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Olhar Olímpico

Sem divulgação, audiência do Pacaembu tem 9 perguntas e respostas evasivas

Demétrio Vecchioli

20/04/2018 18h00

(Divulgação)

Sempre que um secretário vai inaugurar uma obra ou benfeitoria, a prefeitura de São Paulo convida a imprensa a acompanhar. Mas, nesta sexta-feira, não houve comunicação de que aconteceria a única e definitiva Audiência Pública para discutir com a municipalidade a privatização do Pacaembu. Esvaziado, o encontro reuniu não mais que 40 pessoas no auditório do Museu do Futebol, também no Pacaembu. A população paulistana teve exatas 1 hora e 42 minutos para tentar tirar suas dúvidas sobre uma concessão que promete impactar os cofres da prefeitura em mais de R$ 400 milhões. Deu tempo de nove perguntas e uma série de respostas evasivas.

Apesar da importância do evento, sobre o qual sequer a associação de moradores Viva Pacaembu foi informada – uma associada ficou sabendo na quarta por intermédio de um funcionário e avisou outros membros -, a prefeitura não mandou nenhuma autoridade de primeiro escalão à audiência.

Fizeram parte da mesa a presidente (Ana Beatriz Monteira) e o diretor (Sérgio Lopes) da SP Parcerias, sociedade de economia mista ligada à Secretaria de Desestatizações, um diretor da secretaria de Urbanismo, Leonardo Amaral, e a secretária-adjunta de Esporte, Ana Lídia Santana, que está no cargo há apenas cinco meses. Não estiveram presentes nem o secretário de Esporte, Jorge Damião, nem o de Desestatizações, Wilson Poit, que são os cabeças do processo. A audiência começou com atraso, pouco depois das 14h, e terminou antes do horário determinado, que era às 16h.

Pela lista de presença, participaram da audiência pública apenas 37 pessoas, sendo que a reportagem só observou a presença de um grupo em tese interessado em se tornar concessionário. Mas os representantes do consórcio só ouviram o debate e não fizeram perguntas.

Veja também: Privatização do Pacaembu perde interessados e pode virar mico

A maior parte do tempo foi tomado por posicionamentos de dois grupos, ambos contrários ao modelo de concessão adotado pela prefeitura. Um deles ligado à Agir (Arquibancada Ampla Geral e Irrestrita), que tem uma plataforma de defesa do futebol como espaço democrático.  Outro, do Viva Pacaembu. Nenhum dos dois, que politicamente atuam em campos opostos, ficou satisfeito com a forma como a prefeitura respondeu aos questionamentos.

"Essa audiência foi uma bravata. Ela se apoia numa balela de pretensa economia para os cofres públicos. Na plenária foi desmascarado isso, eles ficaram sem respostas. A audiência foi positiva no sentido de a gente identificar a fragilidade da proposta de concessão. É importante que o Viva Pacaembu se articule com outros grupos também contrários. O discurso da prefeitura não se sustenta", opina Flávio de Campos, professor do Departamento de História da USP e estudioso do futebol.

Presidente da Viva Pacaembu, Rodrigo Mauro também ficou bastante insatisfeito. "Achei que foi muito mal divulgada. Ninguém sabia dessa audiência, a gente foi avisado por sorte. A audiência foi péssima, só para dizer que ocorreu. Não teve participação populacional nenhuma. não sei por que ela ocorreu. Eles querem aprovar para fazer a concessão o mais rápido possível", comentou.

De fato, a prefeitura deu apenas respostas evasivas aos questionamentos feitos pelos dois grupos, e também pela reportagem do UOL. A representante da SEME, por exemplo, não soube detalhar qual o custo da equipe efetiva que trabalha no Pacaembu e revelou que a secretaria não tem estudo para determinar para onde esses funcionários serão realocados. Também não explicou por que o custo de "manutenção" do estádio engloba salários de sete médicos.

Dois temas nortearam os debates. Um, dos custos do Pacaembu. Representantes da Viva Pacaembu reclamaram que, mesmo questionada por Lei de Acesso à Informação, a prefeitura nunca detalhou a planilha de gastos do estádio. Outro, relativo à inexistência, até agora de PIU (Projeto de Intervenção Urbana) para o Pacaembu. Ou seja: não existem estudos do impacto que o modelo de concessão pode trazer ao entorno, como aumento no fluxo de pessoas e de carros.

"Pelo decreto, a audiência só poderia acontecer depois do projeto ser aprovado. A prefeitura fez mesmo assim, ainda que os projetos não tenham sido aprovados (nos órgãos de preservação do patrimônio público), só foram dadas diretrizes. Eles estão atropelando o processo. Vão colocar o edital em maio, apontar o vencedor em junho e assinar o contrato em julho. Não teremos mais nenhuma participação popular no processo", reclama o presidente da Viva Pacaembu.

O modelo prévio do edital de concessão do Pacaembu não norteia como ficará o estádio. Na primeira fase do processo, conhecido como PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), empresas que pretendem participar da concorrência dão ideias de como elas utilizariam o bem concedido (no caso, o Complexo do Pacaembu) se fossem as concessionárias. O governo escolhe o plano que melhor se adapta aos interesses do município e abre o edital a partir desse modelo. Também discute o PIU com base nesse projeto.

Mas, no caso do Pacaembu, o edital é relativamente genérico – não decreta se o Tobogã deve ou não ser demolido, ou se haverá cobertura do estádio. Assim,caberá unicamente à empresa que ganhar a concessão tomar essas decisões, desde que respeitando as diretrizes dos conselhos de tombamento.

"A audiência pública não satisfez e não respondeu os questionamentos da população, a começar pela razão da qual se justifica conceder esse patrimônio do município a iniciativa privada, embasada em 'falso prejuízo' quando na verdade um equipamento público não foi feito pra gerar receita e sim receber investimentos para servir a população.
E o que me parece mais grave, não se tem nem um projeto definido pra se discutir, sem saber quais usos serão simultâneos, qual a população estimada, qual a área construída, etc. O edital praticamente uma carta branca ao futuro concessionário vencedor e e a sensação é que existe um atropelo no processo licitatório", reclama Fábio Benini, morador do bairro, que também esteve presente à audiência.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.