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Olhar Olímpico

Sustentabilidade do Parque Olímpico é 'utopia', diz presidente da AGLO

Demétrio Vecchioli

08/12/2018 04h00

Paulo Márcio Dias Mello (Foto: Francisco Medeiros/ME)

Sem contar salários, a Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO) já gastou mais de R$ 32 milhões em 2018 para manter funcionando o Parque Olímpico da Barra. Financiada por recursos do governo federal, a autarquia do Ministério do Esporte, por sua vez, arrecadou uma pequena fração disso com a locação de ginásios, quadras, velódromo e centro de tênis. Em 2017, esse valor não chegou a R$ 2 milhões.

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Faltando pouco mais de seis meses para fechar as portas, como previsto no Projeto de Lei de Conversão que a criou em 2017, a AGLO ainda está longe de tornar o Parque Olímpico sustentável, como cobra o Tribunal de Contas da União. Na opinião do seu presidente, Paulo Márcio Dias Mello, a sustentabilidade financeira da área é uma "utopia". A prioridade dele, na qual acredita estar sendo bem sucedido, é o legado social do espaço.

Em entrevista exclusiva ao Olhar Olímpico, por telefone, Paulo Márcio ressaltou diversas vezes que não tem culpa se entidades como a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) e a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) não se interessam em ampliar o uso dos equipamentos construídos para os Jogos Olímpicos do Rio.

Olhar Olímpico – Após um ano e meio à frente da AGLO, qual o maior legado da sua gestão?

Paulo Márcio – A ocupação do legado olímpico. Hoje o Parque Olímpico é uma realidade. Ele vai fechar 2018 sendo frequentado por mais de 500 mil pessoas, tendo recebido diversos campeonatos internacionais importantes. Hoje a gente pode dizer que o Brasil entrega um legado olímpico, ainda que este possa se aperfeiçoar.

Essa movimentação do Parque Olímpico é mais para um uso social, mas as arenas, especialmente do tênis e o Velódromo, ainda são pouco utilizadas para o alto rendimento…

[ele interrompe a pergunta] O problema é que cada arena tem uma especificidade. Não é verdade que o Velódromo está sendo subutilizado. Teve campeonato de taekwondo, de judô. A procura tem sido tão grande que eu sou obrigado a destinar eventos para o centro do velódromo. A confederação (CBC) também utiliza a pista para treinamentos, temos instrutores e equipamentos para receber a população, que é orientada a andar..

Do tênis, não é verdade que é subutilizado. A quadra central não está sendo utilizada, é diferente. A gente já convidou a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), que preferiu continuar no Sul. Estamos em contato com o Rio Open, mas teria que conseguir mudar o piso da quadra no calendário. Hoje o Rio Open é no saibro, teria que mudar para quadra rápida. As quadras externas estão sendo utilizadas pela população, que pode reservar o espaço por um aplicativo.

O Velódromo só custou o que custou porque tem uma das melhores pistas de ciclismo do mundo. Competições regionais de judô não precisam do Velódromo, podem acontecer em ginásios mais simples. Não faltam competições de alto-rendimento, do nível das estruturas? Em três anos, o Brasileiro de Ciclismo de Pista nunca aconteceu no Velódromo.

Aí você tem que cobrar da confederação, que não quer fazer a competição aqui. Esse ano, o Velódromo não estava disponível porque teve uma tempestade que levantou meu telhado inteiro. Eu não tenho culpa. Eu já perdi outros eventos, como o Grand Prix de Vôlei, porque as pessoas estavam com medo de vir pra Barra. O que eu posso fazer?

A AGLO não tem responsabilidade por não conseguir atrair esses grandes eventos? O Velódromo é um dos melhores do mundo, mas não está no calendário da Copa do Mundo de Ciclismo, por exemplo.

A AGLO já fez o que tinha que fazer e vive fazendo. A seleção de alto-rendimento de ciclismo treina no Velódromo, tivemos o Mundial Paraolímpico, temos os projetos sociais. Se outros eventos não são realizados aqui, porque eles querem fazer em outro lugar, eu não posso ser responsabilizado. Tudo que a AGLO pode fazer, nós fazemos. O Brasil está preparado, a pista está à disposição, mas essa é uma opção dos organismos internacionais.

Na sua opinião, a AGLO faz tudo que ela pode?

Acho que para um ano de existência, a AGLO já fez muito mais do que se esperava para quem constrói uma autarquia do zero. O legado olímpico vai sendo aperfeiçoado todo ano, com projetos, com ideias. Tudo isso para a gente é um aprendizado, e a gente vai aperfeiçoando. Eu não construí a Olimpíada. Eu não tenho a ver com o custo para levantar o Parque. O que eu tenho é que pegar algo que já existia e transformar em algo palpável.

Ao oferecer o Centro de Tênis para a CBT, a proposta era a AGLO bancar a manutenção da estrutura?

Essa conversa foi lá atrás. A CBT simplesmente não tem interesse, não importa as condições.

E quanto ao Rio Open? Se a data precisa ser jogada no saibro, existe a possibilidade de o Centro Olímpico mudar o piso para saibro?

Você acha que eu vou substituir para saibro? Para você me criticar que eu gastei substituindo o piso? Eu não. Eu não cobrava aluguel da Arena Carioca 1 e você criticava. Hoje não está tendo jogo. Agora a gente cobra para não tomar porrada de vocês. [Nota do blog: leia os dois textos sobre o tema, aqui e aqui]

Essa é uma discussão que é da sociedade e da comunidade. Existe uma crítica de que, ao ceder o espaço de graça, subsidiado pelo dinheiro público, a AGLO inclusive afeta a concorrência com sua vizinha, a Jeunesse Arena, que tem preços mais altos.

Eu não tenho fins lucrativos. Minha principal função é ocupar o Parque Olímpico. Eu não tenho necessidade de fazer lucro. Eu defendo a inclusão social. Que a população aproveite o que custou milhões de reais.

Mas o TCU tem cobrado que o Parque Olímpico seja sustentável. Ou seja: que ele ao menos tenha tanta receita quanto ele tem de despesa. Dá para ao menos empatar?

Falta muito (para empatar) Eu não tenho condições de tornar sustentável porque eu não tenho visão de lucro. Não só eu. Pode ver na Inglaterra. Passou seis anos e ainda não é sustentável, o governo precisa colocar dinheiro. Eu também acho que o ideal é sustentar, em todos os legados. Mas nunca aconteceu, nem vai acontecer. É impossível que num curto espaço de tempo você pense que vai cobrir todos os custos. Isso é uma utopia.

Quanto a AGLO arrecadou ano passado e quanto gastou?

Tivemos cerca de R$ 1,2 milhão no ano passado com contrapartidas. Com isso, a gente construiu uma quadra de areia que agora recebe competição da Conmebol [uma competição de clubes]. E gastei R$ 9,8 milhões, aproximadamente, em despesas correntes, de custeio. Esse ano o custo aumento, porque terminei todos os processos licitatórios.

A lei que criou a AGLO diz que ela tem que acabar em 30 de junho de 2019. O senhor é favorável à continuidade dela?

Se quiser saber pessoalmente minha opinião, eu acho que a AGLO tem exercido um papel importantíssimo como braço direito do governo. Sou a favor da manutenção da AGLO. Pelo trabalho social que ela vem realizando, ela tem condições de tocar o legado olímpico do Rio de Janeiro.

A Arena 2 teve desmontadas as arquibancadas e se tornou um grande centro de treinamento. Quanto dela já está ocupada?

Ela está toda ocupada. Estou tendo todo os tipos de treinamento lá. Tenho espaço para luta livre, karatê, vôlei, wresting. A Arena está bonita.

Além do espaço esportivo as arenas são cheias de salas. Existia um movimento para esses espaços fossem ocupados por confederações. Algumas a gente sabe que já estão ocupando essas salas, como a confederação de wrestling. A meta é ocupar tudo?

As salas estão À disposição das federações, das confederações, das entidades sociais, de quem tiver vontade. Eu não estou aqui para cobrar aluguel, estou aqui para proporcionar oportunidades sociais

Existe um movimento que defende que o Parque Olímpico deveria ser um hub de confederações, todas próximas ao COB, que vai se mudar para o Maria Lenk.  O senhor acha viável?

Eu também acho que seria o ideal, mas o Brasil é um país continental. As confederações já estão instaladas em diversos lugares. Tem CT em Manaus, em Fortaleza… As confederações já se estruturaram nesses locais. Imagine a confederação que já construiu toda uma estrutura, para ela se mudar ela vai ter que fazer novos investimentos, tem o custo de estadia dos atletas. As confederações não querem, os atletas não querem. Seria o ideal, mas não vai acontecer.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.