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Olhar Olímpico

COB "fomenta" esporte pagando R$ 5,4 mi a 22 presidentes de confederações

Demétrio Vecchioli

19/03/2018 04h00

Nuzman e Paulo Wanderley (Heitor Vilela/COB)

O Comitê Olímpico do Brasil (COB) enfim abriu suas planilhas. E mostrou que boa parte do que é gasto todo ano em "programas e projetos de fomento" vai parar no bolso dos presidentes de confederações. A grande maioria deles recebe R$ 22 mil por mês, ou pouco a menos que isso, provenientes dos recursos da Lei Agnelo/Piva. Só esse ano, em convênios firmados com confederações, o COB tem previsto gastar R$ 5,4 milhões para remunerar os dirigentes que compõem sua assembleia. Em diversas confederações, os valores apresentados no plano de trabalho até o fim de 2018 desrespeitam portaria ministerial do fim do ano passado e que começa a valer em julho.

A remuneração dos dirigentes estatutários (eleitos) é prevista em lei federal e seu teto é regulado pelo COB, mas o volume gasto com os salários era desconhecido até agora. Uma vez que mantinha suas planilhas fechadas, o COB nunca expôs esse pagamento. Isso só mudou depois de o Ministério do Esporte passar a cobrar a divulgação dos gastos detalhados, fazendo o comitê publicar em seu site o plano de trabalho de cada confederação.

A grande maioria das confederações apresentou para 2018 planos de trabalhos solicitando o teto de R$ 22 mil por mês para remunerar seus presidentes. Planilhas de execução referentes a 2016, obtidas pelo Olhar Olímpico, mostram algumas devoluções, nunca em valores expressivos – algumas vezes, centavos. Este ano, algumas poucas confederações, como a de desportos no gelo, já apresentaram no plano de trabalho um pagamento levemente abaixo do teto. No caso da CBDG, o salário do presidente foi de R$ 8,5 mil para R$ 21,6 mil em um ano.

Os dados foram disponibilizados pelo COB, que até 2016 publicava uma tabela simples, separando as despesas de cada confederação em seis áreas: "desenvolvimento", "manutenção", "recursos humanos", "preparação técnica", "manutenção de atletas" e "competições". Até então, porém, nunca havia revelado que uma enorme parte dos gastos com "desenvolvimento" eram relativos aos salários dos dirigentes. Em algumas confederações, trata-se da totalidade.

O problema é que isso, para além de qualquer discussão ética, é irregular. Uma portaria do Ministério do Esporte, do fim do ano passado, determina que as remunerações "daqueles que mantenham vínculo empregatício ou estatutário com a entidade" devam ser consideradas também na área de "manutenção", que não pode ultrapassar 25% do total de despesas. Em diversas confederações, como a de atletismo, com o salário do presidente entrando na parte de "manutenção", ela extrapola esse limite.

O COB alega atualmente que a remuneração é um "fomento ao esporte" porque o presidente de  uma confederação é responsável por sua representação direta e imediata. "Ao representar a entidade, o presidente executa, necessariamente, atividades-fim da associação, contribuindo institucionalmente para a promoção e o desenvolvimento do esporte", argumentou o comitê, em nota, prometendo fazer os ajustes necessários para se adequar à regra que passa a valer em julho.

Quanto ganham?

Em 2018, apenas seis confederações olímpicas, além daquelas cinco que só agora ingressaram no movimento olímpico, não remuneram seus dirigentes. São elas as de basquete (o presidente Guy Peixoto tem agido como mecenas, colocando dinheiro próprio na confederação), de desportos na neve (Stefano Arnhold nunca recebeu e no ano passado isso entrou no estatuto), ginástica (Luciene Resende parou de receber esse ano, ao menos pela Lei Piva), hipismo (Ronaldo Bittencourt, eleito em 2016, nunca recebeu), judô (Sílvio Acácio Borges, eleito ano passado) e rúgbi (o estatuto proíbe remuneração ao presidente).

Além deles, apenas um outro presidente de confederação abriu mão de receber o teto.  O veterano José Luiz Vasconcellos, do ciclismo, este ano teve seu salário cortado pela metade, ganhando por mês cerca de R$ 10 mil. Até o ano passado, ele recebia R$ 22 mil. A entidade gerida por ele perdeu o patrocínio da Caixa e, sem resultados olímpicos expressivos, precisa se virar com apenas R$ 2,3 milhões este ano.

Enquanto isso, três presidentes de confederações que não eram remunerados até 2016, ao menos não pela Lei Agnelo/Piva, passaram a receber salários. São eles Toninho Fernandes, da CBAt (passou a ganhar R$ 22 mil este ano), Marco Aurélio Sá,  da CBVela (entrou na lista em 2017) e Euclides Gusi, da Confederação Brasileira de Golfe (entrou este ano).

Em algumas modalidades, os presidentes de confederações, sozinhos, ficam com mais de 10% da verba destinada à modalidade no ano. É o caso do hóquei sobre a grama, que espera ter R$ 2,1 milhões em 2018, dos quais R$ 264 mil irão para o presidente Bruno Patrício. Ainda que o esporte ainda engatinhe no país, ele ganha apenas R$ 1 mil a menos do que o presidente do COB, Paulo Wanderley, da mesma fonte de recurso.

Como comparativo, a participação da seleção brasileira na Liga Mundial de hóquei vai custar menos do que o salário de Bruno. Todos os campeonatos brasileiros somados, também. Da mesma forma, toda a preparação para os Jogos Sul-Americanos, principal evento da temporada, também não chegará ao que ganha o presidente.

Outro lado

A reportagem procurou as confederações que mudaram a política de remuneração recentemente. Toninho Fernandes, do atletismo, não explicou por que começou a receber salários. Da mesma forma, Luciene Resende, da ginástica, não informou se é remunerada pela CBG por outra fonte – a confederação é patrocinada pela Caixa.

A CBDG (gelo) explicou que o salário do presidente foi aumentado porque, de 2017 para 2018, o trabalho mudou. O novo presidente da entidade, Matheus Figueiredo, diferentemente de seu antecessor, trabalha em regime de dedicação exclusiva e acumula a função de diretor-executivo para "dar sequência ao processo de profissionalização da entidade". O próprio presidente, diz a CBDG, propôs uma redução de 10% no salário, a partir de abril.

A CBVela, por sua vez, alegou que optou por passar a receber a verba para desonerar a confederação de ter que arcar com despesas institucionais dele. De acordo com a CBVela, o dinheiro é depositado numa conta bancária específica e usado "exclusivamente para custear a participação do presidente em assembleias, reuniões, viagens nacionais e internacionais, transporte e demais despesas institucionais".

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.