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Olhar Olímpico

Para privatizar Ibirapuera, filho precisa revogar lei do próprio pai

Demétrio Vecchioli

06/04/2019 04h00

(divulgação)

Quem já esperou o tempo passar dentro de qualquer elevador em São Paulo conhece a lei que proíbe qualquer tipo de descriminação ali dentro. No mesmo dia 20 de maio de 1999 em que foi criada tão famosa lei, também outra foi promulgada pelo então presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Vanderlei Macris (PSDB). Esta, proibindo que o Estádio Ícaro de Castro Mello receba qualquer evento que não de caráter esportivo.

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Duas décadas depois, a Lei Estadual 10.314/1999 é um dos empecilhos para que o governador João Doria (PSDB) realize a concessão do Complexo Esportivo do Ibirapuera, onde fica o estádio mais emblemático do atletismo brasileiro. Ainda que o edital ainda não tenha sido lançado, especificando o que um futuro concessionário pode ou não fazer no terreno, Doria não esconde de ninguém que seu objetivo é que o complexo se torne um centro de atração de congressos.

Curiosamente, cabe ao filho de Vanderlei Macris, Cauê Macris (PSDB), como presidente da Alesp, pautar o projeto de lei enviado por Doria à assembleia que visa destravar a concessão, proposta em 2017 pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB). No mesmo projeto em que o governo pede aos deputados autorização para conceder o terreno à iniciativa privava por 35 anos, renováveis, consta um artigo que propõe que aquela lei promulgada por Vanderlei Macri, hoje deputado federal, seja revogada.

A família Macris é considerada aliada de primeira hora de Doria, que foi até Americana (SP), reduto eleitoral deles, para lançar as campanhas do pai e do filho. Este ano, o governador apoiou oficialmente a candidatura de Cauê para a presidência da Alesp.

Não menos experimentado na política paulista, o deputado Campos Machado (PTB) já apresentou uma emenda ao projeto de lei de Doria propondo que a lei de 1999 assinada pelo Macris pai não seja revogada. "A lei atendeu a um enorme clamor da população residente do entorno ao estádio. A realização de eventos não esportivos (…) provocava barulhos ensurdecedores, motivo pelo qual proibiu-se qualquer evento que não fosse esportivo. Entendemos, assim, absolutamente inadmissível revogar esta norma, que garante o direito ao silencio dos moradores locais", escreve o deputado, lembrando que a ideia foi proposta, 20 anos atrás, por um antigo correligionário, o então deputado Israel Zecker (PTB), que também foi secretário estadual de Esporte.

A década de 1990 marcou um período de intensa utilização do Ícaro de Castro Mello, que chegou a receber shows como do britânico Elton John (em 1995), partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol e se tornou a "casa" do futebol feminino. Cada vez menos utilizado, viu sua pista de atletismo ser reformada em 2013 para, em seguida, ser estragada por uma grua de televisão. Desde então, não pode receber competições oficiais.

Pelo que consta no projeto de lei enviado à Alesp, o principal intuito da privatização do complexo é a construção, por parte da iniciativa privada, de uma arena multiuso para 20 mil pessoas. Doria quer que o equipamento sirva para receber shows e, especialmente, congressos – em entrevista coletiva, ele citou o congresso do Rotary Internacional.

A tendência é que a nova arena seja construída sem que o ginásio do Ibirapuera seja demolido. Ela ocuparia a área em que hoje está exatamente o Ícaro de Castro Mello. Como o terreno tem 100 mil metros quadrados, ou o ginásio ou o estádio terá que ser destruído.

A Secretaria de Esportes defende que conste em edital que, caso o estádio venha a ser demolido, uma nova pista de atletismo, oficial, seja construída pelo concessionário em outro local. Mas essa ainda é uma ideia preliminar. O edital só deve ser publicado em outubro, após uma série de trâmites burocráticos, que passam por consulta pública e começam pela lei promulgada por Vanderlei Macris.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.