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Olhar Olímpico

Ex-homem forte do Esporte de Alckmin é acusado por enriquecimento ilícito

Demétrio Vecchioli

14/03/2018 04h00

Eduardo Anastasi (à direita, de terno claro) ao lado do presidente do PTB de São Paulo, Campos Machado (ao centro), e do ex-ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira

Ex-chefe de gabinete do então deputado estadual Coronel Ubiratan (PTB), Eduardo Anastasi foi, durante quatro anos, o dono da caneta na Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (SELJ). No terceiro mandato de Geraldo Alckmin (PSDB) no governo paulista (2011-2014) viu outros correligionários sentarem na cadeira de secretário, sem perder o poder sobre a gestão do dinheiro. No próximo dia 22, será ouvido em procedimento disciplinar por "evolução patrimonial incompatível com os vencimentos".

Junto com ele, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) também acusa Mauro Chekin, presidente da Federação Paulista de Atletismo (FPA) e um dos maiores beneficiados pela máquina comandada por Anastasi. Os supostos crimes de improbidade administrativa, porém, teriam sido cometidos até 2013 e a punição máxima dos dois – demissão dos seus cargos – não tem valor prático porque ambos já deixaram o governo há anos.

No caso de Anastasi, isso significa que, mesmo se vier a ser punido, ele poderá manter seus vencimentos como superintendente regional de trabalho e emprego em São Paulo, cargo no Ministério do Trabalho, comandado pelo PTB. Ganha quase R$ 10 mil ao mês. Antes, ele havia ficado dez dias na gestão de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo, indicado pelo PMDB. Deixou o cargo, segundo o Estadão, porque sua nomeação fora considerada "inadequada" e "incompatível" com o perfil do governo.

Na gestão tucana no Estado, Anastasi passou por diversos cargos. Com José Serra e Alberto Goldman (2007-2010), foi durante quatro anos o diretor do Complexo Esportivo do Ibirapuera. No começo de 2011, ganhou cargo em comissão na SELJ, evoluindo para secretário-adjunto em julho de 2012 e para chefe de gabinete em abril de 2013. Ficou no cargo até o início de 2015, quando Alckmin tirou o Esporte das mãos do PTB e o entregou ao PRB, nomeando como secretário o então vereador Jean Madeira.

Nos quatro primeiros anos, enriqueceu. "Evidenciou-se uma evolução patrimonial bem superior aos vencimentos por obtidos pelo indiciado", escreveu a PGE na denúncia. Os números falam por si. Em 2006, seu patrimônio era de R$ 46 mil, pelo que consta na sua declaração de Imposto de Renda. Em 2011, de R$ 683 mil. O aumento "mais significativo" foi entre 2010 e 2011.

Anastasi foi acumulando renda. Em 2006, ganhava R$ 73 mil por ano. Em 2011, seus rendimentos já chegavam perto de R$ 1 milhão por ano (R$ 937 mil). Ao mesmo tempo, foi ampliando seu patrimônio. O levantamento da procuradoria encontrou 13 imóveis, dentre os quais uma fazenda no Rio Grande do Sul, comprada em 2012, um duplex em São Paulo e um apartamento na praia. Em fevereiro de 2012, seus bens já eram tantos que Anastasi abriu uma empresa só para administrá-los, a Anastasi Administração e Negócios Imobiliários. Todos os imóveis passaram para o nome desta, uma das quatro empresas que estavam no nome dele em 2012.

A investigação da procuradoria, porém, prosseguiu apenas até a data da denúncia – ou seja, 2012 -, não apresentando a evolução patrimonial de Anastasi depois disso. Foi a partir de 2012, principalmente, que ele comandou a liberação de verbas na SELJ. Só em convênios com entidades, enquanto Anastasi era secretário-adjunto ou chefe de gabinete (ou seja, dois anos e meio), a SELJ forneceu R$ 165 milhões. Como comparativo, na soma dos últimos dois anos, esse valor caiu para menos de R$ 4 milhões.

Mauro Chekin

Durante os quatro anos em que Anatasi esteve na cúpula da SELJ, nenhuma outra entidade foi tão beneficiada quanto a Federação Paulista de Atletismo (FPA). Durante o período, foram firmados 39 convênios e liberados quase R$ 50 milhões. Nesse meio tempo, a entidade trocou seu comando. Saiu Toninho Fernandes, para assumir a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e chegou Mauro Chekin, que até hoje é o presidente. Os dois correm sérios riscos de serem afastados das entidades ainda neste mês, após denúncias feitas pelo Olhar Olímpico em dezembro.

Entre 2012 e 2013, porém, Chekin não era só presidente da federação. Ele também era analista sócio cultural da SELJ, em cargo efetivo (concursado). De 2007 a 2013, quando foi exonerado, também apresentou uma "evolução patrimonial incompatível com seus rendimentos enquanto servidor púbico", segundo a denúncia da promotoria. Os dados sobre seu patrimônio, juntados ao processo disciplinar, porém, não constam no documento disponível ao público geral.

A denúncia lembra que Chekin fez parte da Comissão de Análise e Aprovação de Projetos (da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte) como representante da Federação Paulista de Voleibol, onde teve origem sua carreira como dirigente esportivo e, à época, era diretor. Depois, em 2012, ainda fazendo parte da comissão, assumiu a federação de atletismo. "Mauro manteve absolutamente intocado seu vínculo público, e apenas cuidou de solicitar gozo de licença-prêmio", critica a PGE, que acusa Chekin de crime improbidade administrativa.

Chekin se defende lembrando que ficou apenas cerca de um ano trabalhando de fato na SELJ. Em 2005, ele, que também é funcionário concursado da prefeitura de São Caetano do Sul (SP), assumiu como secretário de esportes. Trabalho na pasta, no governo de José Aurichio (depois, secretário da SELJ e chefe direto de Anastasi) até 2011. Mal retornou e se afastou para assumir a FPA.

A mesma acusação que pesa contra Chekin também atinge seu antigo vice na FPA, Nelson Gil, que assumiu o cargo apesar de também ser ele funcionário da SELJ. Para a PGE, o fato de ele ter pedido "afastamento por tempo indeterminado" não minimiza seu crime de improbidade administrativa, uma vez que seu real afastamento aconteceu em setembro de 2013, apenas.

E a punição?

Por enquanto, porém, toda essa investigação passa longe da Justiça. A PGE argumenta que, para não correr o risco de lesar o estado duas vezes, ela primeiro avalia com cuidado os processos disciplinares, pune quando tem a certeza dos crimes, e só depois disso leva o caso ao Poder Judiciário. Teme punir sem embasamento e, na Justiça, ser condenada por danos morais.

"A pena máxima que pode ser aplicada em processo administrativo disciplinar é a demissão a bem do serviço público que, além de expulsar o infrator do serviço público, inabilita-o para nova investidura em cargo, emprego ou função pública por 10 anos", explicou, em nota, a PGE, que lembrou que, caso os acusados percam seus cargos, a PGE ainda pode propor uma Ação de Improbidade.

"A orientação é no sentido de que a ação seja proposta após o término do processo disciplinar. No âmbito judicial a responsabilidade civil é cobrada pelo Estado, também através da PGE. O ressarcimento civil é exigido através de uma ação, a ser ajuizada perante o Poder Judiciário. As medidas de natureza penal incumbem exclusivamente ao Ministério Público", detalhou a PGE.

Outro lado

A reportagem tentou contato com Anastasi por intermédio de duas pessoas próximas a ele, mas não recebeu retorno. O UOL Esporte também solicitou ao Ministério do Trabalho um contato direto de Anastasi, explicando a acusação da PGE, mas a pasta não respondeu aos e-mails.

Mauro Chekin negou a acusação da PGE e citou o fato de que, como secretário de Esporte de São Caetano, tinha um salário maior do que o que deixou de receber na SELJ durante o período em que é acusado de evolução patrimonial incompatível com os vencimentos. Segundo ele, a PGE se apegou a um erro em sua declaração de Imposto de Renda de 2011, que precisou ser retificada para acrescentar a inclusão do seu FGTS, uma vez que ele se aposentou naquele ano. "Juntaram duas situações completamente diferentes no mesmo processo", argumentou.

A reportagem não conseguiu contato com Nelson Gil.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.