Reclassificação tira recordes do Brasil e põe esporte paraolímpico em xeque
Colocar atletas com diferentes tipos de deficiências para competir em igualdade de condições sempre foi, para o movimento paraolímpico, um desafio constante. Ao apresentar novos critérios de classificação para a natação, porém, o Comitê Paraolímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), acabou colocando em xeque todo esse trabalho. E o brasileiro Daniel Dias, considerado o maior nadador paraolímpico da história, é a maior prova disso.
Até o início do ano, Daniel, eleito cinco vezes o melhor nadador do ano, a última delas em 2016, era dono de seis recordes mundiais na classe S5 em provas do programa paraolímpico. Ainda que continue em evolução aos 30 anos, a ponto de melhorar seu tempo nos 50m livre, o brasileiro perdeu quatro desses recordes nos últimos meses.
Não necessariamente porque tenha surgido um nadador melhor que ele na classe S5. Mas porque dois nadadores italianos e um ucraniano passaram por reclassificação e foram "rebaixados" de classe. Ou seja: a banca do IPC entendeu que, na verdade, os dois têm deficiência maior do que se pensava. Francesco Bocciardo, por exemplo, já era campeão paraoímpico na S6, mas agora compete contra atletas com ainda mais restrições de movimento. Não demorou a estabelecer um novo recorde mundial.
"Só na classe do Daniel, quatro atletas desceram de S6 para S5. Dois deles, da S7 para a S5. O IPC colocou todos os atletas para passar de novo por um processo de classificação, dizendo que era um novo processo, que seria necessário para todos os atletas. Mas a gente não percebeu mudança. O processo continua muito subjetivo. A própria tecnologia, usada em várias áreas, não é utilizada", critica Leonardo Tomasello, técnico da seleção brasileira.
Segundo ele, o problema está principalmente na classificação de atletas de baixa estatura e de paralisados cerebrais (que não têm necessariamente amputações, mas mobilidade reduzida por questões motoras). É exatamente esse último o perfil dos dois italianos: Bocciardo, de 24 anos, e Antonio Fantin, de apenas 17. Isso porque a natação paraolímpica tem 13 classes, que não separam os paralisados cerebrais dos atletas amputados – Daniel nasceu com malformação congênita dos membros superiores e da perna direita.
"Não são todos os classificadores que fazem a mesma classificação. Às vezes o atleta recebe uma classificação, passa por outra banca e muda de classe. A forma de avaliar de uma banca e outra é totalmente diferente", reclama Tomasello.
Ele reconhece que o problema coloca em xeque a credibilidade do esporte. "A classificação é fundamental. Não tem como ter esporte paraolímpico sem classificação. Mas precisa ser bem embasado, ser o mais objetivo possível, para acabar com a dúvida. Sempre tem o que não é nem S6, nem S5, mas precisa deixar bem claro o que é cada coisa. Isso se perdeu. Você não sabe mais, depende da banca que o atleta foi classificado."
Consequências
Ainda que Daniel Dias tenha perdido quatro recordes mundiais, o treinador evita tratar o problema como uma queixa do Brasil ou algo que tenha sido feito para beneficiar este ou aquele país. Quem sai perdendo nesse imbróglio é a natação paraolímpica, que perde credibilidade.
Por isso, diversas confederações nacionais (no caso do Brasil, o Comitê Paraolímpico Brasileiro, responsável pela natação) já estão reunidos para apresentar soluções. "No ParaPan-Pacífico (disputado em agosto, no Japão), conversamos com alguns países que estavam lá, para criar um documento oficial com as propostas. Não só levantar os pontos que são polêmicos, mas também dar algumas propostas de como melhorar isso", contou.
"O que agora precisa fazer é juntar especialistas em biomecânica, médicos, atletas, técnicos, e repensar o processo de classificação, fazer uma coisa nova. Usar o que tem de tecnologia disponível. A classificação precisa voltar a ser mais técnica, mostrar a potencialidade dos atletas e não ser uma coisa clínica. "Não vai ser um processo fácil, mas acredito que é necessário", completou.
Para o Brasil, porém, a situação é um pouco mais delicada. É que o atual presidente do IPC é o brasileiro Andrew Parsons, que comandou o CPB nos dois últimos ciclos. A entidade internacional, em nota ao blog, disse que até agora não recebeu nenhuma reclamação dos brasileiros sobre a reclassificação por "meio de canais formais".
Na nota, o IPC explicou que a reclassificação, que teve início em janeiro, exige que a maioria dos nadadores com deficiência física ou intelectual seja reavaliada. "As regras revisadas são o produto de um trabalho extenso e pesquisas sobre como os impedimentos físicos e intelectuais impactam na capacidade de um atleta de praticar o esporte e realizar cada braçada", continuou o comitê internacional, reforçando que as confederações nacionais foram avisadas das medidas em setembro do ano passado.
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