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Olhar Olímpico

Joaquim Cruz e ex-presidente uniram forças e motivaram renúncia na CBAt

Demétrio Vecchioli

27/03/2018 04h00

Joaquim Cruz (Wagner Carmo/CBAt)

Morando em San Diego, nos (EUA), Joaquim Cruz vinha se mantendo distante da comunidade brasileira de atletismo. Até que a denúncia feita pelo Olhar Olímpico respingou no Instituto Joaquim Cruz, que ele mantém em Brasília. Dois atletas da ONG constavam na lista de hospedagem do Troféu Brasil de 2014, supostamente bancada pelo governo do Estado de São Paulo. Mas havia farta documentação comprovando que o serviço foi pago pela ONG. Alguém estava mentindo e não era o Instituto. Três meses depois, Joaquim fez as malas, veio ao Brasil, e foi fundamental na renúncia do presidente Toninho Fernandes.

Não só Joaquim Cruz. Se o campeão olímpico dos 800m em Los Angeles-1984 comandou a organização dos atletas, o 'dinossauro' Roberto Gesta de Melo, 73, presidente da CBAt de 1987 a 2012, mobilizou as federações. Hoje mandatário da Confederação Sul-Americana, ele agiu nos bastidores para encaminhar as demandas das federações. Graças a ele, a assembleia realizada na segunda-feira foi tranquila, quase protocolar. As arestas haviam sido aparadas no sábado e no domingo, quando Toninho renunciou, pressionado por aquele que o ungiu a presidente em 2012.

Leia a denúncia que motivou a queda de Toninho Fernandes

"Em razão das minhas ligações com todas as pessoas do atletismo, eu procurei que se encontrassem uma solução conciliatória. A assembleia transcorreu normalmente, não houve embate, mas para isso se fez necessário que se estabelecesse um consenso. O Toninho mesmo entendeu que era o momento de se afastar para que tudo transcorresse normalmente e o atletismo não sofresse consequências. Eu intermediei para que a solução fosse a menso danosa para o atletismo brasileiro", admite Gesta.

Nas duas assembleias desta segunda-feira, uma ordinária e outra extraordinária, Gesta mais falou do que ouviu. Dava "sugestões", acatadas pelos demais. Agora novo presidente da CBAt, Warlindo Carneiro admite que Gesta teve participação ativa na solução encontrada e que também vai ter espaço na nova gestão. "O Gesta é uma pessoa importantíssima. Além de inteligente e dedicado, é o representante continental da IAAF. Logicamente por todo o carinho que ele tem pelo Brasil, será sempre um ouvinte e um consultor nosso. Tenho a maior honra em consultá-lo para direcionar o desenvolvimento do atletismo, o caminho do atletismo", admite Warlindo.

Mas não são só as federações que apoiam esse retorno de Gesta, um dirigente da mesma geração de Carlos Arthur Nuzman, Ary Graça e Coaracy Nunes. Líder dos atletas, Joaquim Cruz também defende o ex-presidente. "Ele é uma personalidade que tem conhecimento que a gente pode aproveitar", reforça o campeão olímpico, que se agiu bastante nos bastidores, assim como Gesta.

Em fevereiro, os atletas, que têm direito a 15 cadeiras na assembleia, já estavam organizados. O próprio Joaquim, que não tinha WhatsApp, o criou. E passou a se comunicar com regularidade com a ADAB (Associação Desportiva Atletismo Brasil), que montou uma consultoria jurídica e passou a buscar os meios legais para conseguir explicações. Obteve documentos por Lei de Acesso à Informação e organizou as vozes dissidentes. Mobilizou protestos e encontrou mais indícios de fraudes. "Eles procuraram descobrir onde obter as informações corretas. Meu celular tá cheio de informações que eu não sabia. Tenho tudo aqui", mostra Joaquim, segurando o celular de capa colorida.

Enquanto a oposição juntava documentos, Toninho se comprometia a apresentar explicações durante a assembleia, que oficialmente estava marcada para esta segunda-feira, mas, na verdade, começou com reuniões informais no sábado. Sem convencer ninguém, Toninho primeiro tirou férias, na sexta-feira. Ao mesmo tempo, especulava uma licença médica – ele precisa passar por cirurgia no estômago. No domingo, quando chegou em Atibaia (SP), onde os presidentes de federações e os atletas estavam reunidos, seu pescoço já estava na corda.

Toninho tinha duas opções: renunciar ou ser afastado pela assembleia. Aproveitou a brecha de sua condição de saúde para renunciar. "Houve uma infração, que não foi explicada, não foi assumida, e a assembleia pediu uma explicação. Ela continuou não sendo dada e para não afetar a organização, que tem que estar acima de tudo, tomamos uma decisão. Antes de ele se explicar, ele pediu a renúncia", conta Joaquim, comparando a situação com caso de doping: Toninho testou positivo e tinha a possibilidade de pedir pra abrir a amostra B, que também deu positivo. Aí não teve como defendê-lo.

Com hérnia de hiato (uma condição que gera refluxo estomacal), Toninho passou por duas cirurgias nos últimos anos, o que de fato debilitou sua condição de saúde. Mas ele não tinha planos de se afastar do esporte. Tanto que chegou a aceitar assumir a presidência do Comitê Rio-2016 e se candidatou a uma vaga no Conselho de Administração do COB. Fragilizado, foi derrotado nesta segunda. E, ao renunciar à CBAt, ficou sem clima para seguir para o Comitê Rio-2016.

"Houve o agravamento da situação de saúde dele e, logicamente, com toda essa pressão, ele viu que o melhor para o momento era renunciar. Foram fatos que o levaram a tomar essa atitude", comentou Warlindo, admitindo que a renúncia foi uma saída amistosa. A partir da semana que vem, passada a Páscoa, ele promete se debruçar na contratação de uma auditoria para avaliar as denúncias.

Entenda a renúncia

Em dezembro, o Olhar Olímpico mostrou indícios de fraudes em quatro convênios firmados pela CBAt com a SELJ. Nos documentos, acessados graças à Lei de Acesso à Informação, foi possível identificar contratações com indício de superfaturamento e notas frias. A principal delas, a contratação de serviço de hospedagem para 370 atletas, listados nominalmente, que nunca ficaram hospedados. Mas havia outras denúncias, como a compra de troféus para um torneio que não distribuiu troféus.

Antes da publicação da reportagem, a CBAt culpou clubes e treinadores por alterarem a lista de atletas. E isso incomodou ainda mais os esportistas, os técnicos e as federações. Afinal, nunca houve tal lista e todos ali eram vítimas, não partícipes da suposta fraude. Depois, a CBAt passou a se apegar no fato de que as contas dos convênios haviam sido aprovadas.

Toninho chegou a receber um grupo de atletas, representantes dos Heróis Olímpicos (medalhistas que têm cadeira na assembleia da confederação), mas deu explicações vagas. À medida que a pressão crescia, a CBAt foi adiando as respostas, prometendo responder tudo na assembleia que ocorreria no fim de março – a data limite para a assembleia anual é 30 de março.

No fim de semana passada, a CBAt chegou a enviar aos membros da assembleia uma nota oficial, datada desta segunda, na qual Toninho reconheceu que não houve hospedagem, mas afirmando que usou o dinheiro em outros itens do Troféu Brasil. Mas o convênio era de R$ 1,5 milhão para um evento que, este ano, nos mesmos moldes, vai custar R$ 150 mil, apenas.

Ao mesmo tempo, ele argumentava que poderia tirar licença médica. Na sexta, saiu de férias, ainda que em janeiro tenha tido 20 dias de recesso junto com toda a confederação. Federações e atletas notaram que Toninho tentava ganhar tempo e o pressionou no sábado e no domingo. Sem documentos para se defender, o presidente não teve outra saída senão renunciar.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.