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Olhar Olímpico

Escândalo que derrubou Nuzman agora coloca Tóquio-2020 em xeque

Demétrio Vecchioli

11/01/2019 11h10

Tsunekazu Takeda, presidente do comitê olímpico japonês (Toshifumi Kitamura/AFP)

O indiciamento do presidente do Comitê Olímpico do Japão e vice-presidente do Comitê Organizador de Tóquio-2020, Tsunekazu Takeda, por corrupção ativa, é, de alguma forma, um alívio para Carlos Arthur Nuzman. Reforça a tese de que a compra de votos para escolha da sede olímpica não foi uma iniciativa pontual dos brasileiros, mas uma forma de "jogar o jogo". Tanto que os japoneses agora são acusados de terem feito o mesmo. 

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Takeda, aliás, é o que Nuzman foi para a Rio-2016: seu principal idealizador. E a acusação, a partir do Ministério Público da França, também chega da mesma fonte. A grande diferença é que o Brasil só teve que lidar com a desconfiança da opinião pública sobre a legitimidade dos Jogos no Rio quando a Olimpíada já havia acabado. Para Tóquio, na melhor das hipóteses, quando os Jogos acontecerem no ano que vem ainda estará pairando a dúvida se o Japão comprou ou não o direito de receber o evento. Isso se não houver certeza até lá.

Os indícios são fortes – como são para o Rio. E, o método, parecido. Pouco antes da assembleia geral do Comitê Olímpico Internacional (COI) em que Tóquio foi escolhida sede da Olimpíada de 2020, US$ 2 milhões foram depositados na conta de uma empresa baseada em Cingapura, a Black Tidings. Essa empresa seria ligada a Papa Massata Diack, senegalês, filho do então presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF), Lamine Diack.

Foram as investigações da procuradoria francesa sobre as movimentações financeiras dos Diack que descobriram os pagamentos supostamente relacionados às compras de voto por brasileiros e japoneses. No caso da Rio-2016, os franceses passaram a atuar em cooperação com o Ministério Público Federal do Brasil, onde não existe o crime de corrupção privada.

Por aqui, Nuzman se tornou réu em processo na Justiça Federal porque o MPF construiu a denúncia relacionando o pagamento de US$ 2 milhões do empresário Arthur Soares a uma conta relacionada aos Diack como uma troca de vantagens entre o governo do Rio, o Comitê Rio-2016, e o empresário, conhecido como Rei Arthur. Ao comprar votos do cartola senegalês, ele estaria comprando vantagens que viriam a ser pagas com recursos públicos. Para os promotores, houve crime de corrupção ativa. Nuzman se diz inocente.

No caso do Japão, o processo corre na França, onde existe o crime de corrupção privada. O jornal Le Monde desta sexta-feira (11) informa que Takeda foi ouvido pela primeira vez no começo de 2017 e depois novamente em dezembro passado. Só então teria sido indiciado, como confirmaram as agências de notícias EFE e Reuters. Takeda nega o indiciamento e diz que tem colaborado com as investigações.

Ainda não é possível determinar o abalo disso tudo na imagem dos Jogos e em sua própria organização. O movimento olímpico é questionado há tempos pela insistência em se associar a cartolas como os Diack- agora o boxe elegeu como presidente um usbeque acusado pelos EUA de ser um narcotraficante de heroína. E a segunda Olimpíada seguida acusada de "comprar" votos para ter o direito de sediá-la coloca dúvidas sobre a legalidade de todos os processos anteriores e futuros.

No caso dos japoneses, existem agravantes para complicar a situação. Takeda vem de uma linhagem admirada e bisneto do Imperador Meiji, que governou entre 1867 e 1912. Como Nuzman, é ex-atleta olímpico, tendo participado das Olimpíadas de 1972 e 1976. Sua influência sobre o esporte japonês é tão grande que ele tende (ou tendia) a ser reeleito para um 11º mandato no comitê olímpico.

Além disso, o indiciamento de Takeda afeta também o Comitê Olímpico Internacional (COI), que se livrou de Nuzman e Diack depois que o escândalo estourou, no final de 2017. Agora, será mais difícil se desligar da imagem do japonês, que é presidente da comissão de marketing do COI desde 2014.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.