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Olhar Olímpico

Como romance de imperador popularizou o tênis no Japão

Demétrio Vecchioli

30/04/2019 12h49

Futuro imperador Akihito e sua então noiva, a plebeia Michiko Shoda, na foto de 1958 que eternizou o "romance na quadra de tênis" (Kyodo/via REUTERS)

Algum tempo atrás, era comum ver garotas andando pelas ruas das principais cidades japonesas segurando pelo cabo um raquete de tênis ainda no plástico. Não que elas estivessem indo jogar, até porque conseguir um horário em uma quadra era como ganhar na loteria. A raquete era, na verdade, símbolo de status no país que se modernizou sob a influência do casal Akihito e Michiko, que deixam de ser imperador e imperatriz do Japão nesta quarta-feira (30).

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Então príncipe herdeiro, Akihito conheceu Michiko em 1957. Ele tinha 24 e, ela, 23, quando se encontraram em uma quadra de tênis na rica cidade montanhosa de Karuizawa, a duas horas de carro de Tóquio, uma estância para a elite social e política japonesa. Trocaram telefones e iniciaram o flerte que mudaria o Japão para sempre.

Michiko era filha de um barão da farinha, com sólida formação acadêmica (estudou em Harvard e Oxford). Uma das mãos mais solicitadas do Japão, ela tinha um defeito típico dos contos de fada antigos: era uma plebeia. Em momento de transformação cultural do país asiático, ainda se reconstruindo da Segunda Guerra, isso foi uma coqueluche.

A derrota na guerra teve como uma das tantas consequências a renuncia da divindade do imperador, exigência do acordo de rendição do Japão. Em 1957, treze anos depois, ainda era nova a ideia de o imperador era humano como qualquer outro. E nada mais humano do que se apaixonar.

O "amor da quadra de tênis" assentou a transformação da sociedade japonesa. O Conselho Imperial da Casa precisava aprovar o namoro, mas a imperatriz Nagako (mãe de Akihito) era contra ter uma plebeia sucedendo-a, algo inédito no mais antigo império do mundo. O clamor popular – dentro, claro, das limitações da cultura oriental -, acabou falando mais alto e o casal trocou alianças em abril de 1959.

Foto de 1973 mostra o então príncipe Naruhito jogando tênis contra o pai, Akihito, então príncipe herdeiro. Akihito abdicou do trono nesta terça e, na quarta, Naruhito assume. (STR / PANASIA / AFP)

Eles só se tornariam imperador e imperatriz trinta anos depois, mas, desde então, tornaram-se o espelho das transformações da sociedade japonesa dentro da família imperial. Fãs de tênis, constantemente fotografados jogando ou na plateia de competições, acabaram por popularizar o esporte no Japão.

No começo dos anos 1960, o tênis já era o segundo esporte mais praticado no país, atrás apenas do beisebol. Mas não da maneira "tradicional". A falta de espaço disponível para construir quadras de tênis fez com que a modalidade fosse adaptada. Bater bola numa parede passou a ser considerado "treinar tênis", como mostrou reportagem do The New York Times.

Naquela mesma matéria, de 1986, o jornal norte-americano explicava a falta de sucesso dos tenistas japoneses internacionalmente a um fato curioso: no Japão, os professores incentivavam mais a "troca de bolas" do que a busca por pontos, em uma versão mais recreativa e menos competitiva da modalidade.

Hoje, o Japão começa a colher os frutos da febre do tênis, iniciada pelo agora ex-casal imperial. Filha de pai haitiano e mãe japonesa, Naomi Osaka se tornou, em 2018, a primeira japonesa a vencer uma etapa de Grand Slam. Em janeiro (e desde então), passou a ser a primeira asiática no topo do ranking mundial. Entre os homens, Kei Nishikori atualmente é o oitavo. Ele foi o primeiro japonês a chegar a uma final de Grand Slam e o primeiro no Top10 do ranking da ATP.

Casal imperial japonês joga tênis (AFP)

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.