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Olhar Olímpico

Marcelinho quer ser lembrado como líder e minimiza frustração por NBA

Demétrio Vecchioli

17/03/2018 04h00

(Divulgação/NBB)

Como todo grande jogador de basquete, Marcelinho Machado sonhava, é claro, em ter jogado na NBA. Não jogou e isso faz muito pouca diferença na carreira do ala-armador de 42 anos que está em vias de se despedir da profissão. Neste domingo, deverá ser homenageado num dos grandes templos do basquete brasileiro, o ginásio do Ibirapuera, durante o Jogo da Estrelas do NBB. Mais uma entre as tantas que o craque do Flamengo está recebendo nesta sua última temporada, em um reconhecimento da comunidade do basquete àquele que foi uma referência nas últimas duas décadas.

Marcelinho nunca teve uma chance na NBA, apesar de ter feito testes por lá, não teve continuidade na Europa e passou longe de ganhar medalhas em Mundiais ou Olimpíadas. Nada que diminua a importância de sua carreira de 23 anos como profissional, dos quais 11 no Flamengo. Nenhum brasileiro tem mais títulos nacionais que ele (sete). Nem de Jogos Pan-Americanos (três) ou Copas Américas (dois).

Títulos dos quais Marcelinho se orgulha, mas que não estão na primeira linha do seu currículo. Em uma conversa franca com o Olhar Olímpico no hall de um hotel de São Paulo, Marcelinho Machado revelou que quer ser lembrado prioritariamente como um líder dentro de quadra, não pelas tantas bolas de três que meteu, as mais importantes delas no Pré-Olímpico de 2011, que devolveu o basquete brasileiro aos Jogos Olímpicos. Falou também dos projetos para o pós-carreira, a modernização do esporte e a paixão pelo Flamengo.

Confira a entrevista abaixo:

Para a história

"Quero ser lembrado como um cara determinado, um líder. Acho que muito mais do que simplificar para um arremessador, um cestinha, quero ser lembrado pelo que faço como líder. Mais pelo aspecto comportamental do que a parte técnica de dentro da quadra".

Sem ressentimentos

"Eu tenho muito orgulho de tudo que eu vivi na minha carreira. Eu comparo ela a um campeonato que tem vitórias e derrotas, objetivos que você alcança e os que não. Eu tinha vontade de ter jogado na NBA, ainda que fosse uma coisa ainda muito longe na minha época. Mas seria injusto comigo mesmo, com minha carreira, se achasse que ela não foi suficiente para mim".

Chance na NBA

"Quando tive a vontade de jogar na NBA, procurei nutricionista, fiz um trabalho de força à parte. Os clubes não tinham a estrutura que têm hoje, então tive que buscar por fora. Joguei uma Summer League pelo Portland e fiz um teste no Cleveland depois que fui MVP da Copa América (de 2005). Todas chances que tive que me dar na carreira eu me dei. Gostaria de ter vivido a NBA por uma temporada ou duas, mas se não enxergaram assim, eu não vou ficar me lamentando pela derrota, vou buscar a próxima vitória e tive muitas".

Antes do Flamengo

"Em todos os lugares pelos quais passei, procurei ser o mesmo jogador que sou hoje. Buscando sempre vencer, buscando sempre evoluir. Tem muito botafoguense que até hoje me para na rua e diz que gostava de mim quando eu jogava lá. Tenho muito carinho por tudo que vivi antes. Talvez essa recordação sobre o passado não exista porque o Flamengo é muito marcante. É muito notório meu vínculo com o clube, a história se mistura. Você acaba achando difícil me ver com a camisa do Botafogo (1998-2001) ou com a camisa do Fluminense (1989-1995)".

Rubro-negro no rival

"Sou flamenguista por influência do meu pai, que me levava ao Maracanã. Mesmo vivendo outras situações, cinco seis anos no Flu, mais três no Botafogo, nunca deixei de ser Flamengo. Não deixei de ser Flamengo, mas não conseguia torcer contra o clube que eu trabalhava. Teve uma situação, um Flamengo x Botafogo, eu no Botafogo, que teve uma confusão em quadra e eu separei. Passou uns dias, teve um jogo no Maracanã, eu estava na arquibancada um dos caras com a bandeira me reconheceu. 'Olha lá aquele Marcelinho do Botafogo'. O outro falou: 'Deixa o cara, o cara é Flamengo'. Foi aí que pensei: 'De repente, é hora de segurar a ida ao Maracanã"'.

Maior da história do Flamengo?

"Eu sei que fui um cara importante para a história do basquete do Flamengo, inclusive pelas declarações dos meus ídolos. Mas o Flamengo é um clube de muita história, teve muita gente muito boa que passou por aqui: Marquinhos, Olivinha, Algodão, Pipoka, Oscar. Estou entre eles".

Grande momento

"Aquele jogo com a República Dominicana (no Pré-Olímpico de 2011) é meu grande momento. A gente foi buscar um objetivo, sabe? Eu fui no meu primeiro Pré-Olímpico em 1999, isso foi em 2011. Estava há 12 anos tentando. Quando a gente se preparou, a gente sabia que era um jogo. No restante da competição (em Mar del Plata), até acho que não fiz uma competição tão boa. Mas aquele era o dia para realizar esse sonho de classificar o Brasil para ir para a Olimpíada".

Mudanças vividas

"A gente não pode viver uma ilusão. O NBB melhorou muito o basquete nacional, mas a gente ainda não é a liga que a gente pode ser. A gente tem muita coisa a evoluir, mas está no caminho certo. Eu que vivi outras épocas fico feliz. Tudo que a gente passou talvez tenha servido para os clubes saibam o que não devem fazer. Teve campeonato que não acabou (2006), por briga de ego. Hoje a gente sabe que o campeonato não só vai acabar como vai ter visibilidade enorme".

Participação nisso

"Minha geração contribui por tudo que a gente sempre brigou nos nossos clubes, mas principalmente porque os dirigentes abriram mais a cabeça para ouvir essas críticas e saberem que está todo mundo no mesmo barco".

Gestão do esporte

"Na parte de administração a gente tem um sistema ainda muito antigo. E isso faz com que dirigentes tenham uma cabeça retrógrada, para o que se faz há muito tempo. A liga, por ser independente, tem a cabeça mais aberta, é mais dinâmica. As confederações deveriam caminhar mais para esse lado. É difícil mudar o sistema, mas só assim a gente vai caminhar da maneria como tem que caminhar".

Pós-carreira

"Quero continuar ajudando, contribuindo. Pela experiência que tenho de ver a evolução da modalidade, minha opinião talvez tenha um embasamento maior com relação ao espaço que a modalidade vai tomar. Tem que ver as situações que vão se apresentar para mim. Mas a alta performance é 1% do que é nosso país, tenho uma visão um pouco maior. O nome que eu consegui construir quero usar para contribuir mais na base social do que na alta performance. Ela é mais importante pela realidade que a gente vive, sinto mais urgência para ir nesse lado. Se a Liga não quiser minha expertise, ela vai caminhar. Se eu não usar meu nome para replicar os valores que o basquete me deu, não sei se outro vai fazer".

Projeto

"Tenho um projeto que é em cima de escolas municipais do Rio de Janeiro. Vou levar basquete para crianças que não têm oportunidades em clubes para que conheçam os valores do projeto. Mas é aquilo, vou atender duas escolas. São São 1.532 escolas municipais só no Rio. Mas não quero só dar meu nome, usar para ter patrocínio. Quero chegar na escola, vou querer levar outros jogadores. Quero passar o que é ser atleta. Isso pode causar uma transformação e é o que eu quero fazer. Minha preocupação é com essa molecada sem oportunidade. Vejo o esporte como oportunidade do moleque ter acesso a valores que ele só tem através do esporte".

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.