Topo

Olhar Olímpico

Dossiê mostra que federações de fachada 'comandam' o surfe no Brasil

Demétrio Vecchioli

04/03/2019 04h00

Adalvo Argolo perdeu o apoio dos principais responsáveis pelo surfe no Brasil, sejam eles dirigentes, shapers, organizadores de eventos ou atletas profissionais. Mas se mantém no cargo de presidente da Confederação Brasileira de Surfe (CBSurfe) graças a uma estrutura corrompida. Um levantamento feito por um grupo da "antiga geração", bem documentado, mostra que só quatro das 16 federações estaduais que compõem a confederação têm situação regular.

No começo do mês, como já mostrou o Olhar Olímpico, enquanto Argolo estava afastado do cargo pela Justiça (a liminar foi derrubada depois), o então presidente em exercício Guilherme Pollastri convocou uma assembleia. Os representantes de sete entidades se reuniram no Rio de Janeiro e decidiram pelo afastamento de Argolo enquanto ele seria investigado por uma série de práticas irregulares. O blog já mostrou algumas delas, como o uso de recursos públicos para alugar um imóvel pertencente à esposa dele.

Mas Argolo não reconhece a assembleia, argumentando, entre outras coisas, que uma assembleia só é válida se presidida por ele mesmo – ainda que para afastá-lo – e que as entidades que estavam presentes naquele encontro não eram representativas.

Mas quais entidades compõem a assembleia da CBSurfe, uma confederação que tinha atuação quase nula no surfe brasileiro amador?

É nisso que se aprofunda um dossiê produzido pelo shaper carioca Henry Lelot, fundador da federação do Rio três décadas atrás, que usou uma rede de contatos nos estados para identificar o real funcionamento das federações. A de Alagoas, por exemplo, é formada por três associações que, segundo o dossiê, "não exercem atividade esportiva alguma" e são desconhecidas pelos surfistas locais. "(As associações foram) criadas pela própria presidente, que se utilizou de pessoas de seu próprio círculo de amizades para fundação das mesmas, de forma ilegítima", aponta o dossiê, ressaltando que as três associações ativas no surfe de Alagoas não reconhecem a federação.

Pelo Ceará, quem vota é a "Federação Cearense", criada em 2002 e "inapta" de acordo com cadastro nacional de entidades. A entidade ativa no estado é a "Federação de Surfe do Estado do Ceará", criada em 2011. No Maranhão, é reconhecida uma federação criada apenas no ano passado, por duas entidades, sendo que uma delas não organiza eventos.

Na Paraíba, a federação estadual é formada por uma associação e dois clubes sociais que afirmam, em ata da federação, que não atuam no surfe. No Rio Grande do Sul, a Federação Gaúcha está inapta desde 2014. No ano seguinte foi criada a Liga Rio-Grandense, que realiza desde então o circuito estadual. Quem vota, porém, a federação. Paraná e Santa Catarina, descontentes no passado, chegaram a criar outra confederação e por isso também não têm direito a voto, segundo o levantamento.

O blog procurou o presidente CBSurfe para que comentasse o dossiê. Por Whatsapp, ele recomendou que a reportagem procurasse as federações. Passados cinco dias, ele não respondeu aos pedidos pelos contatos dessas federações. Nem respondeu se a confederação confirma que todas as entidades estão regulares.

União entre rivais

Henry Lelot conta a história do surfe brasileiro apontando seu aliado Juca de Barros como o dirigente que colocou as contas em dia na confederação, depois de uma gestão temerária de Geraldinho Cavalcanti. E culpa Geraldinho, um dirigente de Pernambuco, por colocar Adalvo, baiano, no poder, utilizando-se exatamente dessa rede de federações agora questionadas. 

Mas isso é coisa do passado. Agora, estão todos unidos contra Adalvo e em torno de Guilherme Pollastri, o vice-presidente, antigo aligado do baiano e agora seu principal opositor. "A gente é contra o Adalvo e por isso estamos juntando forças com quem é contra o Adalvo. É isso que nos une, diz o shaper.

Lelot explica que a grande chance de derrubar Adalvo, que comanda a confederação sem respaldo da comunidade que faz surfe no Brasil, será na assembleia geral que precisa ser marcada até 31 de março. O dossiê será levado ao encontro para comprovar que 12 federações estão inaptas, inclusive estados que são aliados de Pollastri.

Só restariam quatro estados para votar: Pernambuco, Rio, Espírito Santos (com Pollastri) e Bahia (com Adalvo). Além disso, os atletas também têm direito a voto, mas o representante dos surfistas foi indicado por Adalvo, sem eleição. Agora, já está aberto um processo de inscrição de candidaturas para uma votação que deve contar com o respaldo dos profissionais.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.