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Olhar Olímpico

Atleta carregado é imagem da face democrática e humana do esporte

Demétrio Vecchioli

27/09/2019 19h16

(Crédito: REUTERS/Ahmed Jadallah)

Imagine dois boxeadores de níveis muito distintos se enfrentando sobre o ringue. É grande a chance de um deles, logicamente o mais fraco, sair bastante machucado. No ciclismo de pista, um retardatário ocupa a parte rápida da pista e pode causar um acidente grave. 

Se algumas modalidades não podem abrir espaço para atletas convidados, outras o fazem com orgulho. É o caso do atletismo, que abriu o Campeonato Mundial nesta sexta-feira (27) com uma imagem que se tornou viral: Braima Suncar Dabo, de Guiné-Bissau, escorando Jonathan Busby, de Aruba, na última meia-volta das eliminatórias dos 5.000 metros.

Para os dois, as pouco mais de 12 voltas na pista do Estádio Internacional Khalifa, em Doha (Qatar), tinham um significado muito diferente do que para os demais. Eles estavam ali no espírito único de competir, não de ganhar. Para ambos, o feito era completar os 5 mil metros, independente do tempo. Seriam os últimos de qualquer jeito.

Natação e atletismo não são os "carros-chefes" do esporte olímpico à toa. As duas são as modalidades mais democráticas do programa, não necessariamente por premiar mais países (neste ponto a natação é bem seletiva), mas por abrir as portas a mais nações.

No Mundial de Atletismo são mais de 200 países representados, muitos deles por convite. O homem mais rápido de Honduras, do Afeganistão ou da Micronésia não teria índice sequer para disputar o Troféu Brasil. Mesmo assim, eles estiveram no Mundial e participaram de uma fase preliminar dos 100m rasos. De 30 convidados, só oito avançaram para as chamadas "eliminatórias", para correr contra quem estava em Doha porque fez índice.

Nos 5.000 metros, prova em que Dabo e Busby terminaram abraçados, não há como realizar essa etapa preliminar, porque seria entediante e porque os forçaria a correr a distância duas vezes. Então os cinco convidados entraram normalmente nas baterias contra os melhores do mundo. No caso dos dois protagonistas da noite, eles sequer tinham marcas registradas no sistema internacional da IAAF.

Nenhuma surpresa, tomaram diversas voltas dos primeiros colocados, até que Dabó percebeu que o colega de lanterna estava passando mal e se ofereceu para ajudá-lo. Os dois completaram a prova praticamente juntos, mas só Dabó teve tempo registrado: 18min10s87, quase cinco minutos mais lento que os líderes. Para a IAAF, é o PB (personal best) dele.

Busby, por ter sido auxiliado, foi desclassificado. Para registros estatísticos, ele não completou a prova. Mas ninguém liga para a estatística, neste caso.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.