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Olhar Olímpico

Rússia, doping, Coreias: o que você precisa saber da Olimpíada de Inverno

Demétrio Vecchioli

07/02/2018 04h00

(Dennis Grombkowski/Getty Images))

Às 22h05 desta quarta-feira (horário de Brasília), Estados Unidos ou os Atletas Olímpicos da Rússia jogam a pedra inaugural dos Jogos Olímpicos de Inverno Pyeongchang, com a primeira partida do torneio misto de curling. A competição mais importante do calendário olímpico do ano está prestes a começar, mas só quem esteve muito ligado no noticiário internacional nos últimos meses está conseguindo entender a novela que é a participação da equipe russa que não é a Rússia.

Afinal, os russos vão estar lá, mas não podem usar a bandeira da Rússia. Quais e quantos russos, exatamente, ninguém sabe responder com precisão. Enquanto isso, um time de hóquei terá atletas tanto da Coreia do Norte quanto da Coreia do Sul e, por isso, não usará a bandeira de nenhuma das duas. Será chamado só de "Coreia". Complicado? O Olhar Olímpico tenta descomplicar.

Por que a Rússia não pode competir como Rússia?

No começo de dezembro, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu que não permitiria a participação da Rússia como país em Peyongchang. A decisão foi tomada depois de o Comitê Executivo do COI avaliar o relatório do advogado suíço Denis Oswald, que presidiu uma comissão responsável por reanalisar todas as amostras dos atletas russos que participaram de Sochi-2014 e determinar se houve uma fraude institucionalizada na equipe russa. A conclusão do COI foi que sim, houve. A Agência Mundial Antidoping (Wada) concorda.

Quais as condições para os atletas russo competirem na Olimpíada de Inverno?

O COI criou o Painel de Análise de Convidados, presidido pela médica francesa Valérie Fourneyron, presidente da Agência Internacional de Testes (ITA, na sigla em inglês) e ex-ministra do esporte da França, que pegou uma lista de mais de 500 nomes e convidou 169 atletas russos que, no entender dessa comissão, podem ser declarados "limpos".

Pelo que divulgou o COI, as decisões foram tomadas levadas em consideração uma grande base de informações, que incluía três relatórios independentes produzidos a respeito do doping na Rússia (de Denis Oswald, Samuel Schmid e Richard McLaren), dados fornecidos pelas federações esportivas, pela Wada e por uma força-tarefa de testes pré-Jogos.

A Rússia aceitou a punição?

Inicialmente, sim. Os russos fizeram grande pressão para que o COI não excluísse o país dos Jogos de Pyeongchang, mas, depois que a decisão do comitê internacional foi tomada, o Kremlin afirmou que a respeitaria. A trégua durou até que o painel liderado por Fourneyron anunciou sua decisão, naturalmente não convidando atletas que os russos acreditavam que deveriam ser liberados. Aí, teve início uma nova batalha jurídica, na qual o Kremlin ficou duramente ao lado de seus atletas e contra o COI.

Quantos atletas russos vão participar da Olimpíada de Inverno?

A cerimônia de abertura é na sexta-feira à noite (de manhã no Brasil), os primeiros treinos já nesta quinta-feira, mas essa resposta ainda não existe. Na terça, 32 atletas russos entraram com uma apelação na Corte Arbitral do Esporte (CAS), contestando a decisão do Painel de Análise de Convidados, que nunca detalhou publicamente por que convidou uns e não outros atletas. Nesta quarta, outros 15 atletas fizeram o mesmo.

Como é de praxe na véspera de edições dos Jogos Olímpicos, a CAS está trabalhando em regime de plantão em Pyeongchang, o que deve garantir um julgamento rápido – diz a CAS que dá seu veredito entre a noite de quinta e e a manhã de sexta. Caso os 47 atletas sejam liberados, ainda não está claro (longe disso) como eles serão incluídos na lista de inscritos pela delegação dos Atletas Olímpicos da Rússia, nem como será definido quem deixa de receber convite para que eles ganhem lugar. Até porque, a Olimpíada já terá começado.

Está comprovado que a Rússia tinha um sistema de doping nos Jogos de Sochi?

A resposta vai depender do interlocutor. Para o COI, sim, está mais do que comprovado. Tanto é que foi o COI quem retirou 13 das 33 medalhas conquistadas pelos russos em casa, fazendo com que eles perdessem a liderança do quadro de medalhas.

Já a CAS diz que não. A corte baseada na Suíça não se convenceu de que há elementos para comprovar individualmente que os atletas chegaram ao pódio graças ao consumo de substâncias proibidas. Por isso, no último dia 1º, a CAS decidiu cancelar a suspensão aplicada a 28 atletas russos, permitindo que nove medalhas de Sochi-201 voltem a ser da Rússia, que retorna assim ao topo do quadro de medalhas.

Desses 28 atletas russos, 15 planejam ir à Olimpíada na Coreia do Sul (13 como atletas, dois como treinadores) e solicitaram isso ao COI, que disse não. Agora, eles e mais 15 atletas terão seus casos julgados pela CAS. Os russos alegam, afinal, que já foram inocentados. A expectativa é de que a Rússia tenha, apesar de tudo, a maior delegação de sua história nos Jogos de Inverno – exceto Sochi, quando competiu em casa.

Vai ter bandeira da Rússia em Pyeongchang?

Talvez. Na tentativa de demonstrar alguma boa vontade com os russos, o COI avisou que "se todo mundo se comportar", vai permitir que a Rússia participe como país da cerimônia de encerramento, como um prêmio. Até lançou uma cartilha para tentar explicar qual o comportamento desejado por parte dos russos, mas não conseguiu dizer pontualmente tudo que pode e que não pode.

O próprio COI já admitiu que não tem como controlar individualmente cada atleta, cada torcedor, cada membro da mídia. Assim promete um meio termo entre rigidez e flexibilidade, seja lá o que isso signifique. Quando um russo for ao pódio, porém, a bandeira a ser hasteada será sempre a do movimento olímpico (fundo branco e os cinco anéis).

E os atritos entre Coreia do Norte e do Sul? Ameaçam os Jogos?

Ao que tudo indica, não. Em um esforço diplomático liderado pelo COI, as duas Coreias acertaram algumas ações conjuntas durante os Jogos. A mais significativa delas, a criação de um equipe feminina unificada de hóquei sobre o gelo. A vaga era da Coreia do Sul, que aceitou acolher 12 atletas da Coreia do Norte em seu time, com a promessa de que sempre haverão três norte-coreanas (em teoria, pior preparadas) no time que estiver em quadra.

A ação é bastante polêmica, porque a maior parte da população da Coreia do Sul entende a iniciativa da Coreia do Norte, que só de última hora permitiu a participação de atletas na Olimpíada de Inverno no país vizinho, como uma estratégia política efêmera – no entender deles, o líder norte-coreano Kim Jong-un demonstra boa vontade agora, diante da comunidade internacional, para depois dos Jogos voltar a ameaçar os sul-coreanos.

Além disso, há a questão esportiva, de um time sul-coreano que se preparou para a Olimpíada e está abrindo mão de um melhor resultado por uma decisão superior. Por outro lado, há uma parcela dos sul-coreanos que apoia a iniciativa de já levanta a bandeira branca com o desenho da península coreana em azul.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.