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Olhar Olímpico

Dois anos após ouro de Martine, vela feminina perde atletas no Brasil

Demétrio Vecchioli

23/11/2018 11h55

Martine Grael e Kahena Kunze (Jesus Renedo/World Sailing)

A medalha de ouro conquistada por Martine Grael e Kahena Kunze nos Jogos Olímpicos do Rio não serviu para sequer manter o patamar que a vela feminina tinha no Brasil em 2016. Isso fica claro na principal competição do iatismo nacional, a Copa Brasil de Vela, que está sendo disputada em Florianópolis (SC). A própria classe 49erFX, que consagrou Martine e Kahena na Rio-2016, não faz parte da programação porque ninguém se inscreveu.

No total, apenas 13 mulheres estão disputando as demais quatro classes olímpicas – elas eram 27 em 2015. Na Laser e na Laser Radial, classes mais tradicionais da vela, fica clara a diferença entre homens e mulheres: são 21 inscritos no masculino, quatro no feminino.

"A vela é um esporte muito machista", admite Marco Aurélio Sá Ribeiro, presidente da Confederação Brasileira de Vela (CBVela). "O Brasil é machista. A Fernanda Oliveira e a Isabel Swam (medalhistas de bronze em Pequim-2008) começaram a quebrar esse telhado. Dou muito mérito para as duas. O bronze delas vale um ouro. Eu velejava e não era um ambiente tranquilo para mulher na vela. Com a Martine, com o surgimento de uma ídola, isso começou a ter uma maior afirmação", continua o dirigente.

Na 49erFX, especificamente, a falta de mulheres não chega a ser novidade. Nas últimas duas temporadas, na falta de rivais para Martine e Kahena, a Confederação Brasileira de Vela (CBVela) juntou as classes 49erFX (feminina) e 49er (masculina) em regatas únicas. Ou seja: elas competiram contra os homens. Dessa vez, as campeãs olímpicas tinham o compromisso de viajar à Nova Zelândia para treinar no mesmo período. Sem elas, não há mulheres nem na 49er nem na 29er, classe de formação – as quatro duplas inscritas são de homens.

Em outras classes houve redução no número de mulheres inscritas para a competição que forma a seleção brasileira. Na RS:X (kitesurfe), por exemplo, seis mulheres participaram da Copa Brasil de 2015. Apenas três competem esse ano. Na Laser Radial, o número de velejadoras também caiu pela metade em três anos: de oito para quatro. Na 470, eram três duplas em 2015, e agora só duas.

O presidente da CBVela relaciona a redução no número de mulheres inscritas ao fato de a competição, que antes acontecia em meados de dezembro, ter sido antecipada para essa semana. "Foi uma falha nossa. Tem o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) esse fim de semana, é final dos períodos nas faculdades e colégios. Vamos corrigir no ano que vem", promete.

Mas a redução no número de participantes é um fenômeno só das mulheres, na comparação entre 2015 e 2018. Os homens inscritos nas classes olímpicas passaram de 35 para 41 (aumento de 17%). No total, sem contar as classes que só fazem parte do programa dos Jogos Pan-Americanos, os homens correspondem a cerca de 80% do total de inscritos. "É um número expressivo e a gente não está satisfeito com isso", reconhece Marco Aurélio. De acordo com a CBVela (que não disponibiliza eu seu site as súmulas desses anos), a Copa Brasil de 2017 tinha 15% de mulheres, enquanto que tem 2016 elas foram 18%.

O cenário é um pouco melhor quando se analisa o número de participantes da Copa da Juventude, evento de base também anual que tem regastas mistas de quatro classes: Laser Radial, 420, 29er e RS:X. Em 2016, três barcos femininos participaram da 29er, escola para a 49erFX. Em 2018, só dois. O número de participantes mulheres até cresceu em dois anos (de 22 para 23), mas os homens ainda são ampla maioria: foram de 59 para 61 este ano.

Em Tóquio-2020, assim como no Rio-2016, serão disputadas cinco classes exclusivas dos homens, contra quatro femininas. O barco da Nacra 17 obrigatoriamente precisa ter um homem e uma mulher. Para Paris-2024, a World Sailing já decidiu que sai a classe Finn, única que não tem correspondente no feminino, e entra mais uma classe mista.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.