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Olhar Olímpico

Esporte liga luz vermelha à espera de MP que pode retirar R$ 600 milhões

Demétrio Vecchioli

09/06/2018 19h33

Às vésperas da Copa do Mundo, quando todas as atenções estão voltadas para a seleção brasileira, o esporte brasileiro pode sofrer o seu mais duro golpe em décadas. As últimas horas foram de alvoroço entre quem foi sendo informado de que o governo federal deve editar uma Medida Provisória na semana que vem, possivelmente ainda na segunda-feira, para transferir para a segurança grande parte da verba que compõe o orçamento do esporte no Brasil.

A MP alteraria a Lei nº 9.615/1998, mais conhecida como Lei Pelé, que destina 4,5% da arrecadação bruta das loterias para o esporte. No ano passado, esse montante consistiu em R$ 597 milhões. Esse dinheiro é dividido entre o Ministério do Esporte, as secretarias municipais e estaduais de esporte e o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC). Um outro mecanismo, da Lei Agnelo/Piva, destina 2,7% da arrecadação das loterias aos comitês olímpico e paralímpico. Em tese, ele não seria modificado agora, mas CPB e COB podem ter que, no futuro, dividir o bolo deles com quem ficar sem dinheiro agora. O cenário é de incerteza.

Na quarta-feira, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, revelou que o governo estudava editar uma MP para redistribuir recursos da "loteria esportiva" para a área da segurança pública. A informação que inicialmente circulava no meio esportivo era que esse recurso da nova Loteria Instantânea Exclusiva, a Lotex, uma raspadinha que destinará 10% da arrecadação para o Ministério do Esporte, para ser aplicado em projetos de iniciação desportiva escolar, e 2,7% aos clubes de futebol. Ou seja: o esporte não perderia dinheiro, apenas deixaria de ganhar uma verba extra no futuro.

Desde sexta-feira à tarde, os mais diversos setores do esporte no Brasil estão sendo informados extraoficialmente que a pretensão do governo é outra. O ministro Leandro Cruz, por exemplo, teria ficado sabendo sobre a retirada desses 4,5% apenas a partir de um intermediário. Ex-assessor do deputado Leonardo Picciani (MDB-RJ) e recém-empossado, Leandro não teria influência suficiente para negociar termos de uma MP editada em conjunto pela Casa Civil, a Fazenda e a Segurança Pública.

Participando de uma regata na Noruega, Lars Grael é quem está fazendo a interlocução entre os prejudicados pela MP. Nas últimas horas, telefonou ao próprio ministro e aos presidentes dos Comitês Olímpico (Paulo Wanderley), Paraolímpico (Mizael Conrado) e de Clubes (Jair Pereira), além do presidente da Comissão Nacional de Atletas, o craque Zico. Membro da Atletas pelo Brasil, também mobilizou a diretoria. Segundo ele, todos já tinham conhecimento da MP, mas ninguém conhece ao certo seu texto.

Uma das questões em torno dela é se ela afetaria o CBC, uma vez que os recursos repassados aos clubes, na ordem de R$ 66 milhões no ano passado, são regidos por outra lei, a de número 12.395, de 2011. Minar a fonte de financiamento dos clubes poria fim aos campeonatos nacionais de base da maioria das confederações nacionais. Também encerraria diversos projetos de preparação de atletas financiados por esses recursos.

"Essa MP acende a luz vermelha em todo o esporte", admite Lars Grael, preocupado principalmente com o esporte escolar. É que as competições estudantis organizadas por estados e municípios são financiadas por um montante de R$ 200 milhões que sai das loterias todos os anos, também graças à Lei Pelé.

O próprio Ministério do Esporte, aliás, correria risco. Com menos de 50 funcionários de carreira, a pasta é altamente dependente de terceirizados. No ano passado, o ministério recebeu R$ 332 milhões das loterias, para arcar com sua estrutura e financiar iniciativas que vão do esporte recreativo ao alto-rendimento, passando pela Bolsa Atleta.

Em 2018, o orçamento inicialmente previsto do Ministério do Esporte é de R$ 805 milhões. Com o cobertor curto, a pasta parou de financiar seleções nacionais e incentivar a realização de torneios internacionais no país. Mesmo a Bolsa Atleta tem um orçamento menor do que seu custo anual. Fontes do Olhar Olímpico acreditam que, com a MP, o Ministério do Esporte corre sério risco de ser extinto.

Chama atenção, também, a possibilidade de a MP ser editada enquanto corre, na Comissão do Esporte da Câmara, um Projeto de Lei que visa exatamente rediscutir a divisão dos recursos das loterias que chegam ao esporte. Na semana retrasada, o Olhar Olímpico contou que o texto que estava sendo discutido previa aumentar o repasse para secretarias estaduais e para o CBC, e incluir também as organizações sem fins lucrativas voltadas ao esporte de base e um repasse obrigatório para o esporte militar.

Na semana passada, após movimentação do ex-ministro Leonardo Picciani, o texto do substitutivo mudou, excluindo as ONG's e esporte militar. A sessão da comissão que deveria votar o texto, porém, acabou cancelada.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.