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Olhar Olímpico

Maratonista critica CBAt por campanha anti-homofobia: 'sem-vergonhice'

Demétrio Vecchioli

27/06/2019 14h00

Representante dos atletas na assembleia geral da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e, logo, com direito a voto, o maratonista olímpico Paulo Roberto de Paula enviou uma série de mensagens de áudio a um grupo de WhatsApp de pessoas ligadas ao atletismo criticando a entidade por uma campanha recente contra a homofobia no esporte. Nas mensagens, ele diz várias vezes que "não tem preconceito", mas compartilha uma série de opiniões homofóbicas.

"A CBAt agora fica fazendo propaganda de LG e o caralho a quatro. Eu não tenho preconceito, mas será que precisa de matéria desse estilo para vender alguma coisa? Deveria fazer propaganda dos talentos. Agora começa com uma patifaria, uma sem-vergonhice. Vou perguntar para os caras qual é o interesse deles de fazer esse tipo de ação. Não é legal", criticou, em um dos áudios.

As mensagens foram enviadas no fim de semana a um grupo de WhatsApp de técnicos de atletismo, que tem mais de 200 participantes. Parte delas foi tornada pública nesta manhã pelo Blog do Paulinho e o Olhar Olímpico teve acesso a outra leva de áudios.

Algumas das falas são de Luiz Fernando de Paula, irmão gêmeo e treinador de Paulo Roberto. Os dois costumam se comportar de maneira similar.  "Depois fala que os gêmeo (sic) é chato, mas os gêmeo (sic) é uma pessoa que preza pelo atletismo. Ficar fazendo matéria de quem é viado…", diz o treinador, em outro áudio.

Outro membro do grupo explicou que a campanha da CBAt está alinhada com a IAAF. Paulo Roberto não aceitou. "Opção sexual faz parte do atletismo? Então tô no esporte errado. Vou deixar bem claro, vou publicar nas minhas redes sociais, pedir para todo mundo compartilhar. O atletismo não precisa de matéria de quem é viado, de quem é sapatona, de quem é não sei o que", disse, encerrando com o clássico: "Eu não sou preconceituoso". 

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No grupo, Luiz Fernando contou que no Instituto Gêmeos do Brasil, que eles tocam em Irapuru, no interior de São Paulo, qualquer criança que demonstre ser gay é vetada."No meu Instituto, tem menina que tem opção por outra menina, mas quando começa com palhaçada eu já mando cortar. Lá no Instituto não virou bagunça, não virou casa da mãe Joana. Quero ajudar a criança ter personalidade e saber o que quer da vida. Então vou ficar fazendo campanha: o Instituto abraça viado, abraça lésbica?"

Paulo Roberto complementou: "Se eles falarem que eu quero ver um homem beijando outro… isso é normal? Eu não vou aceitar. Já viu algum casal entre homem e mulher ficar se beijando em shopping? Agora tem pessoas que confundem, por causa dessa merda de direitos que eles têm eles acham que ficar se beijando é normal".

Aproveitando a discussão, Paulo Roberto também falou o que pensa sobre racismo. "Eu jamais admito cota para negro. Cota é para negro sem vergonha, cachorro, que não tem a capacidade de trabalhar e ser de igual para igual com todo mundo. Quando tem a consciência negra quem aceita esse tipo de coisa são negros imbecis. O racismo vem do próprio negro".

A campanha da CBAt foi publicada no último dia 18, na semana do Orgulho LGBT. Ela foi estrelada pela arremessadora de peso Geisa Arcanjo, que é lésbica. "O atletismo sempre foi o esporte mais democrático. Você pode ser alto ou baixo, criança, jovem ou idoso, homem ou mulher, branco ou negro, hétero ou LGBT. O atletismo é pra você, é feito por todos e para todos. Todo brasileiro vive o atletismo no seu dia a dia e agora chegou a hora de viver o atletismo sem preconceito"

O Olhar Olímpico procurou Luiz Fernando, que costuma falar pelos dois irmãos, para comentar as declarações. Ele enviou a seguinte declaração: "Não tenho qualquer tipo preconceito, inclusive acho importante apoiar esse tipo de causa desde que também sejam apoiados os novos talentos que surgem em nosso atletismo e a CBAt não dá o mínimo de ênfase; que deem também apoio aos atletas que se dedicam diariamente com muita luta e dificuldade, que invistam no atletismo no geral, pois a opção sexual de um atleta, a cor de sua pele ou sua etnia não importam, o que vale é seu talento. Sim, vivemos num mundo muito preconceituoso, mas cabe a cada um de nós nos impormos e nos aceitarmos e agirmos como iguais antes de achar que por termos uma 'cor tal', uma 'opção sexual tal' somos diferentes… O preconceito na maioria das vezes vem da própria pessoa que se julga 'diferente' . O preconceito existe sim, mas também o vitimismo anda muito grande nos dias de hoje, vamos nos aceitar como humanos iguais, aceitar as diferenças e tentar viver em paz. Eu apoio qualquer campanha, mas no site da CBAt temos de fazer campanha contra doping, pedir apoio de empresa para apoiar a categoria de base ou projeto escolar voltado para atletismo".

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.