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Olhar Olímpico

Governo tira bolsa de mais de mil atletas e prejudica preparação olímpica

Demétrio Vecchioli

23/02/2018 04h00

Douglas Brose, líder do ranking mundial do karatê, primeiro da lista dos que ficam sem Bolsa

Pelo menos três atletas das seleções brasileiras de beisebol decidiram largar o esporte. E a expectativa é que o mesmo aconteça com outras centenas de esportistas brasileiros, muitos deles de modalidades olímpicas, que estão percebendo, aos poucos, que não terão mais acesso ao Bolsa Atleta. Não que eles tenham deixado de ter resultados. É que o Ministério do Esporte, sem nenhum aviso, cortou a concessão do benefício para mais de mil atletas. Não há nenhuma possibilidade de ele ser retomado.

Por lei, o governo destina "até" 15% do orçamento da Bolsa Atleta a esportistas de "modalidades que não fizerem parte do programa olímpico ou paraolímpico". Todo ano, desde 2011, o Ministério do Esporte primeiro lança um edital para os atletas das modalidades olímpicas/paraolímpicas, divulga a lista de contemplados, e depois abre o edital para as não-olímpicas/paraolímpicas.

Em 2017, porém, não foi assim. Depois de se comprometer no edital a publicar a lista de contemplados até o dia 1º de novembro, o Ministério do Esporte só revelou a relação aos 45 minutos do segundo tempo. Mais exatamente na última edição extra do Diário Oficial de 29 de dezembro, último dia útil do ano. O Olhar Olímpico apurou que a lista estava pronta desde novembro.

Ter publicado a lista no apagar das luzes de 2017 permite ao Ministério do Esporte, informalmente, explicar que não lançou o segundo edital, das modalidades "não-olímpicas", porque não havia tempo hábil. A postura, porém, nem sempre foi essa. Em 2012, por exemplo, o edital só foi publicado no Diário Oficial de 18 de fevereiro de 2013, como pode ser visto aqui.

Dessa vez, o Ministério do Esporte diz, informalmente, que 2017 já passou e terminou sem o edital. Ou seja: os atletas de modalidades "não-olímpicas" que obtiveram em 2016 resultados esportivos merecedores de Bolsa não receberão o benefício. Questionado pelo Olhar Olímpico no dia 6 de fevereiro, o Ministério do Esporte nunca respondeu por que não abriu edital.

Mudanças nesse segundo edital já eram cobradas há tempos, especialmente porque ele beneficiava modalidades de pouco ou nenhum apelo, como luta de braço, pentatlo naval, damas e até "bikini fitness". Mas da forma que fez, o ministério também deixou na mão centenas de atletas de modalidades olímpicas.

Diferente da postura que adotou, por exemplo, em 2013, quando considerou o rúgbi já como olímpico (a modalidade estreou nos Jogos de 2016), no ano passado o Ministério do Esporte não abriu espaço para que os atletas de karatê, beisebol/softbol, surfe, escalada e skate se inscrevessem no edital dos olímpicos. E, como não abriu chamada para os "não olímpicos", deixou todas essas modalidades na mão.

Curiosamente, o número 1 da lista de contemplados de 2016 é um exemplo dos efeitos da medida. Douglas Brose, do karatê, é o líder do ranking mundial na categoria até 60kg, desde já favorito ao ir ao pódio em Tóquio-2020, e não tem mais direito à Bolsa Atleta. Não só ele: todos os demais atletas de karatê – até o ano passado, 122 deles recebiam bolsa. No beisebol, o prejuízo é ainda maior: 295 atletas estavam no Bolsa Atleta e, para a enorme maioria deles, esse era o único apoio para continuar no esporte.

O governo não fala publicamente sobre o edital não publicado, mas diz que, em 2018, publicará edital para as modalidades não-olímpicas "conforme disponibilidade orçamentária". Mas muito dificilmente o Ministério do Esporte terá dinheiro para isso.

Conforme o blog já mostrou, o orçamento do Bolsa Atleta para este ano sofreu um corte radical, passando de R$ 137 milhões (em 2017) para R$ 78 milhões. Só a categoria "Bolsa Pódio" custa R$ 40 milhões ao ano. Assim, sobrariam apenas outros R$ 38 milhões para um edital que custa, sempre mais de R$ 90 milhões, beneficiando cerca de 6 mil atletas. Ao incluir esportistas das cinco novas modalidades olímpicas, a conta passaria R$ 100 milhões.

Os números não fecham e o Ministério do Esporte sabe disso. Mas não precisa tomar uma decisão impopular agora. Como a lista de contemplados de 2017 só saiu no apagar das luzes, as 12 parcelas da bolsa do ano passado serão pagas ao longo de 2018 com o orçamento de 2017. Assim, o problema só vai aparecer no fim do ano, depois das eleições.

Ainda no ano passado, porém, foi criado pelo Ministério um Grupo de Trabalho para "discutir e formular propostas de aperfeiçoamento para o Programa Bolsa Atleta". Participam do grupo cinco representantes do Ministério do Esporte, dois do COB, dois do CPB, dois da Câmara dos Deputados, dois da Comissão Nacional de Atletas e dois da Organização Nacional das Entidades do Desporto.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.