Conheça a rede de empresas que ganhou a concessão do Pacaembu
Um fundo de investimentos com patrimônio de apenas R$ 1 milhão é dono de metade do consórcio que, no mês passado, assinou contrato para administrar o Complexo Esportivo do Pacaembu pelos próximos 35 anos. Seu representante no consórcio, Rafael Carneiro Bastos Carvalho, sobrinho do presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) Reinaldo Carneiro Bastos e casado com uma sobrinha do ex-prefeito Gilberto Kassab, comprou uma empresa que valia R$ 1,2 mil e havia sido fundada 11 dias antes, e ampliou seu capital social para R$ 600 milhões.
O Olhar Olímpico fez uma extensa busca em documentos disponíveis no site da Junta Comercial de São Paulo para tentar entender os elos entre as empresas e pessoas por trás da Concessionária Allegra Pacaembu, uma empresa que nasceu idêntica a diversas outras, tendo como sócias as genéricas LB 1 Participações e LB 2 Participações, e se tornou a firma responsável por cuidar do maior patrimônio esportivo do Município.
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Pacaembu em novas mãos
O contrato de concessão do Pacaembu, calculado pela prefeitura em R$ 752 milhões, foi assinado há um mês por dois secretários municipais, representando o Município, e por Eduardo Barella (presidente) e Rafael Carneiro Bastos (diretor comercial), representantes legais da Concessionária Allegra Pacaembu SPE S/A. Barella aparece com uma placa na mão na foto que ilustra essa reportagem. Seu sócio não foi apresentado no evento de assinatura do contrato, mas o tio deste, Reinaldo, foi figura central – ele está na ponta direita da foto.
A Allegra foi fundada em 4 de junho de 2018 como Aderlan Participações, contando com dois acionistas: a LB 1 Participações e LB 2 Participações, ambas de propriedade de Carlos Eduardo Prado e Silvia Aparecida dos Anjos, que assumiram como presidente e diretora de uma empresa então com capital social de R$ 1,2 mil.
Carlos e Silvia têm uma fábrica de empresas S/A. Em uma única página de Diário Oficial aparecem atas idênticas de abertura de três firmas, com estatutos e constituições idênticas, mudando apenas o nome. Sites especializados apontam mais de 50 empresas deles assim, todas no mesmo endereço, sempre com sobrenome "empreendimento" ou "empreendimento e participações". O consórcio alega que a compra de empresas pré-operacionais é "comum no mundo empresarial" (leia a nota na íntegra no final deste texto).
A Aderlan era uma dessas empresas, mas em 28 de outubro de 2018 (portanto antes da abertura dos envelopes com as propostas pelo Pacaembu), uma assembleia geral destituiu Carlos e Silvia do comando da empresa, que passou a ter como acionista a Savona Fundo de Investimento em Participações. Rafael assumiu como presidente e Alberto Coutinho (seu ex-sócio na CHPO) como diretor. O nome mudou para Mantová Participações.
Nova mudança estatutária ocorreu em 26 de junho, quando Alberto foi destituído, Rafael rebaixado a diretor e Eduardo Barella, presidente da Progen Projetos, Gerenciamento e Engenharia, assumiu também a presidência da empresa, que passou enfim a se chamar Consórcio Allegra Pacaembu S/A. Savona e Progen depositaram R$ 1,1 milhão cada e o capital social foi ampliado para R$ 22 milhões, exigências do edital.
Um fundo de investimento em participações regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Savona é administrada pela Foco DTVM LTDA e dirigida por David João Abdala Junior. No informe mais recente, do último dia 14, informou ter patrimônio líquido de R$ 1,08 milhão, apenas.
Em 13 de setembro, três dias antes de assinar a concessão em evento no próprio Pacaembu e pagar R$ 79,2 milhões à vista, a Allegra realizou assembleia geral extraordinária e aprovou um empréstimo de R$ 46,6 milhões junto ao BTG Pactual, banco envolvido na Lava-Jato. Foram aprovados como garantias bens da Progen, da Savona, da construtora mineira Freitas Neto Incorporadora, localizada em Alfenas (MG), e de seu proprietário, Frederico Augusto de Freitas Neto.
Um homem com o mesmo nome aparece em outro documento da prefeitura de São Paulo. Foi ele a assinar, pela DMDL Montagens de Stands, da qual é proprietário, uma doação de R$ 261 mil para o camarote da prefeitura no Carnaval de 2017, uma das primeiras doações recebidas por Doria enquanto perfeito.
Empresa de mão em mão
Rafael Carneiro Bastos é sócio da esposa Claudia Kassab na RCL2 Corretora de Seguros, Consultoria e Participações. No objeto social da firma aberta em 2016 e sediada em Taubaté (SP), em mesmo endereço onde até meses atrás estava a concessionária do Pacaembu, estão desde atividades relacionadas a engenharia até corretagem de seguros e planos de saúde.
Em três anos, a RCL2 mudou diversas vezes de dono, apesar do seu pequeno porte – tem capital social de R$ 40 mil. Em 16 de agosto de 2018, dia em que Rafael Carneiro Bastos Carvalho e Eduardo Machado Barella apresentaram a proposta da Concessionária Allegra Pacaembu pelo estádio, a RCL2 pertencia a Barella e a Roberto Eduardo Ferranty Mac Lennan, respectivamente presidente e diretor da Progen, que hoje tem Rafael como conselheiro.
Barella deixou a RCL2 cinco dias depois de apresentar proposta pelo estádio – até então, com o edital suspenso pela Justiça, a prefeitura recebeu os envelopes e não os abriu. Só em fevereiro é que descobriu-se, oficialmente, que o consórcio da Progen havia oferecido a melhor proposta.
Antes disso, em 3 de janeiro, Mac Lennan, diretor estatutário da Progen e naquele momento único dono da RCL2, passou a para o casal Claudia Kassab e Rafael Carneiro Bastos. Os dois se casaram em 2014 em uma cerimônia em Fernando de Noronha.
O consórcio diz que "a RCL2 foi uma empresa adquirida originalmente para um propósito, porém acabou tendo destino diferente do original" e que "até hoje não há nenhuma atividade e a companhia não emitiu sequer sua primeira Nota Fiscal". O grupo não explicou qual era o propósito e por que a empresa mudou tantas vezes de mãos sem emitir notas fiscais.
A rede ligada a Rafael Caneiro Bastos
Rafael Carneiro Bastos Carvalho é também sócio uma empresa chamada CHPO Consultoria e Participações, que foi fundada em 9 de janeiro de 2017 por Diego Carreira Mesa e Natali Oliveira Duarte, com o nome de Zared Empreendimentos e Participações e capital social de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).
Onze dias dias, em 20 de janeiro de 2017, Diego e Natali transferiram a empresa para três novos sócios: Rafael Carneiro Bastos, Eduardo Cravo Júnior, um advogado que atuava como assistente jurídico do TST em Brasília, e Alberto Tessari Coutinho.
No mesmo dia o capital social da empresa foi aumentado de R$ 1,2 mil para R$ 600.001.200,00 (seiscentos milhões, mil e duzentos reais). Eduardo ficou com R$ 300 milhões, cota que ele mantém até hoje, enquanto Rafael inicialmente tinha R$ 75 milhões. Passados mais 48 dias, Alberto repassou sua cota de R$ 225 milhões para Rafael, que passou a ser dono de metade da empresa, já denominada CHPO. Eduardo manteve a outra metade. De acordo com o consórcio a mudança foi "puramente formal" e "perfeitamente normal". O grupo diz que não houve integralização do capital – o que não pode ser checado.
Já a esposa de Rafael, Cláudia, é sócia Yape Transportes, Comércio e Participações, empresa que antes se chamava R&K e que tem capital de cerca de R$ 3 milhões. A empresa tem como principal sócio o ex-prefeito Gilberto Kassab tem pouco menos de metade das ações desta empresa familiar, que faz transporte de cargas e venda de automóveis.
Kassab é secretário da Casa Civil do governador João Doria, que se elegeu prefeito, em 2016, prometendo privatizar o Pacaembu. O político do PSD, porém, só ficou oficialmente três dias no cargo. Foi nomeado em uma cerimônia na qual não estava presente, e depois pediu afastamento, oficialmente para se defender de uma série de acusações, entre elas de que Kassab recebeu mesada de R$ 350 mil por mês em 2009 da J&F, quando era prefeito de São Paulo, em troca de defesa dos interesses do grupo.
O Olhar Olímpico procurou as assessorias de imprensa de Kassab e do consórcio, que não fizeram comentários.
**Este texto foi originalmente publicado indevidamente na segunda (21) pela manhã, por uma falha de programação das postagens. Quando o erro foi notado, o texto foi retirado para que fosse dado espaço para o consórcio e Kassab comentassem. O texto foi republicado na manhã desta terça-feira (22), com as mesmas informações originais, rearranjas por decisão editorial.
Leia a nota completa enviada pela Allegra Pacaembu após a publicação desta reportagem:
Mais uma vez o Blog Olhar Olímpico dedica-se a levar desinformação a seus leitores. O texto "Conheça a rede de empresas que ganhou a concessão do Pacaembu" traz uma série de imprecisões, demonstrando desconhecimento do seu autor em relação à dinâmica societária e ao funcionamento de fundos de investimento, tudo para tentar fazer ilações e gerar confusão.
É o mesmo padrão de comportamento demonstrado quando da publicação do texto "Documentos ligam consórcio do Pacaembu a ex-chefe de gabinete de Covas", que procurou transformar um fato público, inclusive divulgado à imprensa anteriormente, numa "descoberta" do blog, como se algo houvesse a ser descoberto.
A falta de compromisso do blog com a informação precisa e clara a seus leitores pode ser comprovada apenas pelo fato de o texto desta terça-feira (22/10) ter sido publicado na manhã do dia anterior, repleto de imprecisões, sem mencionar que ainda aguardava posicionamento dos citados, sendo retirado em seguida do ar, sem que nenhuma explicação tenha sido dada publicamente.
Nesta terça, o texto voltou ao ar com alterações, mas ainda cheio de equívocos, dentre os quais destacam-se:
1 – Rafael Carvalho não é representante do Fundo de Investimentos Savona no consórcio. Ele é representante legal da concessionária Allegra Pacaembu e foi representante do consórcio Patrimônio SP, como resta claro na ampla documentação pública disponibilizada durante todo o processo de concessão.
2 – Fundos de investimentos são, em geral, representados por administradores devidamente registrados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), como é o caso do Savona.
3 – É comum no mundo empresarial a compra de empresas pré-operacionais, que tem registros no CNPJ criados para que em necessidades específicas não seja necessário esperar os prazos regulares, muitas vezes morosos. Nada há de ilegal ou irregular nessa prática. Este é o caso tanto da CHPO quanto da Allegra, que foram adquiridas para projetos específicos.
4 – O texto tenta gerar a impressão de que há algo de errado com a CHPO ao mencionar sua mudança de capital social da data de sua criação de R$ 1,2 mil para R$ 600 milhões. Ocorre que esta foi uma mudança puramente formal, uma vez que não houve integralização do capital. O autor até poderia alegar que não teria como saber de tal fato, mas deixa de informar seus leitores sobre essa possibilidade. Tudo para gerar a sensação de que há algo de estranho em algo perfeitamente normal.
5 – A RCL2 também foi uma empresa adquirida originalmente para um propósito, porém acabou tendo destino diferente do original. Até hoje não há nenhuma atividade e a companhia não emitiu sequer sua primeira Nota Fiscal. Ou seja, nenhuma irregularidade.
Por fim, faz-se importante adicionar que relações familiares e fatos particulares da vida privada de um dos representantes da concessionária estão sendo expostos sem nenhum contexto ou ligação com o processo de concessão, o que é repudiável e desnecessário.
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