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Olhar Olímpico

Novo cargo põe filho de presidente do COB no controle de doping no país

Demétrio Vecchioli

13/03/2018 04h00

(reprodução/Facebook)

A nomeação ainda não saiu, mas Sandro Teixeira, filho de Paulo Wanderley Teixeira, é o novo manda-chuva do controle de doping no país. Sandro já inclusive mudou a assinatura de seu e-mail corporativo. Agora ele é o diretor-executivo/CEO da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD). O cargo foi criado na semana passada por um decreto do presidente Michel Temer (MDB), após articulação do ministro Leonardo Picciani (MDB-RJ), que deverá entregar o Ministério do Esporte no até 7 de abril para se candidatar nas eleições de outubro. Vai deixar como uma de suas heranças uma reformulação na ABCD, que começará a valer no dia 4, dando amplos poderes para o filho do presidente do COB.

Isso apesar de o princípio número 1 da Agência Mundial Antidoping (Wada), à qual a ABCD é vinculada, seja: "atuar com isenção e total independência em relação às organizações desportivas". Não será surpresa se a efetiva nomeação de Sandro voltar a causar a suspensão da ABCD. Por enquanto, o Ministério do Esporte não confirma a escolha e Paulo Wanderley diz desconhecê-la, ainda que o presidente do COB tenha participado de um seminário na semana passada, no Rio, no qual o filho foi apresentado como CEO da ABCD.

O cargo de diretor-executivo é novo dentro da hierarquia da ABCD. Ele não se sobrepõe à do secretário nacional, atualmente o acadêmico Luiz Celso Giacomini, mas tem poderes mais amplos. Caberá a Sandro Teixeira, por exemplo "estabelecer relações institucionais com as entidades esportivas olímpicas e paraolímpicas" e "receber, avaliar e dar encaminhamento às demandas dos comitês e das entidades esportivas nacionais e internacionais". Ou seja: caberá a ele encaminhar qualquer demanda do COB, presidido por Paulo Wanderley, seu pai.

Antes da Rio-2016, vale lembrar, causou polêmica e tornaram-se públicas as cobranças de Marcus Vinicius Freire (então diretor-executivo de esporte do COB) sobre a ABCD para que agência maneirasse nos exames surpresa em atletas que estavam ameaçados de suspensão por não serem encontrados em mais de uma oportunidade. Caso uma situação como essa volte a ocorrer, caberia a Paulo Wanderley (ou um subordinado seu) procurar seu filho.

Sandro assina como diretor-executivo ao tratar de seminário sul-americano de doping, realizado na semana passada no Rio

A nova função

O "CEO", como Sandro tem se apresentado em conversas formais e informais, também fará a interlocução com a Wada, acompanhará o desenvolvimento de projetos de cooperação técnica e científica e fiscalizará os procedimentos de controle de dopagem. Tudo isso consta no decreto de Temer.

Mas o que mais preocupa uma ala contrária à sua nomeação é o poder de "realizar a gestão de resultados das violações às regras de dopagem" e "encaminhar ao Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDA) as conclusões da gestão de resultados das violações às regras de dopagem".

Isso significa que, sempre que houver um resultado analítico adverso, será Sandro Teixeira o responsável por dar encaminhamento a possíveis punições, a partir de um rito que hoje é subjetivo. Atualmente, encontram-se na ABCD, antes de chegar ao tribunal, casos de atletas que testaram positivo em 2016 e que ainda não tiveram o pedido de suspensão provisória avaliado. E também esportivas flagrados em novembro de 2017 e já suspensos provisoriamente. Ou seja: entre os poderes do filho do presidente do COB está acelerar ou frear o andamento de processos, após ele mesmo realizar as "conclusões" sobre as violações.

Foi exatamente para impedir interferências de comitês e confederações em processos assim que a Agência Mundial Antidoping (Wada) descredenciou a ABCD enquanto não fosse instaurado o TJDA. Até 2016, cabia a cada confederação fazer essa gestão de resultados. Graças a ela, Etiene Medeiros foi julgada (e inocentada) pela natação duas semanas depois de ter seu caso revelado. Ana Cláudia Lemos, no atletismo, também foi julgada em tempo recorde e voltou a tempo de ser convocada para a Rio-2016.

Amigos e crescimento profissional

Sandro Teixeira foi nomeado assessor da ABCD em agosto de 2016, ainda durante a Olimpíada do Rio. Entrou com um salário de R$ 8 mil, num momento que o secretário-nacional era outro nome ligado ao judô: Rogério Sampaio. Ele foi promovido a diretor do Departamento de Informação e Educação em outubro, durante os poucos dias em que o pai era presidente interino do COB – Paulo Wanderley virou presidente de fato quando Carlos Arthur Nuzman renunciou. Passou a ganhar R$ 13 mil.

A mudança de cargo veio quando Rogério Sampaio virou secretário de Esporte de Alto Rendimento e Luiz Celso Giacomini, então diretor de educação, tornou-se o secretário da ABCD. Pelo que a reportagem apurou, porém, Giacomini e Sandro Teixeira não têm grande afinidade, o que fez com que Sandro mantivesse a articulação para ampliar seus poderes, recebendo o respaldo do pai.

Levou com ele à ABCD dois amigos pessoais. Christian Trajano, que deverá ser o novo diretor-técnico (cargo também recém-criado), é amigo de infância de Sandro e recebe R$ 13 mil ao mês. Vinicius Loyola, árbitro de judô, ganhou um cargo de assessor, ganhando R$ 5,4 mil e, segundo relatos, trabalha como uma espécie de motorista de Sandro. Para o lugar do especialista português Luis Horta, a UNESCO contratou o estrategista da seleção brasileira de judô Leonardo Mataruna. Em 2017, ele recebeu um total de R$ 187 mil (pagos pela UNESCO) para prestar consultoria em práticas e métodos de educação.

Em fevereiro, Renata Maria Lemos Gomes, então funcionária de uma empresa terceirizada, foi nomeada para a Coordenação-Geral de Desenvolvimento de Ações de Educação, Prevenção e Integração, num cargo subordinado ao então ocupado por Sandro. De acordo com fontes da ABCD, ela é concunhada de Sandro. Trabalha acompanhada do marido, Felipe Fróes Santos, este irmão da esposa de Sandro, que atua na ABCD como terceirizado pela empresa Brasfort, a mesma empresa que contratava a esposa.

O movimento de ocupação da ABCD por nomes ligados ao judô e a Paulo Wanderley, na verdade, havia se iniciado antes disso, com Rogério Sampaio. Na sequência foi contratado Alexandre Velly Nunes para o cargo de diretor de operações da ABCD. Mas ele deixou o cargo ainda no ano passado, depois que a Folha revelou que a Wada estava investigando as relações entre Velly e as empresas de coleta de exames que pertenceram a ele e hoje, formalmente, estão nos nomes dos filhos. Ao Olhar Olímpico, Velly garantiu que pediu demissão por vontade própria, mas na ABCD a sua saída é tratada como uma "queda".

Outro lado

O Ministério do Esporte não respondeu por que Sandro se apresenta como diretor antes mesmo de sua nomeação. Sobre a reestruturação, informou atender uma determinação da Wada para adequar a agência brasileira ao modelo das demais Organizações Nacionais Antidopagem (Nados) do mundo. Segundo o Ministério, o cargo de secretário nacional da ABCD será mantido, acima de todos os demais cargos. As nomeações, sempre de acordo com o ministério, aguardam resposta da Casa Civil.

"Vale destacar que a área de gestão de resultados é independente e todas as decisões de suspensão de atletas e procedimentos legais são disciplinados pelo Código Mundial Antidopagem e pelo Código Brasileiro Antidopagem. Todo esse processo também é acompanhado pela Wada que, quando necessário, realiza auditorias para impedir interferências externas na aplicação das suspensões e penas", ressaltou o ministério, quando questionado se vê riscos ao controle de doping no Brasil.

Sobre Christian Trajano e Vinicius Loyola, a pasta argumentou que eles têm "comprovada experiência de gestão esportiva e na área de combate ao doping", tendo atuado no Comitê Rio-2016. O governo inicialmente informou que Renata, assim como Felipe, é contratada pela Brasfort. E que os dois chegaram à ABCD por processo seletivo feito pela empresa. Depois, se corrigiu, confirmando que ela foi nomeada no mês passado para cargo comissionado.

Já Paulo Wanderley diz não ter conhecimento do novo cargo do seu filho, assim como afirma desconhecer que os citados nessa reportagem trabalhem no Ministério. Sobre as críticas acerca de um conflito de interesses, comentou: "Vale destacar que os atletas estão vinculados às Confederações, e não ao COB. Portanto, todas as questões relativas a doping de atletas são de competência das confederações. O trabalho do COB nessa questão é de caráter informativo e educacional. Lembramos ainda que as decisões punitivas da ABCD são feitas por um tribunal, e não por sua diretoria".

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.