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Olhar Olímpico

Húngara que não sabe fazer manobra abre debate sobre 'talento' na Olimpíada

Demétrio Vecchioli

20/02/2018 12h59

(AP Photo/Kin Cheung)

Sabe quando você vê algo que deveria ser extraordinário e pensa: "mas, peraí, até eu sei fazer isso?". Pois Elizabeth Swaney, uma norte-americana que já competiu pela Venezuela e hoje defende as cores da Hungria, deixou essa impressão em muita gente que assistiu a prova dela nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang. E, o pior, não foi atacando uma pedra numa superfície de gelo, mas participando de uma das provas que, em teoria, deveriam ser das mais complexas: o esqui estilo livre halfpipe.

O halfpipe é aquela pista em formato tubular, de meio-cilindro, no qual o atleta vai de um lado para outro, fazendo manobras sempre que chega na extremidade e ganha alguma altura. Isso os atletas talentosos. Em sua apresentação, Swaney foi de um lado para o outro, como quem passeia no parque, tomando todo o cuidado do mundo para não cair do esqui. Não arriscou uma manobra, não fez nada.

 

A apresentação dela não foi surpresa para quem acompanha o circuito mundial de esqui estilo livre. Swaney não é melhor do que uma típica esquiadora amadora e, mesmo assim, conseguiu se classificar para os Jogos Olímpicos de Inverno. E não foi por cota, num daqueles típicos casos de convites que permitem a atletas da natação serem aplaudidos apenas por terminarem suas provas na Olimpíada de Verão. Ela conquistou a vaga por méritos.

O que exatamente é o "mérito"? Este parece ser o debate que Swaney evidenciou depois de sua apresentação, que ganhou repercussão em praticamente toda a mídia internacional que está na Coreia do Sul. Nas redes sociais, como destacou a BBC, ela foi tanto descrita como o "melhor" dos Jogos, como o "pior". Afinal, ao mesmo tempo que mostrou que qualquer um pode disputar uma Olimpíada, acendendo sonhos, também mostrou que a Olimpíada não é, como se propaga, um encontro da nata do esporte.

Para chegar a Pyeongchang, mais do que talento, Swaney mostrou inteligência. Depois de estudar em duas das mais renomadas universidades norte-americanas, Cal-Berkeley e Harvard, ela foi trabalhar no Vale do Silício, onde estão as mais importantes empresas de tecnologia do mundo. Aos 25, esquiou pela primeira vez.

Sonhando em disputar uma Olimpíada, primeiro competiu pela Venezuela, em 2013. Depois, em 2016, já com 31 anos, mudou sua nacionalidade para a Hungria, terra de seus avós maternos. E, aí, começou o planejamento específico para conquistar a vaga em Pyeongchang. Como só há quatro vagas para norte-americanas, ela não teria nenhuma chance. Então o primeiro passo era escolher um país sem tradição.

Depois, Swaney passou a competir com regularidade nas etapas da Copa do Mundo. Sem arriscar nenhuma manobra, garantia sempre o último ou o penúltimo lugar, dependendo sempre de alguém que caísse e desistisse. Ela ia até o fim. Como o número de atletas que participam dessas competições é sempre inferior às 30 vagas disponíveis para as mulheres no halfpipe na Olimpíada, ela não teve problemas em se manter no Top30 do ranking mundial.

Considerando os descartes, especialmente das norte-americanas (há 10 na frente dela no ranking da Copa do Mundo), e participando de alguns eventos esvaziados que lhe garantiram bons pontos, Swaney conseguiu por méritos próprios uma vaga olímpica. E a Hungria, que não tinha nada a perder, franqueou sua ida à Coreia do Sul.

Em Pyeongchang, suas apresentações insossas, para não dizer irritantes, a deixaram na 24ª e última colocação, distante inclusive da 23ª colocada, que sofreu duas quedas. E, mesmo assim, diante da imprensa, ela se disse decepcionada por não ter conseguido vaga na final, entre as 12 primeiras. "Treinei duro por muitos anos para chegar até aqui", disse, gerando comentários irônicos em diversos jornais.

Vale lembrar que esta está longe de ser a primeira vez que um atleta chega aos Jogos de Inverno sem condições técnicas de estar lá. Em 2014, a brasileira Josi Santos competiu no esqui aéreo, também modalidade do estilo livre, e fez a apresentação mais simples possível. Ela só conseguiu a vaga em Sochi pelos pontos somados com últimas colocações no circuito mundial.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.