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Olhar Olímpico

Conselho de Ética do COB pede explicações a Goto em meio a escândalo

Demétrio Vecchioli

07/05/2018 10h58

(Marcos Goto (Ricardo Bufolin/CBG)

Menos de um mês depois de ser instaurado, o Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB) já tem o seu primeiro desafio. Na sexta-feira, o órgão, criado durante a revisão estatutária do ano passado, decidiu abrir um procedimento inicial para discutir as denúncias de abuso sexual na ginástica artística. A Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e o treinador-chefe da seleção, Marcos Goto, serão ouvidos. As informações foram inicialmente publicadas pelo GloboEsporte.com e confirmadas pelo Olhar Olímpico.

A abertura desse procedimento foi um pedido da Comissão de Atletas, em representação assinada pelo seu presidente, o agora ex-judoca Tiago Camilo. Ele mesmo pode vir a assumir um cargo semelhante ao de Goto, uma vez que foi convidado para se tornar o treinador-chefe da seleção masculina de judô.

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Por enquanto não há um processo aberto contra Goto ou contra a confederação. Pelo que determina o regimento interno do COB, nesta primeira etapa o conselho deve intimar o treinador e a CBG a apresentar informações preliminares. Isso foi feito na sexta-feira e a resposta precisa ser entregue até o fim da semana, inclusive por escrito. Só depois dessa etapa é que o Conselho vai decidir se admite a denúncia e instaura processo. Aí, serão até 60 dias até uma decisão final.  Por enquanto, o caso corre sobre segredo de Justiça, como determina o estatuto.

Goto não é acusado de abuso sexual, como Fernando de Carvalho Lopes, um dos treinadores da seleção brasileira na preparação para os Jogos Rio-2016. Mas o técnico de Arthur Zanetti é acusado por ex-atletas de ter sido conivente e ter feito piada das acusações contra Fernando, quando estes ainda eram crianças e/ou adolescentes.

É que os supostos atos de abuso sexual de Fernando teriam ocorrido no clube Mesc, em São Bernardo do Campo. Os atletas incomodados com a situação teriam migrado para o Serc, em São Caetano do Sul, onde Goto era (e ainda é) técnico. Lá, pelo que relataram dois ex-atletas ao Fantástico, eles teriam sido alvo de piadas de Goto. Ainda de acordo com eles, o treinador que hoje comanda da seleção sabia das acusações que já pesavam contra Fernando.

Goto nega e diz que à época os fatos corriam apenas como boatos. "Em primeiro lugar, boatos não são fatos. Os boatos existiam na ginástica. O mundo da ginástica inteiro no Brasil sabia dos boatos. Todos já tinham ouvido sobre esses boatos, mas os atletas jamais tinham chegado em algum adulto e falaram realmente o que aconteceu. Tanto que só agora esse caso começa a sair e os atletas começam a falar. Jamais algum atleta veio a mim e relatou o que aconteceu como está sendo falado agora. Gracejos sempre tiveram no meio da ginástica. Esses boatos existiam realmente, mas o fato nunca foi falado para mim ou para outro treinador", argumentou em comunicado, na semana passada.

Na sexta, em reunião com o Ministério Público do Trabalho, a CBG saiu em defesa do treinador. "A direção da CBG reafirmou seu compromisso e confiança perante o coordenador Marcos que, vale ressaltar, foi quem incluiu no programa do seminário realizado em janeiro entre COB e CBG para treinadores de ginástica justamente o tema de combate ao abuso e assédio. E foi também um dos apoiadores para desenvolvimento de ações educativas do tema", diz a ata da reunião, assinada pelo consultor jurídico da CBG, Paulo Schmitt.

Marcos Goto também foi ouvido e disse que tudo não se trata de "mera boataria". Na ata consta que ele afirmou que sua história "não é compatível com qualquer conduta que não seja a de todos uma vida dedicar-se ao desenvolvimento da ginástica, não podendo jamais esse legado sequer ser questionado por mera boataria".

Também na sexta-feira, o Olhar Olímpico noticiou que o COB havia chamado Goto para conversar no próximo dia 14, segunda-feira da semana que vem. Presidente do Conselho de Ética, o advogado Alberto Murray negou a informação. "A ida de Goto dia 14 é para tratar de questões técnicos da modalidade. A competência estatutária para apurar o caso é exclusiva do Conselho de Ética. A atuação do Conselho de Ética do COB é independente e não tem qualquer ingerência dos demais poderes da entidade que, aliás, estão respeitando o estatuto de forma absoluta, com todo respeito ao nosso trabalho da Comissão de Ética independente", disse, pelo Twitter.

Para Hypólito, denunciar é importante

Um dos principais nomes da história da ginástica brasileira, Diego Hypólito relatou, na semana passada, constrangimentos sofridos por ele e outros atletas ainda nas categorias de base da modalidade. Nesta segunda-feira (7), o atleta disse à Globo que as denúncias são importantes para evitar que casos do tipo se repitam no esporte brasileiro.

"Acho que o principal é que nós, na realidade, somos vítimas. Acho que a gente tem que pegar agora e enxergar que isso é real. A primeira vez que vi o que falei foi no Jornal Nacional, porque o Fantástico eu não quis ver porque é muito pesado para mim. Quando eu vi a matéria, fiquei revoltado. Minha mãe falou 'coitado, uma pessoa tão boa', e eu fiquei revoltado. Falei 'sabia que passei por isso na minha infância?' A gente tem o dever de expor essas situações", disse Diego, referindo-se às denúncias de abuso sexual.

O ginasta ainda conta que precisou de tratamento psiquiátrico para se livrar dos reflexos causados pelos constrangimentos.

"Meus pais saíram de cada cedo para mudar no Rio de Janeiro. Se soubessem, seria difícil. Demorou para ser colocado na minha cabeça. Quando tive coragem de contar, foi muito difícil. Passei multo mal. Hoje, tenho 31 anos de idade e ainda mexe comigo. Nós éramos uma família muito humilde. Como eu teria coragem de contar, expor isso para meus pais? Era um bullying que acontecia geralmente em competições. Algumas vezes nos treinamentos. Alguns atletas jamais ligaram para isso. Mas para mim, isso foi algo que levei por muitos anos. Medo de elevador, avião por ser chamado. Comecei a fazer meu tratamento com psiquiatra porque não conseguia nem entrar em shopping. Agora, depois de muito tempo, consegui voltar a dar entrevista. Por isso que eu acho que a gente cada vez mais faz a diferença. Mas a questão de ter esses bloqueios, tenho total consciência de que é por causa do meu passado", relatou.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.