Para pesquisadora, esporte precisa ser política de Estado, não de governo
Considerada a principal referência no estudo do movimento olímpico no país, a pesquisadora Katia Rubio vê um cenário incerto para o esporte brasileiro. A mudança de governo deve causar também uma mudança de rumos, ainda que sua única certeza é a de que a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) tende a proporcionar uma "descontinuidade" no que vem sendo feito.
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"O Brasil nunca teve uma política esportiva de Estado, sempre teve política de governo. A gente está vendo de novo isso, uma quebra política, porque o que o governo anterior deixou não foi política de estado, foi política de governo. É muito fácil para um novo presidente pôr abaixo o pouco que se tinha. A gente tinha alguma coisa e não sei se a gente avança ou recua", avalia Rubio, que tem 27 livros publicados nas áreas de psicologia do esporte e estudos olímpicos.
Dezesseis anos após a criação do Ministério do Esporte, ela diz que o avanço, mesmo que tímido, é "inegável" na comparação com o cenário anterior, quando o Esporte era uma secretaria de governo. "Um exemplo é a Lei de Incentivo, que permite principalmente o esporte de base se beneficiar. Isso deveria ser uma política de Estado, não de governo. Também os programas de alto rendimento, os tantos atletas que se beneficiaram com Bolsa Atleta. Não sei se isso continua. O presidente eleito pouco ou nada falou sobre esporte", lamenta.
Do pouco que se sabe sobre o plano de Bolsonaro para o esporte, o que mais vem causando polêmica é a provável fusão dos ministérios da Educação, da Cultura e do Esporte sob o guarda-chuva do MEC. Professora referência na mais prestigiada faculdade de Educação Física do país, Katia Rubio mostra-se contrária à ideia.
"Quando você funde o esporte e a educação, o esporte passa a ser um problema da educação e deixa de ser uma questão em si mesma. Educação física e esporte são coisas diferentes. A educação física é do âmbito da educação, deveria estar em todas as escolas em níveis diferentes e não está. Já o esporte é um fenômeno distinto porque envolve três grandes áreas que estão na Constituição: alto-rendimento, participação, iniciação. Com o Esporte indo para a Educação, como que fica o esporte de participação e o esporte de iniciação?", questiona.
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No entender dela, o esporte de alto-rendimento não tende a sofrer consequências da fusão de ministérios, uma vez que, ao menos teoricamente, seu financiamento está garantido pela Lei Agnelo/Piva. Ao mesmo tempo, o esporte de iniciação está muito distante das escolas, ocorrendo principalmente em clubes, escolinhas e projetos sociais.
"A base do esporte no Brasil é clube e é privado. Um grande número de jovens sai dos projetos chamados sociais e vai se especializar nos clubes. Se a Lei de Incentivo não continuar, quem fomenta esses projetos? A escola não cumpre essa função", pontua Rubio.
Um argumento comum em comentários favoráveis à proposta de fusão dos ministérios é do que de a formação de atletas deve ocorrer nas escolas. Mas a pesquisadora da USP, que entrevistou quase a totalidade dos atletas olímpicos brasileiros vivos, entende que essa é uma realidade muito distante da brasileira.
"Função da escola não é revelar atleta. Eventualmente um professor consegue ver uma chama em uma criança ou outra, que vai ser desenvolvida fora da escola. O ambiente escolar é propício para essa chama se acender. As competições escolares revelam muito poucos atletas. As faculdades cooptam atletas prontos, e muitas escolas também. Onde são produzidos esses atletas? Não é na escola."
Ela também rebate a tese de que, fundindo educação e esporte, o Brasil pode repetir os Estados Unidos, que formam atletas na sua rede escolar. "O sistema escolar brasileiro é absolutamente diferente do americano. Nos EUA a educação física é obrigatória, e no Brasil não. Se tivéssemos cuidado com a educação física, eu até poderia dizer que caminhamos para isso. Mas o que a gente vê ao longo dos anos é que a educação física é cada vez menos prestigiada levando a um analfabetismo motor que complica todo o sistema."
Para reforçar sua percepção, Katia Rubio cita o Diagnóstico Nacional do Esporte, um amplo estudo encomendado pelo governo federal, com dados de 2013. Ali, mostrou-se que 32,7% dos jovens de 15 a 19 anos no Brasil são sedentários. Além disso, 71% dos brasileiros interrompem a prática de atividades físicas até os 24 anos, o que é considerado como "idade escolar".
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