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Olhar Olímpico

Sócios acusam clube de não investigar técnico após 1ª denúncia de abuso

Demétrio Vecchioli

01/05/2018 04h00

No meio dos 19 dias de treino da seleção brasileira masculina de ginástica artística, os atletas convocados para a Rio-2016 chegaram para treinar na Arena Caixa, em São Bernardo do Campo (SP), e deram pela falta de Fernando de Carvalho Lopes. A comissão técnica reuniu o grupo e explicou: ele havia sido afastado pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) depois de uma denúncia de abuso sexual. Enquanto tudo não fosse esclarecido, ele não trabalharia mais na seleção. Nunca mais voltou.

A cerca de 5 quilômetros dali, o clube Mesc (Movimento de Expansão Social Católica), também foi informado que o treinador que há quase duas décadas treinava as equipes masculina e feminina do clube havia sido acusado de molestar um jovem menor de idade, um de seus alunos. Inicialmente, tomou a providência de afastá-lo. Mas não demorou para que Fernando retornasse ao convívio diário do clube, um dos mais movimentados do ABC Paulista, e também dos atletas, ainda que trabalhando em função administrativa.

A reportagem do Olhar Olímpico esteve no Mesc durante a tarde de segunda-feira, mas foi impedida de entrar. Ninguém do clube quis falar e um segurança foi destacado para impedir que o UOL sequer utilizasse a tomada da recepção. Uma funcionária garantiu que não havia ninguém da diretoria por lá e que a única pessoa que poderia dar entrevista era um advogado que, contactado, negou que prestasse serviço ao Mesc.

Mas duas associadas relataram ao blog que, dentro do clube, que ocupa um grande quarteirão e tem inclusive campo de futebol, não se falava em outra coisa que não a denúncia apresentada pelo Fantástico, no domingo. E o tom era de descontentamento com a postura da diretoria do Mesc, que manteve Fernando empregado apesar da investigação que corre na Delegacia da Mulher da cidade. A delegacia emendou o feriado e não abriu na segunda.

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Em conversa informal com o Olhar Olímpico, as mães de duas crianças que foram treinadas por Fernando afirmaram que em nenhum momento foram questionadas pelo clube sobre as atitudes do treinador. "Todo mundo achava que era boato", disseram ambas. A reportagem falou com cerca de 10 sócios e nenhum deles informou ter conhecimento de qualquer apuração do clube entre a primeira denúncia, em 2016, e a ampla exposição do problema, agora.

Inicialmente, ainda na noite de domingo, depois da reportagem do Fantástico, o clube se pronunciou pelo Facebook, batendo na tecla que Fernando, "por cautela" foi transferido para fazer serviços administrativos assim que houve a primeira denúncia. A postagem pegou mal, gerou muitas críticas de sócios, e deu origem a um novo comunicado, na manhã desta segunda-feira, informando o afastamento do funcionário.

Durante a tarde, porém, o sentimento na porta do Mesc era de indignação. "Pelo Whatsapp, está todo mundo comentando. A diretoria vai ter que explicar por que manteve trabalhando um cara que era acusado de pedofilia. Já tem muita gente dizendo que vai cancelar o título", disse uma associada, que chegava acompanhada do marido e de dois filhos pequenos.

Uma outra sócia, depois de conversar com a reportagem pessoalmente, fez questão de enviar pelo Whatsapp imagem do banheiro masculino do ginásio de ginástica artística, destacando que ali continua não havendo cortina. Atletas que falaram com o Fantástico contaram que, no passado, chegaram a comprar cortinas para se protegerem dos olhares de Fernando durante o banho, mas as cortinas sempre sumiam no dia seguinte. Até a semana passada o ex-treinador continuava frequentando o clube diariamente.

Pelo que apurou o Olhar Olímpico, Fernando até foi afastado do clube em meados de 2016, mas acabou retornando para fazer funções administrativas, a convite do então presidente João Augusto Minoso Martins, que não foi localizado pela reportagem. Hoje ele é o vice-presidente executivo, enquanto o presidente é Antônio Gomes de Oliveira. Segundo funcionários do Mesc, Antônio está viajando.

Visto como um técnico "linha dura" por quem conhecia seu trabalho, Fernando se destacou como um técnico descobridor de talentos. Foi ele quem lançou Pétrix Barbosa, que agora o acusa, e Sérgio Sasaki, finalista olímpico. Desde que ele se afastou do trabalho no ginásio, em 2016, a equipe do Mesc, que era numerosa, minguou. A reportagem contactou a assessoria de imprensa do clube, que não respondeu quantas crianças treinam na escolinha de ginástica, especificamente, e nas escolhidas do Mesc como um todo. O jurídico do clube, que contactaria o blog para responder sobre a postura do Mesc após a primeira denúncia, não o fez.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.