Topo

Olhar Olímpico

Estatais deixam de exigir que confederações prestem contas de patrocínios

Demétrio Vecchioli

09/02/2018 04h00

A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) precisa prestar contas aos Correios de cada centavo que recebe em forma de patrocínio. Já a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) só precisa comprovar à Caixa que o banco estatal teve retorno de marca em troca do apoio. No meio do caminho, o Banco do Brasil exige que seus patrocinados sejam transparentes com a comunidade esportiva, mas não fiscaliza nenhuma nota fiscal. As estatais que sustentam o esporte olímpico brasileiro só concordam em um ponto: adotam tais posturas baseadas em uma mesma legislação.

Trata-se da Instrução Normativa nº9, de 2014, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. É essa IN que disciplina o patrocínio dos órgãos e entidades da administração pública federal. E ali aparece escrito: "Para a prestação de contas do patrocínio, o patrocinador exigirá do patrocinado, exclusivamente, a comprovação da realização da iniciativa patrocinada e das contrapartidas previstas no contrato". O mesmo documento cita, como contrapartidas, basicamente a exposição das marcas.

Após a IN no governo petista de Dilma Rousseff (2010-2016), a Caixa Econômica Federal, por exemplo, deixou de exigir qualquer demonstração de para onde vai o dinheiro que ela destina ao esporte de alto rendimento. Até então, era exigida em contrato a apresentação de notas fiscais dos gastos relativos às parcelas do patrocínio, podendo variar o percentual de 50% a 100%, conforme entendimentos mantidos entre as partes.

A postura do governo de cobrar apenas a contrapartida de exibição da marca veio num momento em que a Caixa expandia os patrocínios aos clubes de futebol. Por conta da IN, o banco estatal se viu possibilitado a colocar sua marca na camisa de clubes como Corinthians, Flamengo, Vasco, Botafogo e Santos, entre mais de 20 beneficiados, sem exigir deles qualquer nota fiscal de gastos.

As confederações também saíram ganhando nessa e não precisaram mais prestar contas de como utilizam o que ganham. Com R$ 120 milhões no último ciclo olímpico (iniciado em 2013) e R$ 95 milhões no atual, o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) é o maior beneficiado pelo apoio da Caixa. Desde 2014, a estatal também investiu no atletismo (R$ 90 mi no ciclo passado e R$ 60 mi no atual), na ginástica (R$ 35 mi e R$ 20 mi, respectivamente), wrestling (R$ 11,2 mi até 2016), no ciclismo (R$ 17 milhões até 2016) e no clube de atletismo da BM&F, que levou R$ 4,6 milhões entre 2015 e 2017, em contratos anuais.

Outros bancos – Cada vez mais atuante no patrocínio à canoagem, o BNDES também flexibilizou suas exigências, ainda que continue cobrando da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) e da Academia Brasileira de Canoagem (Abracan, um braço daquela), que apresentem notas fiscais referentes a 90% do que recebem. Além disso, todos os repasses são feitos por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, o que exige que as entidades prestem contas ao Ministério do Esporte.

A postura mudou nos contratos assinados a partir do segundo semestre de 2016. Até então, o banco estatal exigia comprovação de cada centavo recebido pelas entidades. E não foi pouco dinheiro. Desde 2014, a CBC e a Abracan do BNDES mais de R$ 56 milhões apenas em patrocínio direto. Entre 2014 e 2016, a Confederação Brasileira de Hipismo ainda levou outros R$ 14 milhões, prestando contas de 100%.

"Essa mudança de abordagem decorre de um esforço do BNDES no sentido de potencializar o retorno institucional das ações de patrocínio esportivo, ao direcionar mais esforços para fortalecer a associação da modalidade com a marca do BNDES. Como todos os projetos contratados estão inscritos na Lei de Incentivo ao Esporte e, portanto, estão sujeitos a prestação de contas total do Ministério dos Esportes, optou-se por estruturar as operações de modo que elas tenham como foco a realização dos eventos previstos em contrato e a exposição da marca do BNDES", explicou o banco, em nota.

Outro banco estatal, o Banco do Brasil passou a orientar seus contratos a partir da instrução normativa da presidência e, por isso, não exige que as confederações patrocinadas apresentem comprovação de qualquer gasto, ainda que a má-utilização dos recursos do patrocínio tenham causado uma enorme crise na Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em 2013.

Depois daquilo, o BB, que nunca cobrou a apresentação de notas fiscais, exigiu da CBV uma série de medidas de governança, entre elas um regulamento para contratações em geral; a contratação anual de uma auditoria independente; um plano de ação e uma planilha orçamentária com a previsão da destinação dos recursos de patrocínio. O banco, porém, não recebe qualquer nota fiscal que demonstre como a confederação utilizou o que ganhou.

A preocupação do BB é, exclusivamente, com as contrapartidas ligadas às imagens do vôlei e do banco. "O banco acompanha 'in loco' todas as ações patrocinadas, bem como a realização das ações e entrega. O pagamento somente é realizado depois da formalização da documentação comprobatória. Além disso, as confederações patrocinadas apresentam anualmente ao banco planilha contendo a descrição da utilização do recurso do patrocínio no ano anterior e a projeção de gastos para o ano seguinte", explica o banco.

Entre 2012 e 2017, a CBV recebeu R$ 300 milhões de patrocínio do BB. Em maio do ano passado, começou a valer um contrato, até 2021, de R$ 218 milhões. Já a CBHb faturou R$ 24 milhões em contratos assinados depois que começou a valer a normativa.

100% – Correios e Infraero, também empresas estatais, são atualmente as únicas duas que exigem comprovação de 100% dos valores recebidos pelas confederações, de desportos aquáticos (CBDA), tênis (CBT), handebol (CBHb) e judô (CBJ).

"Nos contratos firmados entre os Correios e as confederações, a prestação de contas é realizada considerando o valor total do aporte financeiro concedido. É estabelecido em contrato a exigência de parecer emitido por auditor independente, além das fiscalizações realizadas pelos Correios", explica a estatal, que no ano passado cortou drasticamente seus patrocínios. Atualmente, por contratos de dois anos, paga R$ 11,4 milhões à CBDA, R$ 4 milhões à CBT, R$ 3,2 milhões à CBHb e R$ 1,9 milhão à CBRu. 

Por fim, a Infraero cita a IN para explicar por que exige 100% de comprovação de seus patrocínios. "Os contratos de patrocínio com a Infraero preveem prestação total de contas. Cabe destacar que eles seguem todos os normativos da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e, com base neles, sempre são solicitadas comprovações dos gastos com o recurso do patrocinador", informou a estatal. Entre 2015 e 2016, ela pagou R$ 3,5 milhão à CBJ, valor que caiu para R$ 500 mil em 2017. Além disso, a Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV) recebe R$ 500 mil por ano.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.