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Olhar Olímpico

General nomeado por Bolsonaro foi investigado por superfaturamento em Jogos

Demétrio Vecchioli

14/11/2018 18h00

Jamil Megid, general nomeado para a equipe de transição (Agência Brasil)

Nomeado para compor a equipe de transição de Jair Bolsonaro (PSL), o general da reserva Jamil Megid Júnior é parte de dois processos que correm no Tribunal de Contas da União por supostas fraudes na organização dos Jogos Mundiais Militares, em 2011, no Rio. Ele também foi investigado pelo Ministério Público Militar pelas mesmas razões – ambos os casos foram arquivados. O principal mentor e organizador do torneio foi o general Fernando de Azevedo Silva, já nomeado futuro ministro da Defesa, mas não citado nesses processos. O blog procurou a equipe de transição para que comentasse a nomeação, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Novo ministro da Defesa comandou empresa olímpica e esporte militar

Em um dos processos, Megid, como coordenador do Comitê de Planejamento Operacional dos Jogos, foi inicialmente condenado pelo TCU a, junto com outros cinco acusados, recolherem aos cofres do Tesouro Nacional mais de R$ 4,3 milhões, atualizados monetariamente a partir de agosto de 2011 – o procedimento é habitual na corte, antes da apresentação da defesa. O acórdão de abril de 2013, porém, acabou revisto no último dia 24 de outubro, quando as contas foram julgadas "regulares com ressalvas".

O processo investigou "possíveis irregularidades" na contratação e na execução de serviços de governança hoteleira para os Jogos Militares de 2011. O general Megid era o primeiro da lista de responsáveis, porque, de acordo com interpretação inicial do TCU, "seus atos ensejaram dano ao erário", uma vez que o edital continha "vícios de legalidade, especialmente a inclusão de termo de referência genérico" e adotava "critério de medição inadequado". Também influenciou na decisão de 2013 do TCU o fato de ele ter sido diretamente alertado para os riscos de superfaturamento ainda em 2011 e não ter implementado medidas corretivas.

Um relatório da Secretaria de Controle Externo do Rio de Janeiro (Secex-RJ) mostrou, entre outros indícios de irregularidades, que a folha de ponto dos colaboradores contratados pela Hope Recursos Humanos não se referiam aos postos de trabalho nas Vilas Olímpicas, que havia menos colaboradores da empresa prestando serviço do que o informado, e que houve um "superdimensionamento" de pessoal durante fase de desmobilização do contrato.

Os fiscais do TCU também não encontraram 368 aspiradores de pó e 603 baldes que deveriam ser utilizados na prestação dos contratos. O número de veículos e de equipamentos de comunicação locados também foi superior à demanda, de acordo com a fiscalização. Tudo isso fez a Secex recomendar ao TCU que rejeitasse as alegações da defesa de Megid e que julgasse suas contas como irregulares.

Já este ano, porém, o relator Walton Alencar Rodrigues entendeu que punir Megid seria um ato de "excessivo rigor".  "Era exigível conduta diversa do responsável Jamil Megid Júnior. Por outro lado, atenuam o grau de reprovabilidade da conduta do agente as dificuldades e desafios vivenciados pelo gestor em mobilizar contratação de serviço considerado estratégico e essencial para o sucesso dos Jogos, sem a qual não seria possível realizar o evento esportivo. Além disso, não foi verificado dolo na postura do agente. Nessa vereda, o julgamento pela irregularidade das contas e a punição do responsável seria de excessivo rigor", argumentou o relator.

Locações

No outro processo, contado pelo UOL em 2012 e que teve seu acórdão mais recente em maio deste ano, o general Megid foi investigado pela locação de mobiliários para os apartamentos construídos na Vila Olímpica. Apesar de optar por alugá-los, e não adquiri-los em definitivo, o que deveria gerar economia, houve, de acordo com relatório da Secex-RJ, um sobrepreço de, ao menos, 26,54%, "se confrontados os preços unitários de locação e de aquisição de bens móveis, com idêntica especificação".

De acordo com esse mesmo relatório, o general solicitou a abertura de dois certames licitatórios com o mesmo objetivo, e ao final de ambos, decidiu pela locação do mais oneroso aos cofres públicos. Nas contas da equipe de auditoria do tribunal, os atos de Megid geraram perda de R$ 2,6 milhões para o país. Mesmo assim, também desta vez, o relator Walton Alencar Rodrigues propôs (e o plenário acatou) que as contas fossem jugadas "regulares com ressalvas". No acórdão, consta que Rodrigues "vislumbrou boa-fé dos gestores".

Ministério Público Militar

O general Megid ainda foi investigado em dois inquéritos policiais militares relativos a "indícios de superfaturamento" nos dois contratos. Ambos, porém, acabaram arquivados pelo Superior Tribunal Militar.

O primeiro, referente ao aluguel de mobiliário para os Jogos Militares, foi arquivado em relação ao general em maio de 2016. O procurador-geral da Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda, entendeu haver "indícios de fraude na fase de cotação de preços com vistas a superestimar o valor de referência da licitação", mas que esses procedimentos eram responsabilidade do tenente coronel José Augusto Lopis, isentando o general Megid. Este ano, o restante do inquérito também foi arquivado.

Já o segundo Inquérito Policial Militar, referente à contratação dos serviços de hoteleria para os Jogos, foi arquivado integralmente em 21 de junho de 2016. Em seu despacho, o ministro relator José Coelho Ferreira, cita que o arquivamento foi pedido pelo então procurador-geral da Justiça Militar em exercício, Roberto Coutinho.

Militares no esporte

O general Jamil Megid Júnior também atuou diretamente na segurança da Copa do Mundo. Em 2014, ele ocupava cargo de chefe da Assessoria Especial para Grandes Eventos (AEGE) do Ministério da Defesa, deixando o posto no começo de 2015.

Durante a Olimpíada do Rio, a segurança dos Jogos foi responsabilidade de outro general nomeado recentemente por Bolsonaro, para ser ministro da Defesa: Fernando de Azevedo e Silva. Na ocasião, ele era o comante militar do Leste. Nos últimos anos, também foi presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), consórcio público formado por União, estado do Rio e município do Rio para centralizar as decisões sobre a Rio-2016, e comandou a Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx).

Já o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, foi diretor de comunicação e educação corporativa no Comitê Olímpico do Brasil (COB) e mantém até hoje estreita relação com antigos interlocutores no esporte.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.