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Olhar Olímpico

Presidente da CBAt controla salários de atletas que podem afastá-lo

Demétrio Vecchioli

24/03/2018 04h07

Medalhistas olímpios do atletismo em assembleia (César Catingueira/CBAt)

Antes mesmo de o Comitê Olímpico do Brasil (COB) abrir sua assembleia para a participação de 12 atletas, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) já era tratada como exemplo por dar assento e direito de voto a 16 atletas. A maioria deles, porém, é remunerada pela confederação e o valor a que têm direito por mês é controlado pelo presidente Toninho Fernandes. São esses atletas que podem votar por afastá-lo em assembleia geral marcada para segunda-feira, num resort de luxo no interior de São Paulo. Toninho não estará presente, porque apresentou um pedido de férias na sexta-feira à tarde.

Dos 16 atletas com cadeira na assembleia, 13 são os chamados "Heróis Olímpicos". Atletas remunerados por contratos individuais firmados com a CBAt, a partir de recursos repassados pela Caixa Econômica Federal. São eles: Joaquim Cruz, Lucimar Moura, Thaissa Presti, Maureen Maggi, Robson Caetano, Arnaldo de Oliveira, Claudinei Quirino, André Domingos, Vicente Lenilson, Claudio Roberto, Rosemar Coelho, Edson Luciano e Vanderlei Cordeiro de Lima.

Dois medalhistas olímpicos, só Thiago Braz e Rosângela Santos, que continuam em atividade, não faziam parte do programa no ano passado. De qualquer forma, os dois moram no exterior e não estarão presentes na assembleia. Além deles, também o representante dos atletas, o desconhecido Henrique Camargo Martins, saltador com vara, tem direito a voto.

A Caixa exige que os Heróis participem de ativações, clínicas e palestras, mas deixa na mão da CBAt a escolha dos atletas e os cachês. "A Confederação deve arcar com os repasses aos integrantes do programa. Dessa forma, informações como nomes escolhidos, valores fixados e o repasse de proventos são de responsabilidade da CBAt", explicou a Caixa, ao blog.

A CBAt, porém, não disponibiliza essas informações. O Olhar Olímpico fez diversas tentativas de contato com a confederação, que não respondeu a nenhum dos questionamentos. A confederação não diz quanto paga aos atletas que votarão o futuro do presidente Toninho Fernandes, nem como seleciona os atletas que farão aparições em troca de cachê. Os valores não constam detalhados no balanço financeiro da entidade.

Relembre: CBAt usou nomes de atletas para forjar nota e justificar gasto inexistente

O blog falou com três desses atletas, que admitiram receber recursos provenientes do contrato com a Caixa. Mas nenhum deles quis detalhar como recebe. Os contratos nunca foram tornados públicos pela confederação.

Logo após a publicação de reportagem do Olhar Olímpico que mostrou indícios de fraudes na gestão da CBAt, um grupo de Heróis Olímpicos se reuniu com Toninho em São Paulo. O presidente se comprometeu a explicar as questões levantadas pela reportagem, mas, segundo os atletas, deu respostas evasivas, que não convenceram.

A promessa ficou de uma explicação na assembleia de segunda-feira, na qual Toninho não estará presente. Na sexta, ele primeiro participou de uma eleição no COB, sendo derrotado por uma cadeira no Conselho de Administração, e depois tirou férias.

Mesmo assim, o discurso já está pronto. Em nota oficial assinada por ele e já remetida às federações, a CBAt reconhece que a nota fiscal de R$ 550 mil apresentada à Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (SELJ) não representa um serviço de fato apresentado. Nunca houve hospedagem de atletas no Troféu Brasil de 2014, ainda que na prestação de contas da CBAt tenha juntado uma nota de R$ 555 mil de uma agência de turismo inclusive listando os atletas supostamente hospedados.

Heróis

Os contratos entre a CBAt e os Heróis Olímpicos são exigência do patrocínio da Caixa à CBAt. De acordo com o banco estatal, eles precisam usar camiseta e boné da Caixa em todos os eventos e participações aos quais são convocados, além de estarem presentes em seminários, fóruns, simpósios, cursos, clínicas, campings, seleções brasileiras e ações promocionais. Também devem proferir clínicas e palestras em eventos conforme o calendário apresentado pela Caixa e mencionar e destacar o apoio oferecido pela Caixa em declarações à imprensa.

Não é a Caixa, porém, quem determina qual atleta vai participar de cada evento, recebendo o valor correspondente ao cachê. Quem controla isso, de acordo com o banco estatal, é a confederação. No ano passado, por exemplo, foram realizadas 37 ativações com os heróis olímpicos.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.