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Olhar Olímpico

A privatização do autódromo de Interlagos em 7 perguntas

Demétrio Vecchioli

13/11/2019 04h00

Reta dos boxes de Interlagos (Luiza Oliveira/UOL)

A prefeitura de São Paulo publicou na semana passada o edital de concessão do autódromo de Interlagos à iniciativa privada. Se tudo der certo e o processo não sofrer questionamentos judiciais, o vencedor será apontado em janeiro e o contrato de concessão por 35 anos poderia ser assinado já em março do ano que vem, antes do prazo estipulado pela própria prefeitura para chegar a um acordo com a Fórmula 1.

Abaixo, o Olhar Olímpico responde sete dúvidas comuns sobre o processo de concessão.

Por que concessão?

Quando João Doria (PSDB) ainda era candidato a prefeito, ele prometeu privatizar o autódromo. Isso é: passá-lo à iniciativa privada. Quando ganhou a eleição, Doria disse que o modelo de Interlagos seria "o mesmo de Abu Dabi (Emirados Árabes Unidos)", com a construção de torres residenciais e de um museu. Logo no primeiro ano de mandato, ele pediu à Câmara Municipal uma autorização genérica para "alienar" (vender) o autódromo.

O projeto passou em primeiro turno, mas encontrou resistências importantes, como de Mário Covas Neto (PODE, tio do agora prefeito Bruno Covas), de Patrícia Bezerra (PSDB, esposa do secretário municipal de Esporte) e de dois vereadores da região, Milton Leite (DEM) e Rodrigo Goulart (PSD), ambos muito influentes na Câmara, que exigiam que antes fosse discutido o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) de Jurubatuba, a macro-região em que fica o autódromo. 

Discutir o PIU Jurubatuba significava discutir todo o futuro daquela macro-região da Zona Sul, o que demandaria muito tempo. Por isso, em maio passado Bruno Covas decidiu abrir mão da venda e optar pela concessão, que pode acontecer independente do PIU. Pelo modelo, o concessionário administra o autódromo por 35 anos e depois o devolve ao poder público municipal.

Como será escolhido o vencedor do edital?

O modelo é praticamente idêntico ao da concessão do Complexo Esportivo do Pacaembu. No dia 8 de janeiro os consórcios interessados vão entregar dois envelopes à comissão de licitação. Um, com um valor de outorga fixa. Outro, com os documentos que mostram que o grupo cumpre as exigências do edital. Vence quem oferecer o maior preço, a partir de um mínimo de R$ 198.640.012,00 (198 milhões de reais).

Depois de identificada a melhor proposta, a comissão abre o envelopes com os documentos. Entre eles, os de qualificação técnica, que comprovam que o consórcio tem credenciais para administrar um autódromo. Por isso são exigidos que o licitante tenha experiência como operador de autódromo ou kartódromo que tenha recebido ao menos uma prova oficial da FIA, CBA, FIM ou CBM (entidades brasileiras e internacionais de automobilismo e moto) e que tenham explorado economicamente, gerido empreendimento multiuso ou realizado eventos com capacidade
de atendimento de, no mínimo, dez mil pessoas.

Qual o valor total que o concessionário terá que pagar?

Quando lançou o modelo do edital para consulta pública, a prefeitura previa que poderia arrecadar no mínimo R$ 300 milhões com outorga fixa. Ao conversar com interessados, a prefeitura entendeu que o valor estava acima do que estes poderiam pagar à vista – a outorga fixa pode ser parcelada, mas até o fim de 2020, com incidência de taxa SELIC. Então reduziu o valor mínimo para pouco menos de R$ 200 milhões e aumentou o valor da outorga variável, que será paga anualmente pelos 35 anos de contrato.

Essa parcela será de no mínimo de R$ 10 milhões (reajustados pelo IPCA), mas há uma fórmula complexa que leva em consideração também o faturamento do consórcio e o cumprimento de uma série de exigências, que vão de atendimento ao cidadão a um número mínimo de provas realizadas.

Nova cobertura do paddock (Demétrio Vecchioli/UOL)

Que obras o concessionário vai precisar fazer?

O edital contém um anexo nomeado "caderno de encargos", que basicamente lista obrigações do concessionário. Exige-se a adotação de diversas práticas sustentáveis, como a priorização do uso de materiais recicláveis e a captação e tratamento de água de chuva para reutilização. Neste mesmo documento são listadas as obras obrigatórias, só duas delas de grande porte: terraplanagem da área central para eventos (custo estimado de R$ 13,5 milhões) e construção de boxes auxiliares, em área de 1,6 mil metros quadrados (custo estimado de R$ 6,4 milhões).

Também são exigidas melhorias no "Retão", onde acontecem provas de arrancada (R$ 3 milhões), instalação de sistema definitivo de esgoto (R$ 3 milhões), melhorias no kartódromo (R$ 426 mil), compra de equipamento de race control (R$ 244 mil), melhorias na via perimetral (R$ 191 mil), construção de vestiário (R$ 154 mil), requalificação das entradas (R$ 118 mil) e sinalização e comunicação visual (R$ 96 mil). Além disso, o concessionário tem a obrigação de realizar todas as intervenções que vierem a ser exigidas pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e pela de Motociclismo (FIM) para manter a chancela do autódromo.

Como o concessionário vai ganhar dinheiro?

Diferente do Pacaembu, que a prefeitura sempre defendeu privatizar alegando que sua manutenção era custosa, gerando mais despesas que receitas para os cofres municipais, o autódromo de Interlagos é superavitário. É verdade que nos últimos anos, desde 2013, o equipamento recebeu melhorias que custaram cerca de R$ 200 milhões em valores corrigidos, sendo R$ 51,7 milhões apenas em 2019. Mas agora que o autódromo está quase completamente reformado o momento é propício para fazer dinheiro com ele.

 

A recente reforma dos boxes e do paddock transformou a área em um potencial local para realização de feiras e exposições. As locações para eventos também são receita certa. Só para o ano que vem já estão assegurados cinco contratos: do Senna Day, do festival Lollapalooza, do Festival 2 Rodas, das Mil Milhas Brasileiras e das 500 milhas de São Paulo. Não menos importantes são os contratos de aluguel de áreas onde estão torres de telefonia, que rendem mais de R$ 4 milhões ao ano.

Mas as maiores novidades previstas no edital são a construção de um shopping center, um hotel, galpões logísticos e comerciais. O shopping teria, no projeto da prefeitura, 54 mil m² de  Área Bruta Locável (ABL) – tamanho do Shopping Morumbi -, sendo ampliado para 73 mil m² em 2090 – tamanho próximo ao do Shopping Eldorado. A região, vale lembrar, já tem o Shopping Interlagos, um dos maiores do país.

No plano de negócios previsto pela prefeitura, o concessionário poderia construir um hotel com 450 quartos e duas áreas de galpões, com 40 mil m² e 16 mil m² de ABL para serem utilizados "tanto por usuários ligados ao automobilismo (montadoras, equipes de competição) como por outros players que necessitem de espaço de armazenamento".

A prefeitura calcula que já a partir do quarto ano de contrato o concessionário fature na casa de R$ 100 milhões. A partir do 11º ano e até o fim (35º ano) o faturamento ficaria em torno de R$ 200 milhões, em valores atuais. Com isso, o concessionário arrecadaria R$ 6,1 bilhões ao final dos 35 anos. Ao mesmo tempo o concessionário teria que investir R$ 585 milhões em obras e pagar outros R$ 400 milhões, no mínimo, em outorga. Seriam outros R$ 1,5 bilhões em custos operacionais diretos e indiretos.

E se São Paulo não renovar com a Fórmula 1?

Para o concessionário, não faz diferença. A prefeitura fez questão que incluir no edital uma cláusula que dá a ela o direito preferencial sobre 80 dias de utilização do autódromo, prazo necessário para montar e desmontar o circo da Fórmula 1. O concessionário, assim, não vai ganhar nada com o aluguel do espaço para a corrida.

Nada indica que a prefeitura deixaria de fazer investimentos maciços na F1, se o contrato for renovado para de 2021 adiante. Atualmente o governo municipal gasta cerca de R$ 40 milhões ao ano para instalar arquibancadas provisórias e operar o autódromo durante o fim de semana da corrida, o que inclui segurança e limpeza, por exemplo.

Pela minuta de contrato, será como se o concessionário devolvesse o autódromo à prefeitura durante 80 dias por ano. Durante este período caberia ao governo municipal realizar a manutenção do equipamento e montar e desmontar arquibancadas, por exemplo. O concessionário só acessará os chamados empreendimentos associados (hotel, shopping, etc),

Existem interessados pelo autódromo?

A prefeitura diz que sim. Na primeira etapa do processo de concessão, o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), no qual a prefeitura colheu ideias para o edital, três grupos participaram: a RNGD Consultoria e Negócios (administradora da Arena BSB, de Brasília), WPR Participações LTDA (WTorre, que opera o estádio do Palmeiras) e T4F Entretenimento (Time Four Fun, dona da Stock Car).

O governo municipal vem indicando otimismo que esses grupos apresentem propostas. Como em qualquer leilão, os interessados não costumam falar publicamente sobre seus planos, até para não precisarem pagar muito ágio.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.