornada.

"Ele deixou a gente na porta do gol. O seu Edu era como um pai para mim. Ele fazia as coisas com o coração. Queria fazer um campeão do mundo, mesmo que não ganhasse em troca. Ele era um mentor mesmo, então para a gente foi muito difícil. Ele estava sempre conosco, nos levava para comer, ainda mais eu, que estou com ele faz 14 anos", conta Patrick, em entrevista por telefone ao Olhar Olímpico.

Patrick Teixeira e "seu Edu" (divulgação)

Assim como Rose Volante, mais recente brasileira a vestir um cinturão de campeã mundial de boxe, Patrick começou a treinar a modalidade para perder peso. "Comecei aos 13 anos. Eu era gordinho e meu padrasto sempre falava do Bruce Lee. Então fui procurar uma academia de artes marciais, kung fu, e acabei parando em uma academia de boxe", lembra o atleta, natural de Sombrio, em Santa Catarina.

Deixando boa impressão nas primeiras lutas no boxe amador, ele logo recebeu o convite que mudaria sua vida: ir morar em Santana de Parnaíba, na grande São Paulo, e se preparar para ser campeão mundial de boxe profissional. Topou o desafio, que começou com uma curta, mas vitoriosa carreira no boxe amador. Foi campeão do Luvas de Ouro, do Campeonato Paulista, do Torneio dos Campeões e do Kid Jofre, todos eventos para iniciantes. 

A estreia profissional aconteceu cedo, aos 19 anos, no lendário Ginásio Baby Barione, na zona oeste de São Paulo, com vitória sobre Fabio Pardinho. Sem uma trajetória de sucesso no boxe dito olímpico, ele teve que começar de baixo. Lutou em diversas cidades do interior de São Paulo e fez incursões pontuais no México e nos Estados Unidos até chamar atenção da Golden Boy, uma das maiores agências do mundo do boxe.

Até então, as bolsas não enxiam o bolso de ninguém, mas as viagens eram sempre bancadas por seu Edu, um empresário do setor imobiliário com diversas posses no litoral norte de São Paulo. O mecenas abriu uma firma especializada, a IBG (International Boxing Group) e contratou empresário (Patrick Nascimento), técnico (Edson Xuxa) e auxiliar (José David de Souza).

Patrick Teixeira aproveitou bem as oportunidades. Venceu as 26 primeira lutas, sendo 22 por nocaute. Até que, em 2016, já agenciado pela Golden Boy, recebeu a chance de lutar em uma preliminar de Canelo Álvarez, em Las Vegas, valendo o cinturão das Américas do Conselho Mundial de Boxe (WBC) pelo peso médio. O sonho, porém, foi interrompido com uma derrota por nocaute para Curtis Stevens.

O brasileiro só receberia outra chance de lutar profissionalmente dali a mais de um ano. O recomeço, porém, foi ainda melhor, com quatro vitórias na sequência, todas por decisão dos árbitros. Número 2 do ranking da WBO, ganhou o direito de lutar pelo cinturão interno contra o dominicano Carlos Adames, número 1 e favoritíssimo com seu currículo de 18 lutas e 18 vitórias, sendo 14 por nocaute.

Na semana da luta, o mexicano Jaime Munguia, dono do cinturão linear, avisou que vai subir de categoria, o que significa que seu cinturão ficaria vago e seria ocupado por quem vencesse a luta marcada para o Hotel Cosmopolitan, de Las Vegas.

Era, em detalhes, a realização do sonho de seu Edu, que não só queria ver o pupilo campeão, mas precisava ser em Las Vegas. O empresário se foi, mas seu compromisso continua sendo honrado pela viúva, dona Dedé, que segue financiando Patrick. "Eu só treino e durmo, desde que eu pisei na casa", resume o boxeador, literalmente um profissional do boxe. Agora, um campeão mundial profissional de boxe.

Patrick Teixeira e seu Edu, ao centro,

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.