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Clube sabia de acusações contra Fernando há 15 anos, diz ex-auxiliar

Demétrio Vecchioli

03/05/2018 04h02

Não é de hoje que o clube Mesc tem conhecimento das acusações de que Fernando de Carvalho Lopes cometia abuso sexual contra seus alunos menores de idade. Também não é desde 2016. Um antigo auxiliar revelou ao Olhar Olímpico que, no começo do século, o treinador foi chamado para uma reunião com uma coordenadora do clube e com alunos que reclamavam de atitudes impróprias. Um dos líderes dessa reclamação era Lucas Altemeyer, que na quarta-feira foi até a Delegacia da Defesa da Mulher (DDM) de São Bernardo para, voluntariamente, prestar depoimento e relatar ter sido vítima de abuso.

"Eu me recordo de um episódio que aconteceu quando eu era atleta do Mesc. Teve uma reclamação da forma com que o Fernando ajudava os alunos. Aconteceu uma reunião com os alunos, o Fernando e uma coordenadora, sobre isso. Eu não participei da reunião, mas fiquei sabendo que teve. Aconteceu uma discussão", contou ao blog Luis Carlos Mitio Okuda, que trabalhou como árbitro de solo na Olimpíada do Rio e atualmente mora nos Estados Unidos.

De acordo com ele, as reclamações de uma década e meia atrás tinham o mesmo teor das atuais, ou seja, que Fernando era acusado de tocar as partes íntimas dos atletas sob o argumento de aprimorar o movimento. "Na época, ficou a impressão de que aquilo acontecia por inexperiência e pela falta de um material adequado. Depois disso, quando eu ouvia alguma brincadeira ou referência a esse tipo de coisa, eu relacionava sempre com esse episódio. Para mim, era o único", relatou. Ele não se lembra com certeza a data da reunião, mas acredita ter sido em torno de 2002. Também disse não se recordar do nome da coordenadora do Mesc.

Naquele momento, Mitio encerrava sua trajetória de atleta do clube de São Bernardo do Campo para, depois de pouco tempo, começar a trabalhar como auxiliar de Fernando na equipe competitiva e de técnico das escolinhas do Mesc. Foram nove anos ao lado de Fernando e, neste período, Mitio diz nunca ter visto qualquer atitude suspeita do colega. Ele admite ter ouvido as "brincadeiras" sobre a postura de Fernando, mas apenas fora do ginásio. Acreditava serem referentes ao episódio que causou reunião no clube.

"Eu fiquei bem impressionado com as colocações que foram feitas (na matéria do Fantástico) porque falar que ele era duro, brigava, era bem rigoroso, isso era normal. Às vezes a cobrança dele ia até além do ponto normal de exigência, mas no ginásio falar que eu via ele falando ou fazendo algo do tipo, isso eu não vi", assegura Mitio. "Pedir pros atletas ficarem nus, nunca ouvi falar disso no ginásio. Nenhum atleta nunca veio reclamar comigo que ele estava pedindo isso."

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Em conversa por telefone com o Olhar Olímpico, o ex-auxiliar fez ponderações quanto às alegações dos atletas que acusam Fernando. Sobre o relato reproduzido no Fantástico, da Rede Globo, de que os atletas colocavam cortinas para se resguardarem durante os banhos no ginásio de ginástica do Mesc e que as mesmas "sumiam" no dia seguinte, Mitio contou a seguinte versão.

"O clube Mesc não era seguro para deixar essas coisas, tudo que era fácil de remover. A gente tinha borrachas de fortalecimento que, se não trancasse no armário, tinha quem pegava e jogava nos quiosques. O clube é grande, tem bastante área verde. Não sei quantas vezes foi comprada a cortina, mas lembro que pelo menos uma vez encontraram essa cortina rasgada nos quiosques, o varão também. Na época, ouvi dizerem que foi o Fernando, mas não sei como comprovar que foi ele ou não."

Mitio argumenta que a rigidez de Fernando com os atletas fazia com que o técnico sempre fosse apontado como culpado por tudo que acontecia e os atletas não gostavam. "O som parou de funcionar é porque o Fernando não gosta da música que a gente ouve. Colchão não está no lugar certo, esconderam o que eles gostam, a culpa é do Fernando. Por ele ser mais duro eles colocavam tudo na conta do Fernando."

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Mitio deixou o Mesc depois de passar em um concurso público para ser treinador da equipe da prefeitura de Praia Grande. Hoje morando com a esposa nos Estados Unidos, acompanha toda a repercussão do caso de longe. Ao mesmo tempo que argumenta a favor de Fernando, não coloca a mão no fogo. "Pelo contato que eu tive com o treinador, pela história que eu vi, eu não sei o que pensar. Se tivesse uma pessoa falando… mas com esse número de pessoas fica complicado falar que não aconteceu. Mas eu prefiro não julgar. Enquanto for segredo de Justiça o que foi falado, como foi falado, prefiro não opinar se é verdade ou não."

A reportagem procurou o Mesc na tarde de quarta-feira para comentar a declarações de Mitio, mas a assessoria de imprensa disse que não conseguiria levantar as informações a tempo da publicação da reportagem. O clube só se pronunciou uma vez até agora, por meio de nota. O advogado de Fernando não atendeu as ligações. A reportagem também tentou contato com Petrix, pelas redes sociais, mas ele não respondeu.

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.