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Olhar Olímpico

Por que Brasil deve vibrar com Isadora, mesmo sem ela ter nascido aqui

Demétrio Vecchioli

22/02/2018 04h00

(Harry How/Getty Images)

O forte teor artístico das apresentações, avaliada por jurados, permite que a patinação artística seja comparada a outras duas modalidades dos Jogos Olímpicos de Verão: o nado artístico (antigo nado sincronizado) e a ginástica rítmica. Nestas duas, apesar de relativamente populares no Brasil, os melhores resultados olímpicos individuais são 17º lugares. Coincidentemente, o mesmo desempenho obtido por Isadora Williams na primeira parte da patinação artística feminina nos Jogos de PyeongChang (Coreia do Sul), o que valeu a ela uma inédita classificação para a fase final, nesta quinta, às 22h pelo horário de Brasília.

A comparação serve para não deixar dúvidas sobre o tamanho do feito de Isadora, que conseguiu a vaga olímpica pelo segunda vez seguida e, competindo contra as 30 melhores do mundo, não só se classificou entre as 24 que se apresentarão no programa livre (mais artístico), como o fez numa inédita 17ª colocação. Como as notas das duas apresentações são somadas, é grande a chance de ela brigar até o 13º lugar – acima disso está a elite da elite.

Ainda assim, não foram poucos os comentários críticos à brasileira nas redes sociais desde sua emocionante apresentação, na terça-feira à noite. Menos pelo resultado, mais pelo apoio estatal a uma atleta de uma modalidade com poucos praticantes no país e, principalmente, pelo fato de Isadora não ter nascido no Brasil.

Jovem de 22 anos, Isadora é filha de uma brasileira, Alexa, que foi para os Estados Unidos para estudar, apaixonou-se por um norte-americano e decidiu ficar por lá mesmo. Isadora nasceu em fevereiro de 1996 no estado da Geórgia e cresceu nos Estados Unidos. Até surgir como uma aposta da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), em 2013, mal falava português.

Há quem insista que Isadora não é brasileira, porque nasceu fora. Afinal, quem mora nos Estados Unidos é norte-americano. É uma visão elitista, que não tem a mesma medida quando se avalia se um imigrante de país ainda mais pobre, radicado no Brasil, pode se definir como "brasileiro". Os mesmos que definem Isadora como americana teimam em aceitar que os imigrantes que aqui chegam tenham os benefícios de um brasileiro.

É meia-verdade que Isadora só compete pelo Brasil porque não teria espaço na equipe norte-americana. De fato, ela dificilmente disputaria os Jogos pelos EUA, potência na patinação e local de treino (junto com o Canadá) da grande maioria dos atletas olímpicos. Mas Isadora escolheu o Brasil muito antes de chegar à vida adulta. Ela nunca foi rejeitada pelos EUA. Afinal, nunca tentou ser uma esportista americana.

Da mesma forma, seus méritos esportivos são fruto de investimento da CBDG e da própria família da atleta, não de apoio norte-americano. Quem minimiza seu resultado pelo fato de ela treinar nos Estados Unidos deve também descartar, assim, as conquistas de Cesar Cielo e Gustavo Borges, entre tantos outros. Ou mesmo da velocista Rosângela Santos, que também nasceu nos Estados Unidos e treina lá – a única diferença é que Rosângela ainda viveu parte da vida no Rio.

Conversei pessoalmente com Isadora uma única vez, no Prêmio Brasil Olímpico de 2013. Ela ainda não havia disputado os Jogos de Sochi (já estava classificada) e lembro que me impressionei não apenas com seu carisma, mas também com o carinho que tratava o Brasil, ainda que, à época, seu vocabulário fosse ainda pequeno em português. Pudera: ela cresceu nos Estados Unidos, numa região onde a comunidade brasileira é minúscula – uma coisa é ser brasileira em Boston; outra, na Geórgia.

O Itamaraty estima que mais de 3 milhões de brasileiros vivam no exterior, o que representa uma população maior do que do Distrito Federal, por exemplo. Perto da metade deles está nos Estados Unidos, como Isadora e Michel Macedo, o representante do Brasil no esqui alpino, filho de dois brasileiros que fizeram carreira acadêmica em terras ianques.

Isadora e Michel são dois brasileiros que praticam modalidades olímpicas e que demonstraram potencial para obterem vaga nos Jogos. Na Lei Piva, o governo brasileiro assumiu a obrigação de fomentar o esporte de alto rendimento olímpico com recursos das Loterias Federais. O papel de garantir que um atleta de nível internacional tenha uma preparação adequada para disputar Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos. Se as atletas do nado artístico ou da ginástica rítmica têm esse direito, não há por que privar os do esqui ou da patinação artística.

A nós, que não estamos entre os melhores do mundo, só nos resta a parte mais fácil: sentar no sofá e ver Isadora fazer de forma tão graciosa e tão apaixonada o que ela sabe fazer tão bem: dançar sobre um par de patins. E é preciso ser muito mal-humorado, ou muito xenófobo, para não o fazer com o coração e o sorriso abertos.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.