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Olhar Olímpico

Fórmula 1 vira enredo de teatro político entre Bolsonaro e Doria

Demétrio Vecchioli

26/06/2019 04h00

Chase Carey, CEO da Fórmula 1, e o governador João Doria (divulgação)

A imprensa acostumou-se a rotular de "novela" qualquer longa negociação com idas e vindas, que demora a ter uma solução. A discussão em torno do futuro do GP Brasil de Fórmula 1 também poderia ganhar essa alcunha, mas seu desenrolar é muito mais cênico. Jair Bolsonaro e João Doria, protagonistas da política nacional e amigos de ocasião, transformaram um debate esportivo em uma enorme encenação política.

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O que está em jogo não é o esporte, tema desse blog e item que aparece no final da fila de preocupações dos dois governos. Bolsonaro acabou com o Ministério do Esporte e minou o apoio das estatais às modalidades olímpicas, enquanto Doria deu a secretaria de Esporte como troco de campanha para o PRB. Todas suas iniciativas "esportivas" desde que chegou ao poder em São Paulo, há dois anos e meio, foram no sentido de entregar equipamentos esportivos à iniciativa privada: Pacaembu, Ibirapuera, Raia Olímpica, Interlagos…

Isso posto, não é o esporte a preocupação nem de Bolsonaro, nem de Doria. O que está em jogo é a eleição presidencial de 2022, na qual tudo indica que os dois deverão disputar os mesmos votos da direita. Sem poder repetir a estratégia dos governos petistas, trazendo megaeventos para o país (Pan, Copa, Olimpíada, Copa América), só restou a Bolsonaro brigar por um evento que o Brasil já tem: o GP Brasil.

Seu papel nesse teatro é o de governador do Rio. Não é e nem nunca foi verdade que a Fórmula 1 ou sai do Brasil ou vai para o Rio, como Bolsonaro vende. Nem o mais fiel dos seus seguidores acredita nisso. Mas é uma justificativa para explicar sua atuação pró-Rio de Janeiro. Na retórica bolsonarista, defender o Rio, nesse caso, é defender o Brasil.

Bolsonaro voltou a utilizar essa retórica em breve fala à imprensa na segunda, quando pediu que Doria pensasse no Brasil, não em São Paulo. Uma provocação barata a um governador que foi eleito para pensar em São Paulo e que quase não se elegeu para o Palácio dos Bandeirantes porque, eleito para pensar na cidade de São Paulo, o fez por apenas 15 meses. O eleitor tem memória curta, mas nem tanto.

Quem assistiu os debates eleitorais do segundo turno contra Márcio França (PSB) notou que Doria recorre à ironia quando está contra as cordas. Ataca sorrindo, sem disfarçar o nervosismo. Pois foi exatamente essa a reação do governador na terça (25), em entrevista coletiva. Em determinado momento, lembrou que o Museu do Ipiranga, sob sua tutela, tem apoio de mais de R$ 200 milhões da iniciativa privada para ser reaberto. E que o Museu Nacional, no Rio, do governo federal, está "em cinzas". Encerrou a comparação com uma piscadela, como quem espera ser transformado naquele meme que a imagem do rosto é congelada e o personagem ganha um óculos escuro.

Em outro momento, deu uma cutucada bem mais leve. Ao falar sobre sua relação com Bolsonaro, disse que os dois conversaram na semana passada, quando o presidente veio a São Paulo, citando o episódio que marcou aquele encontro: os dois fazendo flexões de braço. "Não sabia o que era pagar 10, mas paguei. Tirei o paletó e paguei. By the way (a propósito), paguei bem", comentou. O vídeo tornou-se viral, não exatamente porque Doria de fato "pagou" bem, mas porque Bolsonaro, mexendo o pescoço, foi um péssimo ator de cenas de ação.

Não foi só nessa encenação que Doria, inegavelmente melhor ator do que o impulsivo Bolsonaro, parece ter-se saído melhor. Enquanto o presidente discutia o GP no Rio sem o principal responsável pela ideia, o prefeito Marcelo Crivella (PRB), que ficou no Rio para se defender de um impeachment, Doria apresentou não só um discurso 100% alinhado com seu ex-vice Bruno Covas (PSDB) como guardava no bolso manifestações formais de apoio da Câmara Municipal e da bancada paulista na Câmara dos Deputados.

CEO da Fórmula 1, Chase Carey assistiu a todo esse teatro de camarote, ao lado tanto de Bolsonaro quanto de Doria nas entrevistas coletivas. Enquanto os dois políticos se engalfinham pelo GP, Chase volta para casa sem nenhuma pressa de tomar uma decisão, até porque a corrida está garantida em São Paulo até 2020. Nada impede que ele espere, por exemplo, para ver se o Rio de fato começa a construir um autódromo. O terreno prometido, vale lembrar, é do Exército, foi "vendido" ao Ministério do Esporte (hoje, da Cidadania) e esse se comprometeu a passá-lo à prefeitura. Isso sim uma novela, que dura sete anos.

Se entendeu direito as peças montadas nos palácios do Planalto e dos Bandeirantes, Carey percebeu que Bolsonaro fala o que lhe interessa, mesmo sem qualquer fundo de verdade e sem ficar vermelho (até porque vermelho é coisa de esquerdista). A Fórmula 1 precisa confiar 100% nos governos federal, estadual e municipal do Rio para levar o GP Brasil para lá, mas Bolsonaro não parece querer se mostrar confiável.

A peça ainda deverá ter outros atos. Bolsonaro e Doria ensaiam as próximas cenas e a população assiste a tudo, vestida de bobo da corte.

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.