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Joanna comemora condenação, mas não quer Coaracy preso: 'desumano'

Demétrio Vecchioli

08/10/2019 11h27

Coaracy Nunes (Satiro Sodré/SSPress)

Joanna Maranhão viveu uma mistura de sentimentos ao receber ontem (7) à noite a notícia de que Coaracy Nunes foi condenado a 11 anos e cinco meses de reclusão (inicialmente em regime fechado) e outros três anos e seis meses de detenção. Chorou de alívio, mas considerou "cruel demais" a ideia de se colocar atrás da grades um homem de 81 anos que já não tem nenhuma autonomia e, segundo relatos, estaria senil. A condenação ainda é em primeira instância e a tendência é Coaracy recorrer. A pena só seria aplicada depois, no mínimo, de confirmada em segundo grau.

"Ele é um senhor de 80 e poucos anos, isso não é humano. Eu não posso comemorar isso de maneira alguma. Ele tá condenado, todo mundo sabe que ele é culpado. O que eu quero é isso, mas esse homem enclausurado, longe da família dele, é cruel demais. Me dá pena a situação dele. Quem comemora é maluco. Espero que ele não seja preso", disse Joanna, ao telefone, ao Olhar Olímpico.

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Aposentada desde meados do ano passado, Joanna teve boa parte da carreira influenciada pela postura combativa contra o então presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Primeira a apontar as irregularidades na gestão de Coaracy, que ficou quase três décadas à frente da entidade, a pernambucana se desgastou e foi retaliada de diversas formas.

"É um alivio muito grande, porque me chamaram de cricri, diziam que eu só estava fazendo aquilo porque não estava nadando bem. Eu me sentia sozinha pra cacete na seleção. Era uma solidão cercada de pessoas que não estavam nem aí, eram situações que minavam minha performance. Eu não cheguei mais longe porque eu não nadei mais rápido, mas fica um 'e se' na minha cabeça. Ele conseguia calar todo mundo e se eu procurava alguém, sempre ouvia que 'é melhor não', ninguém tinha coragem", relembra.

Para ela, a condenação imposta em primeira instância pela Justiça Federal de São Paulo tem o sabor de "o silêncio de vocês estava errado". "Eu sei que eu poderia ter ido mais longe na minha carreira. Esse enfrentamento foi escolha minha, que poderia ter optado por um caminho mais brando. Mas foi escolha minha e, por causa dela, eu vendi apartamento, carro, para poder continuar no esporte. Meu marido pagou meu treinamento para ir à Olimpíada de Londres. Eu sempre soube que eu não estava errada e agora vai todo mundo saber que que não tava errada."

Apesar de não desejar ver Coaracy preso, ela espera que os demais condenados, "que têm condições físicas para isso", cumpram suas penas atrás das grades. "A condenação é mais um passo importante para que essa galera não volte. A gente limpou 5%. Tem muita gente que não tem que estar ali. É um começo, é simbólico, é significativo." Além de Coaracy, também foram condenados o ex-diretor geral Ricardo de Moura e o ex-diretor financeiro Sergio Alvarenga, que, com ele, chegaram a ficar 82 presos preventivamente em 2017. Outro detido naquela ocasião, Ricardo Cabral foi inocentado das acusações. 

Depois de ser uma das vozes contrárias a Coaracy, Joanna apoiou abertamente a candidatura de Miguel Cagnoni à presidência da CBDA. O dirigente paulista, porém, ficou cerca de dois ano no cargo e renunciou antes de ser deposto. Sobre ele pesam diversas denúncias de má-gestão na CBDA e, antes, na Federação Aquática Paulista – o Olhar Olímpico apontou, ainda em 2017, indícios de superfaturamento e de utilização de empresas de fachada na gestão de recursos públicos, exatamente o crime que agora causou a condenação de Coaracy.

 

"Eu esperava uma postura completamente diferente e não me envergonho. Apoiei e errei. A gente precisa disso, de atletas que se posicionem e assumam os seus erros, sua conivência e o silenciamento", cobra Joanna, que conseguiu paralisar o processo eleitoral em que Coaracy apoiaria Ricardo de Moura para substituí-lo. Para tanto, convenceu a Justiça da ilegalidade de Coaracy indicar Thiago Pereira como representante dos atletas na eleição, sem sequer perguntar a opinião dos nadadores.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.