Entenda por que Justiça afastou presidente da Confederação de Handebol
O handebol brasileiro chegou ao seu ápice em 2013, quando conquistou o título mundial feminino. Mas, para o bem e para o mal, ponto de virada da modalidade no Brasil aconteceu dois anos antes, em 2011, quando o Mundial Feminino aconteceu em São Paulo. Menos porque foi ali que ganhou força a geração que viria a conquistar o mundo em 2013. Mais porque foi a má gestão de recursos destinados àquela competição que enfim encerrou os 28 anos de gestão de Manoel Oliveira frente à Confederação Brasileira de Handebol (CBHb).
Manoel é, como Coaracy Nunes ou o próprio Carlos Arthur Nuzman, um dos dinossauros do esporte brasileiro. Desde que a modalidade se tornou olímpica para o Brasil, em 1992, é o "seu Manoel" que manda no handebol. E continuaria mandando não fosse a decisão da Justiça Federal de Distrito Federal, da última sexta-feira, de afastá-lo do cargo. A CBHb até pode não acatar a decisão – ela tem essa prerrogativa -, mas a entidade ficaria proibida de receber recursos federais. Ou seja: da Lei Agnelo/Piva (via COB), dos Correios e do Banco do Brasil (seus dois patrocinadores). Não sobreviveria.
E foi exatamente essa possibilidade de seu Manoel continuar movimentando recursos públicos que levou o juiz federal Rolando Spanholo a determinar o afastamento do presidente, acatando uma liminar solicitada pelos denunciantes, representantes de cinco federações de oposição: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará, Espírito Santo, Rondônia e Bahia.
No sábado, o Olhar Olímpico explicou a importância dessa decisão ter sido tomada no Distrito Federal e não em Sergipe, onde fica a confederação e onde o Ministério Público Federal (MPF) vinha mantendo as denúncias em banho-maria. Elas eram públicas desde 2016, quando a ESPN Brasil publicou o chamado um "dossiê" sobre a CBHb, especialmente a respeito da forma como foram utilizados os R$ 6 milhões de um convênio com o Ministério do Esporte para a organização do Mundial de 2011. Mas o MPF nunca levou as denúncias adiante.
A Justiça Federal, porém, entendeu que elas eram graves. A começar pelo total de valores movimentados pela CBHb a partir de convênios com o Ministério: R$ 21,3 milhões. Mas foi o mal-planejado Mundial que derrubou Manoel. Aqui, vale uma introdução: a CBHb se comprometeu em fazer a competição em Santa Catarina, que não ajeitou os ginásios e desistiu em cima da hora. Para manter o compromisso, a CBHb moveu o torneio para São Paulo e pediu socorro ao Ministério do Esporte. Além disso, pediu empréstimo à Federação Internacional de Handebol (FIH), ao qual continua pagando.
A análise detalhada da utilização dos R$ 6 milhões do Ministério do Esporte mostraram que a CBHb não estava disposta a poupar. Basta ver que os automóveis e vans contratados para o torneio continuaram à disposição de atletas e dirigentes até três dias depois da final. "Eis que, por óbvio, não há razão fática capaz de justificar a manutenção de toda a estrutura de transporte para um evento que já findou", argumentou Spanholo, apontando que só aí houve um custo extra de R$ 107 mil.
A competição teve sedes no interior na primeira fase e a fase decisiva toda em São Paulo, no Ibirapuera. Foram 10 dias de jogos em Santos, Barueri e São Bernardo, mas 20 dias de vans contratadas. E não eram poucas: 24 no total. A vencedora da licitação foi a Viação Cometa, que terceirizou o serviço, pagando apenas pelos 10 dias de competição. Tudo isso foi apontado pela CGU, que encaminhou o caso ao MPF, onde ficou parado.
O médico
"O médico da seleção brasileira" não tem seu nome divulgado na sentença, mas é citado diversas vezes. Duas empresas dele concorreram para prestar serviços de "realização de Teste Antidoping", pelo valor de R$ 150 mil. Mas nenhuma das duas atua nessa área. Uma fornece ambulâncias com recursos para cirurgias, outra realiza "atividade médica ambulatorial restrita a consultas". A CBHb sequer cotou o serviço no Ladetec, o laboratório antidoping do Rio, que à época ainda não havia sido descredenciado. Tivesse feito isso, teria economizado R$ 55 mil.
O médico saiu vitorioso em outra concorrência, recebendo R$ 300 mil para realizar os serviços de locação de ambulância. A empresa dele, porém, só estava apta a realizar "atividade médica ambulatorial restrita a consultas". Além disso, outra empresa, do mesmo médico, participou da mesma tomada de preços. "Ou seja, é inegável que os diretores da CBHb atuaram, por meio de flagrante simulação de concorrência, para favorecer, indevidamente, o então médico da seleção brasileira de handebol", escreve o juiz.
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Concorrência?
Na modalidade de convênio, o Ministério do Esporte repassa os recursos a uma entidade (no caso, a CBHb), que precisa apresentar três orçamentos para um serviço, para demonstrar que contratou o mais barato. Essa é uma obrigação, que a CBHb cumpriu de forma contestável. Na contratação de serviços de segurança, uma das empresas que teria oferecido orçamento alega que "jamais participou do certame". "Em outras palavras, resta claro que houve o uso da falsificação de documentos para simular a aparente consulta prévia de preços", aponta o juiz. A empresa vencedora dessa "licitação" levou R$ 628 mil.
O mesmo teria acontecido na licitação para fornecimento de comida. Não só a segunda colocada diz que não participou do processo, como os CNPJ's das empresas derrotadas sequer existem. A vencedora faturou R$ 376 mil
Superfaturamento
Uma das subcontratações do convênio foi de R$ 120 mil para a locação de aparelhos de rádio. Em tese, foram contratados 150 rádios, por 20 dias, a um custo unitário de R$ 40 por aparelho. Mas uma pesquisa de mercado descobriu que não era bem assim. Um relatório mostrou que locar um aparelho à época custava R$ 120 por dia, no máximo. O que saiu por R$ 120 mil, na verdade poderia custar R$ 102 mil.
A contratação da Photo&Grafia para prestar assessoria de imprensa do evento também chamou atenção dos auditores de CGU e da Justiça Federal. A empresa presta serviços para a CBHb há anos e ganhou uma concorrência na qual a terceira colocada nega que tenha feito qualquer proposta. A outra empresa concorrente funciona sede da Federação Paulista de Tênis.
Além do Mundial
O convênio para o Mundial consumiu R$ 6 milhões, mas no total são oito convênios investigados, num total de R$ 21 milhões envolvidos. Em um deles, uma empresa foi contratada por R$ 237 mil para realizar serviços de logística e transporte. Mas o relatório da CGU mostrou que as três concorrentes no certame, na verdade, pertenciam ao mesmo grupo familiar.
"Após análise, constatou-se que as empresas que apresentaram propostas para prestação do serviço pertencem a um mesmo grupo familiar, compartilhando o mesmo número telefônico e que os e-mails dos sócios possuem o mesmo domínio. Dessa forma verificou-se que não houve competitividade no certame", apontou a CGU. Além disso, as certidões de regularidade fiscal das três foram emitidas "muito tempo depois" da reunião que julgou as propostas, sempre segundo a CGU.
O mesmo esquema se repetiu em outro convênio, no qual as mesmas empresas do mesmo grupo familiar participaram e a vencedora levou R$ 345 mil.
Mundi Produções
A Mundi Produções é um caso à parte, porque sua contratação é recorrente em convênios firmados a partir de verbas do Ministério do Esporte. Sempre para prestar serviços de "gerenciamento dos projetos", o que, em tese, é feito pelas próprias confederações. No caso da CBHb, a Justiça Federal entendeu que "merece crédito a acusação de que houve pagamento indevido ou sem causa".
É que em todas vezes em que foi contratada, a Mundi concorreu com as mesmas empresas: a ASC7 e a GMX, ambas sediadas no Rio Grande do Sul (a confederação fica em Sergipe), e que têm o mesmo sócio majoritário. Mais: a GMX inclusive foi aberta depois de apresentar orçamentos. Além disso, no entender da Justiça, a CBHb "não consegue comprovar documentalmente que a empresa Mundi, efetivamente, prestou serviços de gerenciamento dos projetos, pelo que recebeu a expressiva quantia de R$ 470 mil"
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