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Olhar Olímpico

Globo avalia que transmitir eventos olímpicos brasileiros é 'tiro no pé'

Demétrio Vecchioli

31/10/2019 04h00

Parque Aquático Maria Lenk costuma ficar vazio para o Troféu Brasil (Satiro Sodré/SSPress)

Dono dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos no Brasil, o Grupo Globo praticamente excluiu de sua programação torneios nacionais de modalidades individuais. Este ano, por exemplo, o SporTV não transmitiu nem mesmo os campeonatos brasileiros de ginástica, atletismo e natação, modalidades mais populares do programa. E nada indica que esse cenário vá mudar.

"A gente parou e viu: passar o Maria Lenk sem ninguém nadando, passar o Troféu Brasil de Atletismo lá em Bragança Paulista, [e concluiu:] a gente tá dando tiro no pé. Não é esse esporte olímpico que a gente quer mostrar, a gente quer mostrar o esporte olímpico com uma série de 15 minutos no Esporte Espetacular, uma matéria legal no Jornal Nacional, o esporte olímpico de qualidade", explica Rafael Ganem, analista de marketing esportivo do Grupo Globo.

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A postura é uma mudança radical na política que a emissora carioca vinha adotando até o ciclo olímpico passado. De acordo com Ganem, a Globo chegou a manter contrato permanente com até 16 confederações olímpicas simultaneamente. Agora restam três: vôlei, canoagem e natação.

"A gente foi vendo que não causou bom efeito em alguns casos, não fez bem para o esporte. Então o que a gente vem fazendo? Enxugando. A CBDA (desportos aquáticos) é uma que a gente está analisando a continuidade. O handebol é outra que a gente encerrou o contrato", explica.

A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), por exemplo, recebeu declarados R$ 2,8 milhões da Globo em 2016 pelos direitos de transmissão de campeonatos, ainda que somente o Troféu Brasil fosse exibido. Passada a Rio-2016 o contrato não foi renovado. A CBDA tem contrato até o fim de 2020 e, hoje, tem no dinheiro da Globo sua única fonte contínua de receita.

Ao que tudo indica, esse acordo também não será renovado. "A gente fica com pena, com dó, a gente conversa com eles, mas a gente já tá refletindo sobre impactar na nossa imagem. É tanta coisa, tanta coisa que aparece…", lamenta o porta-voz da Globo. Ainda que continue pagando o combinado em contrato e até tenha antecipado dinheiro para a CBDA, a emissora não exibiu nenhum torneio nacional este ano, liberando que a TVNSports, um canal por streaming, passasse o Maria Lenk. O mesmo canal exibiu o Troféu Brasil de Atletismo e o Brasileiro de Ginástica e transmitirá os jogos da Superliga que não interessam à Globo.

Crise atrapalhou

A emissora avalia que a crise político-financeira que afetou o esporte brasileiro depois da Rio-2016 também a afetou. Confederações chegaram a avisar em cima da hora que não teriam como entregar eventos que tinham espaço reservado na grade inclusive da TV aberta. Para a Globo, o modelo estava prejudicando tanto a emissora quanto as confederações.

"Transmitir a competição tem custo para a confederação, que hoje já não tem estrutura. Ela sabe que a transmissão requer estádio de qualidade, presença de público, atletas fortes nacionais e internacionais, e a conta acaba não fechando. Essa balança ficou desfavorável", considera Ganem.

Em contraponto, o SporTV transmitiu esse ano a maior parte dos Mundiais olímpicos, inclusive de modalidades de pouca tradição no Brasil, como o levantamento de peso. E gastando muito pouco. "A gente tem comprado muitos em troca de visibilidade. Poucos a gente assina o cheque. Mas chegam imagens excelentes, chega um feed de imagem maravilhoso. A gente vai trabalhar o Fernando Saraiva? Vai trabalhar, vai fazer uma puta matéria, mas eu não vou transmitir um campeonato brasileiro. A qualidade foi caindo demais", lamenta. 

Para tentar reverter esse cenário, a Globo decidiu assinar o Pacto Pelo Esporte, um acordo privado, voluntário e autorregulado em que empresas concordam em condicionar novos contratos de patrocínio à implementação de medidas de governança, integridade e transparência.

Isso significa que, a partir de uma data futura, a Globo, como outros grandes patrocinadores, se compromete a não patrocinar entidades que não forem aprovada pelo indicador do Pacto, o Rating Integra. Por enquanto a emissora vai atuar exibindo peça publicitária desenvolvida internamente atraindo entidades para a avaliação, que também é voluntária, e convidando as confederações participantes para dizerem quais são suas "dores".

"A bandeira financeira vai aparecer, mas nossa ideia não é essa, é ajudar com o trabalho braçal. Vai sentar eu, o Lars (Grael, consultor da Globo), nossa equipe, com o badminton e ouvir, sei lá, que a dificuldade é no planejamento estratégico, ou que os atletas não sabem falar em público, então vamos promover um media training", explica Ganem.

Hoje a emissora diz que não vai fechar com "confederações olímpicas" que não estejam no Rating ou que estejam envolvidas em algum escândalo, principalmente financeiro. Mas o Pacto tem um gargalo, desde sua criação: enorme parte do dinheiro privado investido em confederações vai para a CBF, que não sinalizou interesse real em se submeter à avaliação do Rating.

"A gente está criando essa cultura interna de começar a falar: 'esse cara aqui tá completamente fora, a gente vai transmitir ou não vai transmitir?' Assim como a Gol, a Mastercard, a gente vai ter que discutir internamente. É a grande virada de chave e a partir do momento em que as empresas levarem a ferro e fogo, vai um belo recado para o mercado. Se a CBF topar, aí a coisa vai descer e escalonar. Não é de um dia para o outro que isso vai desconstruir, mas a partir do momento em que a gente está com o Pacto, a gente defende que todas as instituições entrem para o Pacto."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.