Sabino foi algoz de Aurélio Miguel e realizava sonho como policial
Os principais nomes da história do judô brasileiro despertaram em choque na madrugada deste sábado (26), enquanto corria de celular em celular a informação de que Mário Sabino, campeão pan-americano, medalhista mundial e duas vezes atleta olímpico, havia sido assassinado em Bauru (SP). De Rogério Sampaio e Aurélio Miguel às mais novas revelações do país, Sabino fez parte da história de toda elite do judô brasileiro, que via nele um judoca "classudo", um atleta disciplinado, um homem gentil e um militar apaixonado.
Soldado no 4º Batalhão de Polícia Milita do Interior (BPM/I), Sabino costumava ser chamado para ser treinador da seleção militar. Desta vez, o Ministério da Defesa decidiu que só levaria aos Jogos Militares que estão ocorrendo na China treinadores ligados às Forças Armadas, e não às forças auxiliares como as polícias e os bombeiros. Marião, como era conhecido, ficou no Brasil. Na sexta-feira (26), deu palestra em Tarumã, no interior de São Paulo. Às 19h10, mandou mensagem para o gestor de alto-rendimento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Ney Wilson, agradecendo por um material compartilhado para a palestra. Às 21 horas, foi encontrado morto.
"Ele era um atleta exemplo. Ele era disciplinado, um atleta que todo mundo gostava demais. Um cara sensacional com o pessoal. Ele era muito na dele, quietão, calado, mas os atletas gostavam muito dele", conta Ney Wilson, que deve uma grave lesão no joelho a Marião.
Foi em 2003, no Pan de Santo Domingo. Sabino ganhou a final da categoria até 100 quilos com Nicolas Gill, canadense, então um dos melhores do mundo. Ney pulou para comemorar abraçado ao então médico da seleção, e o peso dos dois caiu sobre o joelho do então treinador, que sofreu uma ruptura do ligamento cruzado. "Todo mundo achou que eu estava comemorando", lembra. Era dor por uma lesão séria.
Flávio Canto, que foi colega de seleção de Marião em diversos eventos, conta que Leandro Guilheiro poupou energia para ganhar o bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas andando na garupa da bicicleta de Sabino. Era a forma de Guilheiro, que não sabia pedalar, acompanhar o grupo nas diversas locomoções de bike. Marião nunca se negou a oferecer nem a garupa nem o ombro aos tantos amigos que fez no judô.
Nascido em 1972, foi um dos elos entre as duas mais vitoriosas gerações do judô brasileiro. Rogério Sampaio, cinco anos mais velho, lembra de Sabino ainda moleque, vindo de Bauru para treinar no Projeto Futuro, que ainda funciona no Ibirapuera e que é um dos principais celeiros de judocas do país, escolhidos a dedo no interior de São Paulo. Durante a maio parte da carreira, defendeu o São Caetano do Sul.
Marião, porém, demorou a decolar na categoria meio-pesado, na qual o Brasil estava muitíssimo bem representado por Aurélio Miguel, campeão olímpico em 1988 e bronze em 1996. Em 2000, virou a chave derrotando na seletiva um Aurélio já fragilizado por lesões e se classificou para a Olimpíada pela primeira vez. Três anos depois, em 2003, ganharia o ouro no Pan e o bronze no Mundial. Credenciado a uma medalha olímpica, perdeu na estreia em Atenas para o israelense Ariel Zeevi, o mesmo rival que o havia vencido em 2000.
Neste momento, viu o surgimento da geração de Flávio Canto, Leandro Guilheiro, Tiago Camilo, Leandro Cunha e Luciano Corrêa. "Conheci ele como adversário, mas sempre com uma postura exemplar. Adversário dentro do tatame, mas fora ele sempre me ensinou. Graças a ele eu tive que melhorar, correr atrás. Ele como adversário foi excelente, porque eu tive que evoluir. A questão dos valores dele me marcou muito. Não adianta só ser campeão dentro do tatame, tem que ser campeão principalmente fora. Era uma pessoa super generosa", lembra Corrêa.
Os dois chegaram a trabalhar como atleta e treinador em diversas ocasiões, inclusive nos Jogos Mundiais Militares de 2015, quando Luciano ganhou o ouro. Ligado ao movimento universitário, Marião também foi o treinador do Brasil em duas edições da Universiade, a última delas este ano.
"Ele estava no caminho para suceder os treinadores que hoje estão na seleção", revela Ney Wilson. "O Marião estava sempre ali para escutar os atletas, ser o conselheiro, dar aquele incentivo que é sempre importante. Ele era um cara fenomenal", lamenta Rogério Sampaio. Em agosto, Sabino foi campeão pan-americano master, na mesma categoria de peso da época de judoca profissional. Este mês, não foi ao Marrocos defender seu título mundial para atletas de 45 a 49 anos.
Diferente de tantos outros ex-colegas de seleção que construíram sólida carreira na política esportiva depois de se aposentarem – Aurélio foi vereador, Rogério é CEO do COB, Tiago Camilo presidia a comissão de atletas do COB -, Sabino preferiu continuar vivendo uma vida simples em Bauru, onde há 20 anos era policial militar.
"Ele gostava de ser policial. Era cabo, não é que fosse oficial graduado. Ele gosta da vida de policial, de ser policial, era um policial a moda de filme. Ele sempre quis isso, tinha maior orgulho de usar farda, ser policial estar defendendo as coisas. Era totalmente destemido, em tudo. A gente perguntava se ele não tinha medo de morrer e ele dizia que, se estivesse fazendo o certo, não tinha problema", conta Flávio Canto.
Paralelamente ao trabalho como policial, Marião ajudava nos treinamentos do Sesi Bauru e trabalhava esporadicamente como treinador auxiliar da seleção brasileira de judô, o que o ajudava a criar cinco filhos, dos quais dois adotivos.
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