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Olhar Olímpico

Na maior crise da história, rúgbi recorre ao tapetão e mancha Copa do Mundo

Demétrio Vecchioli

15/05/2018 17h14

Jogadores de Espanha vão para cima do árbitro em partida polêmica no rúgbi (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

Imagine a seguinte situação: última colocada de seu grupo nas Eliminatórias da Copa do Mundo, Liechtenstein chega à repescagem depois que três times que ficaram à sua frente são punidos por escalações irregulares em praticamente todos os jogos. E isso só é descoberto depois que o jogo decisivo, que vale classificação para a Copa, tem seu resultado determinado por uma arbitragem visivelmente caseira, favorável não só ao país do juiz, mas também do presidente da Uefa. Bizarro, não? É esse o tamanho da crise na qual o rúgbi se meteu a um ano da Copa do Mundo.

A solução do abacaxi foi divulgada nesta terça-feira pela federação internacional, a World Rugby. A Romênia (líder da chave) perdeu a vaga na Copa do Mundo, a Espanha (segunda colocada) perdeu a oportunidade de jogar a repescagem, e a Bélgica (quarta) foi eliminada. A Rússia, que terminou o grupo em terceiro, ganhou passaporte direto para a Copa do Mundo do ano que vem, no Japão, e a Alemanha, lanterna do grupo, jogará o playoff contra Portugal.

A resolução para a maior crise da história do rúgbi desagradou a gregos e troianos, claro. Especialmente a Espanha, que foi prejudicada pela arbitragem, formalizou uma denúncia para que os fatos fossem apurados, e acabou, com isso, perdendo a chance de ir à Copa do Mundo apenas pela segunda vez em sua história – a primeira foi em 1999.

A confusão começou a na última rodada das eliminatórias, em 18 de março. A Romênia já havia feito suas oito partidas e torcia para uma vitória da Bélgica sobre a Espanha. Para desconforto geral, a federação europeia, presidida pelo romeno Octavian Morariu, escalou o também romeno Vlad Iordachescu para apitar a partida. Tinha tudo para dar errado, e deu.

Graças a seis pênaltis (faltas marcadas perto do H, que se transformam em conversões de três pontos), a Bélgica ganhou por 18 a 10. O espanhóis, furiosos, foram para cima de Iordachescu, que precisou ser protegido pelos belgas, que nada tinham a ver com o caso.

O escândalo estava apenas começando. Inicialmente, a Espanha pediu que a partida fosse refeita, o que a World Rugby indicava que aceitaria. Mas, dias depois, descobriu-se que a Bélgica havia escalado um jogador irregular contra a Alemanha. Depois, soube-se de mais um outro. A imprensa passou a olhar o tema com atenção e também achou jogadores irregulares na Espanha e na própria Romênia.

Sione Faka'osilea é um dos jogadores em questão. Ele chegou à Romênia em 2014, vindo de Tonga. Mas ninguém notou que ele já havia defendido a seleção de seu país natal em competições regionais de Oceania, o que, pela regra da World Rugby, torna ele inelegível de defender outra equipe.

Mas não foi só a Romênia que não tomou cuidado. A Espanha também escalou dois jogadores que atuaram pela seleção sub-20 da França, em 2011. Desde 2014 a regra proíbe esse tipo de naturalização, mas ela era válida em 2011, exceto em um caso: para jogadores que haviam atuado em uma partida em que os dois times houvessem sido declarados como "próxima seleção adulta" por suas federações nacionais, o que raramente acontecia. Mas aconteceu uma vez.

Em 2012, a Escócia convocou um jogador chamado Steve Shingler para seu time principal. O País de Gales, que também desejava contar com ele em sua seleção, lembrou que em 2011 ele havia defendido o time sub-20 galês contra a França sub-20, que declarara aquela como sua "próxima seleção adulta". A World Rugby acatou a decisão retroativa e, para efeitos de naturalização, os atletas que participaram especificamente daquele jogo entre País de Gales e França Sub-20, não poderiam defender outras seleções.

Pois bem. Um dos jogadores que atuou nessa partida, Mathieu Bélie, depois passou a defender a Espanha. E foi escalado em seis dos oito jogos da Eliminatórias, junto com Thibaut Visensang, seu ex-companheiro de França Sub-20, que não atuou especificamente naquela partida contra Gales.

Já o caso do jogador belga é tão peculiar quanto. Victor Paquet cometeu a besteira de revelar a um jornal francês que ele servia à seleção da Bélgica porque sua bisavó é belga. Só que a World Rugby é clara: processos de naturalização só são válidos até duas gerações. Ou seja: era necessário que a avó – e não a bisavó de Paquet – tivesse nascido na Bélgica.

Em meio a tanta polêmica, a World Rugby preferiu punir todo mundo. Tirou 40 pontos da Espanha (que escalou Bélie em oito partidas, cada uma delas valendo cinco pontos) e 30 tanto da Romênia quanto da Bélgica. A Rússia, que ganhou quatro jogos em oito, somente, subiu duas posições e vai para o Japão ano que vem. Mas melhor sorte teve a Alemanha, lanterna do grupo, que ganhou a chance de jogar a repescagem contra Portugal, em junho. Quem passar pega Samoa por uma vaga na Copa do Mundo.

Isso se não houver outra reviravolta. A tendência é que os três países punidos recorram da decisão, especialmente a Espanha, uma vez que as questões de elegibilidade são dúbias quanto à retroatividade de decisões.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.