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Olhar Olímpico

Governo perde paciência com CBAt, corta verba de R$ 20 milhões e fecha CTs

Demétrio Vecchioli

16/02/2018 04h00

(Roberto Castro/ME)

Era falsa a impressão de que o fim da equipe de atletismo da B3, a principal do país, era o maior baque a ser sofrido pela modalidade em 2018. O pior ainda estava por vir. Na véspera do Carnaval, o governo federal comunicou à Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) o encerramento unilateral de um convênio de R$ 26 milhões para a manutenção da chamada Rede Nacional de Atletismo. A razão é alarmante: a CBAt teve R$ 16 milhões à disposição nos últimos anos, mas só gastou 33% disso. O restante ficou guardado num momento de crise no esporte brasileiro. O Ministério do Esporte cansou de esperar e vai usar a verba nunca utilizada, mais de R$ 20 milhões, com quem demonstrar mais interesse.

O convênio de R$ 26,5 milhões (sendo R$ 26 milhões do governo federal e uma contrapartida da R$ 500 mil da CBAt) foi firmado em dezembro de 2015, pelo então ministro George Hilton. A proposta era que este fosse o maior legado dos Jogos Olímpicos para o atletismo. "Serão implantados 20 centros regionais para iniciação e descoberta de talentos e  dois centros nacionais para receber e dar estrutura aos principais atletas do país e servir de intercâmbio de informações e conhecimento com atletas e treinadores internacionais", prometeu a CBAt, ao solicitar a verba. Seriam beneficiados 500 atletas, entre jovens e os do alto rendimento.

Mas muito pouco do prometido saiu do papel. Só foram implantados, e muito longe do potencial deles, os Centros Nacionais de Treinamento de Atletismo do Rio de Janeiro (no Cefan, da Marinha) e de Bragança Paulista (na antiga sede da equipe Rede Atletismo). Na cidade do interior de São Paulo, que deveria se tornar o principal centro de treinamento do país, só estão alguns poucos atletas, especialmente do arremesso de peso.

A distância entre o prometido pela CBAt e o de fato executado já vinha incomodando atletas e treinadores e chegou também ao Ministério do Esporte. Um relatório foi encomendado ao coordenador da Rede Nacional de Treinamento e Cidade Esportiva, no qual foi recomendada a extinção do convênio. O motivo: a CBAt não vinha utilizando a verba disponível.

Somente em 2016, a confederação recebeu dois repasses, num total de de R$ 16,3 milhões. Mas utilizou muito pouco disso. "Foram efetivamente gastos apenas R$ 5,4 milhões de acordo com documentos apresentados pela entidade, o que gera um saldo disponível na conta do convênio de R$ 10,9 milhões. Mesmo contando com a plena disponibilidade do valor de R$ 16,3 milhões, disponível desde dezembro de 2016, a entidade utilizou apenas 33,09% do montante transferido, nos dois anos de execução da parceria", detalha o Ministério do Esporte, em relatório aprovado, em última instância, por Rogério Sampaio, secretário nacional de Alto Rendimento.

No relatório, que ganha o nome de "denúncia", o ministério argumenta que a execução da parceria ainda é "incipiente" e que o cancelamento do convênio, com a devolução dos R$ 10,9 milhões repassados e nunca utilizados, permitirá que "os recursos sejam melhor aproveitados na execução das políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério do Esporte". O documento ainda lembra que, a verba que ainda precisaria ser repassada à CBAt (outros R$ 9,7 milhões) é todo orçamento disponível para execução das ações do Departamento de Esporte de Base e de Alto Rendimento para o ano de 2018.

O relatório ainda explica que, em novembro do ano passado, a CBAt pediu que o convênio, que deveria se encerrar em janeiro de 2018, fosse adiado até agosto de 2019, o que o ministério consentiu. Em seguida, porém, solicitou o relatório que acabou por extinguir o convênio. "Requereu-se o esclarecimento e a complementação de informações apresentadas na proposta de termo aditivo. Entretanto, entende-se, em primeira análise, que as diligências não foram suficientemente respondidas", pontua o relatório.

A CBAt, porém, informou ao seus filiados que "fez vários esforços na tentativa de possibilitar a continuidade do convênio" e que, desde agosto do ano passado, debatia com o ministério a manutenção da Rede Nacional de Treinamento – que, na prática, nunca existiu.

Apesar de o relatório do governo culpar a CBAt pelo fim da parceria, uma vez que a confederação tinha o recurso e não o utilizou, a confederação preferiu reclamar do mau momento do Brasil. "O país vive um momento especialmente difícil, com empresas e instituições, públicas e privadas, enfrentando a escassez de recursos, o que evidentemente dificultará a preparação de nossos atletas para os Jogos de Tóquio", escreveu o presidente Toninho Fernandes em nota enviada às federações.

A debandada no atletismo nacional

Depois de voltar ao alto do pódio de uma Olimpíada com Thiago Braz, no Rio, o atletismo passou a colecionar péssimas notícias. Ainda no ano passado, a Caixa, principal patrocinadora do esporte no país, cortou o patrocínio à CBAt de R$ 90 milhões (pelo ciclo olímpico todo até o Rio) para R$ 60 milhões.

No começo deste ano, a B3 (antiga BM&F), principal equipe do país, anunciou que estava fechando as portas. A bolsa de valores nunca revelou quanto investia no clube, mas estima-se que manter a equipe custava cerca de R$ 10 milhões (Nike, prefeitura de São Caetano do Sul e a própria Caixa também investiam nela).

Quarta equipe no último Troféu Brasil, a ASA São Bernardo também perdeu os recursos que recebia da prefeitura de São Bernardo do Campo e dispensou diversos atletas, alguns deles olímpicos.

Além disso, o corte de recursos da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, a SELJ, minguou os eventos realizados em São Paulo, principal motor do atletismo brasileiro. Nos últimos anos, o país deixou de organizar três meetings internacionais, mantendo apenas o GP Brasil, que perdeu muito em importância.

Para piorar a situação, o principal estádio do país, o Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera, deverá ser privatizado junto com todo o complexo e, muito provavelmente, demolido.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.