'Nova Lei Piva' discute como dividir quase R$ 1 bilhão ao ano no esporte
Os R$ 191 milhões que chegaram ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) pela Lei Agnelo/Piva no ano passado têm grande visibilidade, mas são só uma fatia pequena do total de recursos das loterias federais que financiam o esporte no Brasil. A divisão das fatias desse bolo de R$ 970 milhões (valor de 2017) deve mudar a partir de junho. A maior parte dos interessados está de acordo com as diversas e amplas modificações propostas por um Projeto de Lei que deveria ser votado pela Câmara na semana que vem, não fosse um pedido de vistas feito na semana passada. Entre os descontentes está o Ministério do Esporte, que perderia mais de R$ 332 milhões ao ano. Os clubes também fazem lobby para ficarem com uma fatia ainda maior do bolo, enquanto os atletas não estão satisfeitos com as alterações propostas na Lei Pelé, que também seria modificada no mesmo pacote.
O PL em questão é o 6718/16, que foi proposto conjuntamente por oito deputados da Comissão de Esporte, no ano passado, propondo um modelo de distribuição que desagradava a praticamente todas as partes. Ficou então acertado que o deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), relator do projeto na comissão, apresentaria um substitutivo de consenso. As negociações avançaram nos últimos meses, mas até agora esse consenso não foi alcançado. Na quarta-feira, o texto foi à votação na comissão, mas os deputados Arnaldo Jordy (PPS/PA), Flávia Morais (PDT/GO) e Leonardo Picciani (MDB/RJ) pediram vistas. Isso significa que ele só pode voltar à pauta daqui a duas sessões ordinárias – logo, na semana que vem.
Picciani foi ministro do Esporte até o mês passado e indicou Leandro Cruz, seu ex-assessor, para ser seu substituto. O texto colocado em discussão, bastante quanto complexo, altera diversas leis e descentraliza recursos, na casa de R$ 332 milhões, que hoje ficam no orçamento do Ministério do Esporte para que a pasta use como quiser. Se essa versão do PL for aprovada, o ME passaria a ter que dividir seu pedaço entre ONGs, secretarias estaduais e até para os militares.
Pelo que apurou o Olhar Olímpico, o Ministério do Esporte (que agora tem Picciani como um porta-voz na Câmara) até topa abrir mão desses R$ 332 milhões, mas quer ter um controle maior sobre a destinação dos recursos. O texto do PL apresentado na semana passada apenas determina, por exemplo, que uma parcela "será repassada a entidades desportivas sem fins lucrativos para aplicação em projetos de desenvolvimento do desporto educacional".
A inclusão de ONGs na divisão do bolo das loterias, aliás, é uma das grandes novidades do PL. Hoje o Ministério do Esporte só descentraliza recursos para confederações, estados e municípios, enquanto as ONGs que atuam no setor educacional só conseguem se financiar pela Lei de Incentivo ao Esporte. Pela nova divisão do bolo, elas teriam direito a R$ 149 milhões (valores relativos à arrecadação das loterias em 2017), numa grande vitória da Atletas pelo Brasil e da Rede Esporte pela Mudança Social (REMS), uma espécie de associação que reúne mais de 100 ONG's que trabalham com o esporte social.
Quem também sai ganhando, ao menos pelo texto que está em discussão, são as secretarias estaduais de esporte. Dois dispositivos diferentes dão a elas, hoje, uma fatia de R$ 209 milhões. Com as alterações, elas passariam a receber o equivalente a R$ 276 milhões – os mecanismos, em porcentagens, são de difícil entendimento. O montante deve ter "aplicação prioritária em jogos escolares de esportes olímpicos e paraolímpicos". A divisão por estado é proporcional ao número de apostas.
Uma fatia pequena chegaria a um grupo até hoje excluído da divisão do bolo, ainda que seu fomento seja garantido pela Constituição e pela Lei Plé: os desportos de criação nacional, como biribol, capoeira e futevôlei. Curiosamente, a parcela de R$ 2,3 milhões não chegaria ao futsal, que é de origem uruguaia.
Do montante que hoje fica com o Ministério do Esporte também sairiam cerca de R$ 66 milhões para a Comissão Desportiva Militar Brasileira (CDMB), que atualmente até recebe recursos do ME, mas por ação voluntária do ministério. Pelo texto em discussão, ela teria garantida uma fatia do bolo quase tão grande quanto à soma do que será repassado ao desporto escolar (CBDE) e ao desporto universitário (CBDU).
Hoje, essas duas entidades têm direito a 10% e 5%, respectivamente, de tudo que chega ao COB, ao Comitê Paraolímpico (CPB) e ao Comitê de Clubes (CBC). Mas ficam longe de receber o montante total, porque não apresentam projetos suficientes aos comitês, que dependem disso para descentralizar os recursos. A 'nova Lei Piva' vai mudar isso, com o dinheiro indo direto da Caixa às duas confederações. Além disso, a porcentagem a que elas terão direito também vai quase dobrar. A CBDE passaria a receber R$ 39 milhões, ante 22 milhões em 2017, e a CBDU teria direito a R$ 19 milhões, contra R$ 11 milhões no ano passado.
Entraves
O maior lobby contra o atual texto do PL, porém, é dos clubes. A proposta aumenta a fatia deles no bolo de R$ 66 milhões para R$ 86 milhões, mas eles querem mais. Em audiência pública na Comissão de Esporte da Câmara na quarta-feira passada, deixaram claro que brigam por um aumento de 100% na cota. Influentes nas sociedades das grandes cidades, os clubes têm, por consequência, uma base sólida de apoio no Congresso.
Outro ponto que incomoda os clubes é o trecho que fala que a parcela da Timemania que vai para a Federação Nacional dos Clubes Esportivos (Fenaclubes), de cerca de R$ 4,7 milhões, deve ser usada em "ações esportivas". Os clubes querem manter a lei como ela está, apenas com a palavra "ações". Hoje, como mostrou o Olhar Olímpico, todo o dinheiro é gasto em oito dias de congressos por ano, com direito a shows de artistas famosos, concursos de musas e diversos jantares, tudo pago com dinheiro público. Os deputados querem mudar isso, para o dinheiro ir de fato para o esporte. "Nós queremos que esse recurso efetivamente possa chegar à ponta que é o destino final", diz Alexandre Valle (PR-RJ), presidente da Comissão.
Mas esse não é o único ponto que precisa ser negociado até a semana que vem. Há outros dois entraves, pelo menos. Um deles é o fato de o atual texto do substitutivo estipular que o COB só pode usar 15% do que recebe para despesas administrativas, mas permitir que para o Comitê Paraolímpico (CPB) e para o Comitê de Clubes (CBC) essa taxa seja de 25%. Pelo que apurou o Olhar Olímpico, o COB não reclama do seu teto, mas há quem defenda, entre os deputados, que os 15% valham para todos. Menos dinheiro gasto com administração é mais dinheiro aplicado no esporte diretamente.
O outro entrave é com relação à participação de atletas nas confederações. Desde que a Lei Pelé foi alterada em 2014, o artigo 18-A, que trata do tema, depende de regulamentação. A expectativa era de que esse PL fizesse isso, mas o atual texto não agrada aos atletas. A versão atual é a seguinte: "(Nas eleições) Os filiados deverão ser agrupados em uma das seguintes categorias: atleta, árbitro, entidade de prática desportiva, entidade regional de administração desportiva ou treinador; As diferentes categorias de filiados deverão estar igualmente representadas".
Os atletas, porém, querem que a lei lhes ofereça outras garantias, não apenas a participação no colégio eleitoral. "Como seria a participação desses atletas? Simplesmente votar para presidente a cada quatro anos ou a participação efetiva nos colegiados e ser parte integrante das discussões e das decisões do esporte de alto rendimento?", reclamou a Magic Paula, presidente da Atletas Pelo Brasil, em audiência pública realizada na terça-feira passada.
Raimundo Neto, interlocutor do Ministério do Esporte nas discussões, é contra a votação em toque de caixa. "A discussão talvez não seja tão simples a ponto de, amanhã, chegar aqui e votar um projeto em que se consiga fazer a diferença entre atleta e ex-atleta, qual deve ter participação, o que é um colégio de direção e como se faz isso dentro de um clube e como se faz isso dentro da uma confederação", afirmou.
Todos os envolvidos sabem, porém, que ou o texto é aprovado na comissão na semana que vem, para em seguida ir para plenário, ou é grande a chance de ele só ser votado depois das eleições ou, quem sabe, no ano que vem.
Comitê Olímpico do Brasil
Em dezembro do ano passado, o Olhar Olímpico noticiou que o texto que era discutido na Câmara tirava da mão do COB os cerca de R$ 95 milhões que são descentralizados para as confederações todos os anos. A verba passaria a ser enviada às confederações diretamente pela Caixa, a partir de diretrizes do Ministério do Esporte. Essa ideia não vingou, por rejeição das próprias confederações, e o COB vai continuar responsável pela totalidade dos R$ 191 milhões destinados aos esportes olímpicos.
Mas o texto em discussão passa a determinar não só que 55% do arrecadado seja descentralizado para as confederações (R$ 106 milhões em 2017) como estipula um teto de 15% para gastos administrativos. Isso significa que obrigatoriamente sobram R$ 58 milhões para projetos esportivos do COB, o que os deputados consideram ser um avanço.
Além disso, o projeto traz uma série de medidas de governança e transparência, que vão muito além do que existe hoje, com direito à exigência de demonstrativo sintético das despesas realizadas diretamente e relatórias quadrimestrais, por exemplo. Essas medidas valem também para o CPB, o CBC, a CBDE e a CBDU.
Já o Comitê Paraolímpico perderia uma parcela pequena de sua arrecadação, de cerca de R$ 3,5 milhões, para que seja beneficiada a Confederação Brasileira de Desporto de Surdos (CBDS) – os surdos têm seus próprios Jogos, não participando dos Paraolímpicos. Mesmo assim, o CBP teria um orçamento anual de R$ 129 milhões.
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