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Olhar Olímpico

COI endurece discurso e boxe pode deixar de ser esporte olímpico

Demétrio Vecchioli

19/07/2018 16h51

(Peter Cziborra/Reuters)

A "nobre arte" corre risco real de ficar fora dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. Nesta quinta-feira (19), o Comitê Olímpico Internacional (COI) voltou expressar seu descontentamento com a forma com que a Associação Internacional de Boxe Amador (AIBA) vem lidando com seus problemas e deixou claro que continua considerando a possibilidade de o boxe deixar o programa olímpico.

Em comunicado após reunião do Conselho Executivo do COI, a entidade internacional disse que recebeu um relatório sobre a situação da AIBA com "preocupação significativa e contínua em uma série de áreas-chave, incluindo governança e gestão ética e financeira, que exigem mais informações e confirmações". Entre as decisões está "o direito de rever a inclusão do boxe no programa dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020". Além disso, desde dezembro a AIBA não recebe recursos do COI, punição que foi mantida.

 

Há seis meses, após a última reunião do Conselho Executivo, Thomas Bach já havia dado um ultimato à AIBA, afirmando que o COI não estava satisfeito com a situação da entidade, que é responsável apenas pelo boxe amador. À época, o vice Gafur Rakhimov, do Usbequistão, havia sido proclamado para ser o terceiro presidente da entidade em 3 meses, em mandato tampão até outubro.

Ainda que não haja nenhuma acusação formal contra Rakhimov, ele é apontado pelos EUA como um dos maiores criminosos de seu país. "Rakhimov foi descrito como tendo passado da extorsão e do roubo de carros para se tornar um dos principais criminosos da Usbequistão e uma pessoa importante envolvida no comércio de heroína", explicou o Departamento do Tesouro dos EUA em dezembro, ao anunciar o congelamento de todos os bens do empresário no país.

Rakhimov, porém, não é nem o maior dos problemas enfrentados pela AIBA. Ele só é escolha feita pela entidade para consertá-los. Nos últimos poucos anos a AIBA tem tido problemas em justificar suas contas, não conseguiu explicar um escândalo de combinação de resultados nas Olimpíadas, falhou em promover um calendário internacional e deu de ombros para a política do COI de ampliar o espaço à mulher no esporte. E, depois de receber um ultimato, nada fez – pelo contrário, escolheu um personagem tido como nada confiável para presidi-la.

Enquanto tudo isso acontece, o tapete da AIBA começa a ser puxado. Há duas semanas, a Associação Mundial de Boxe (conhecida pela sigla WBA), principal entidade do boxe profissional, surpreendeu ao anunciar que, "na busca pela origem do boxe", está abrindo suas portas ao boxe amador. Ou seja: avisou ao mundo que, se preciso for, pode assumir o papel da AIBA e cuidar da modalidade.

Em carta conjunta, o presidente da WBA, Gilberto Jesús Mendoza, e o ex-lutador Wladimir Klitschko, ex-campeão olímpico e profissional, pediu o apoio das federações nacionais de boxe na iniciativa. E apresentou um plano baseado em sete pontos, incluindo profissionalização de treinadores, fortalecimento dos valores do boxe, cuidado com o atleta e regulação unificada. A carta não cita nenhum termo relacionado ao olimpismo, mas o recado ficou claro.

Entenda

Em novembro, o taiwanês C K Wu, presidente da AIBA pelos últimos 11 anos, foi forçado a renunciar ao cargo, depois de se tornar insustentável sua permanência. Em julho, o comitê executivo da AIBA aprovou um "voto de não confiança" contra Wu, alegando que sua liderança era autocrática e que ele não conseguiu dar uma imagem clara das finanças da federação. Mas Wu só renunciou depois de acertar com a AIBA que ambos retirariam todas as acusações. O italiano Franco Falcinelli então assumiu, para ficar no cargo até janeiro passado.

Até agora, o COI também não engoliu as explicações dadas pela AIBA sobre o escândalo de manipulação de resultados na Rio-2016, quando 36 árbitros foram afastados. A federação nega que qualquer luta da Olimpíada tenha tido seu resultado forjado – há suspeitas sobre vitórias de russos -, mas o comitê internacional parece não acreditar.

As questões financeiras e de governança, porém, estão longe de ser o único problema para o boxe se manter no programa olímpico. A modalidade é a mais atrasada na diretriz do COI de equiparar o número de provas masculinas e femininas. O comitê internacional decidiu migrar duas delas em Tóquio (seriam oito para os homens, cinco para as mulheres), e a AIBA já disse que vai trabalhar para a decisão ser revista.

Além disso, o boxe amador não consegue promover um calendário internacional. Além do Mundial (realizado a cada dois anos), existem apenas as competições regionais, muito pouco atraentes. A AIBA até lançou uma liga semi-profissional, com clubes/franquias, mas o projeto nunca decolou.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.