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Olhar Olímpico

Campeão de patrocínios, rúgbi vive crise financeira e depende de mecenas

Demétrio Vecchioli

08/08/2018 04h00

Com seis patrocinadores e dez apoiadores, a Confederação Brasileira de Rúgbi é considerada como um exemplo para as demais confederações olímpicas, que dependem essencialmente de apoio estatal para sobreviver. O que não significa que a CBRu esteja bem das pernas. Longe disso. A entidade vive crise financeira e só fechou as contas no ano passado porque tomou empréstimos a fundo perdido com seus cartolas e adiantou cotas de patrocínios. Há três anos a CBRu gasta mais do que arrecada.

Última confederação a votar seu relatório financeiro de 2017, a CBRu deve quase R$ 2 milhões para seus principais cartolas, sendo que mais de R$ 1 milhão referentes a empréstimos tomados no ano passado. Só com o presidente Eduardo Mufarej a dívida, em 31 de dezembro, era de R$ 620 mil. Jean Marc Etlin, membro do Conselho de Administração, emprestou R$ 1,260 milhão, enquanto que o ex-presidente Sami Arap tem a receber R$ 70 mil.

Além disso, como é comum nos clubes de futebol em seus contratos de direito de transmissão, no ano passado a CBRu pediu que dois patrocinadores adiantassem cotas de patrocínio. Juntos, Bradesco e Kaiser anteciparam R$ 1,4 milhão, que ajudaram a confederação a fechar as contas do ano passado com um total de R$ 4,5 milhões em patrocínios. Mas que diminuem a previsão de receita de 2018.

"Tomamos essas decisões deliberadamente. Optamos por manter os compromissos de longo prazo e reescalonar financeiramente a confederação. Não deixamos que as dívidas ficassem vencidas, conseguimos adiantamentos e conseguimos apoio de suportadores. Não gostamos disso, mas a operação foi feita em caráter extraordinário. Os empréstimos com os suportadores serão saldados em 2018", promete Rogério Calderón, coordenador de Finanças do Conselho de Administração da CBRu.

De acordo com seu relatório financeiro, no ano passado a CBRu teve um déficit operacional de R$ 3 milhões, depois de gastar R$ 1,8 milhão a mais do que teve como receita em 2016. Nesse meio do caminho, chegou ao fim um convênio de R$ 12 milhões com o Ministério do Esporte, firmado ainda em 2012.

"No ano passado, tivemos dois impactos específicos. Sofremos atrasos nos recebimentos da Lei de Incentivo (causados por patrocinadores) e houve uma queda na cotação da libra, o que impacta na verba que recebemos da World Rugby (federação internacional). Só no câmbio perdemos R$ 1,2 milhão. No total, tivemos um prejuízo de R$ 3,2 milhões, que impacta no resultado e no nosso caixa", explica Agustin Danza, CEO da confederação.

Segundo ele, o Conselho de Administração se reuniu no ano passado para discutir se a solução era pausar o planejamento da modalidade ou manter os programas e buscar fontes de financiamento. Optou-se pela segunda opção, com os empréstimos a fundo perdido e as antecipações de patrocinadores. Mas nem isso foi suficiente.

No mês passado, a confederação informou ao Conselho que teve suas verbas da Lei de Incentivo por ausência de representação dos atletas em órgão diretivo e por não possuir mecanismos de controle social, como determina a Lei Pelé. Depois disso, um patrocinador (não revelou-se qual) antecipou dois anos de patrocínio, enquanto outro prometeu antecipar uma verba em agosto.

A situação gerou desconforto, a ponto de um conselheiro reforçar o pedido de um relatório sobre a situação financeira da entidade. Durante a assembleia geral de junho, a CBRu se comprometeu a apresentar um relatório dos dois primeiros trimestres no fim de julho, o que não cumpriu – a entidade alega que uma falha no software de gestão atrasou o planos em um mês.

Aposta arriscada

Aluísio Dutra, gestor do time de Curitiba, era um dos poucos críticos ao modelo adotado pela CBRu, mas ele pediu demissão do conselho em maio. "Para fazer oposição, você precisa de uma dedicação que hoje eu não posso ter. Para ficar abanando a cabeça eu não tenho interesse", argumentou, em conversa com o Olhar Olímpico.

A visão dele é que a CBRu aposta alto demais dentro do plano estratégico de levar a seleção brasileira de rúgbi XV à Copa do Mundo de 2023. "Essa decisão tem levado a confederação a uma situação financeira complicada e tem distanciado a seleção da realidade do rúgbi brasileiro. Eu não acredito que essa fórmula possa tornar o rúgbi brasileiro mais próspero e possa fazer com que o rúgbi cumpra a função do esporte, de ferramenta social, prioritariamente. A confederação tem critérios modernos e tudo mais. Mas quando você está no caminho errado, tanto faz como você vai andar por ele."

No entender de Aluísio, a CBRu vê uma eventual vaga no Mundial como "a chave transformadora do rúgbi brasileiro". "Não acredito nessa premissa, não é o que vai acontecer. Mesmo com a classificação, não acho que é o que vai transformar o rúgbi. Até porque, se conseguir se classificar, vai para o Mundial para perder todos os jogos", analisa.

Solução

Rogério Calderón defende a gestão. "Não é uma aposta, é um planejamento. Estamos trabalhando para o fortalecimento do esporte. Um dos objetivos é a participação no Mundial. Se não obtivermos êxito, isso não significa que o esporte morreu. Nosso compromisso é pelo fortalecimento do longo prazo."

Mas ele concorda que a confederação ter dívidas com membros do seu conselho é uma situação "inconveniente" e que, por isso, pagar pelos empréstimos deve ser tratado como prioridade pela confederação. "Serão saldados ainda esse ano, se tivermos sucesso para realizar os eventos", diz. Um planejamento para o pagamento deveria ter sido apresentado no final de julho, mas o prazo também foi estendido até agosto.

A grande aposta da CBRu é um jogo da seleção brasileira de rúgbi XV contra o All Blacks Maori, um time de exibição de jogadores da Nova Zelândia – não é a poderosa seleção neozelandesa, mas oferece o mesmo entretenimento. O duelo será no dia 10 de novembro, em São Paulo, em estádio a ser anunciado (provavelmente o Allianz Parque).

"Imaginamos ter pelo menos um superávit de R$ 300 mil, no cenário mais conservador. Dependerá de patrocinadores, que estão sendo negociados, mas esse é o valor mínimo", conta o CEO da CBRu, que também cortou custos operacionais para reduzir custos da confederação.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.