Vice da CBJ pagou R$ 810 mil por tatames que custavam R$ 40 mil
Para incentivar a prática de judô no país, o Ministério do Esporte bancou a compra de 3.888 placas de tatame em 2011. No maior centro do país, a Federação Paulista de Judô (FPJ) recebeu 175 placas de 2 metros quadrados. Nos anos seguintes, a federação, comandada pelo hoje secretário de serviços urbanos e vereador licenciado de Mauá (SP), passou a usar recursos públicos, estaduais, para alugar tatames a preços exorbitantes, ainda que tivesse material próprio. Em 2015, o ápice: pagou R$ 810 mil para locar por 20 dias peças que, se compradas, sairiam por R$ 40 mil na fornecedora oficial da própria entidade.
A conta não é complexa. Há dois tipos de tatames vendidos no mercado. Um, de EVA, mais popular, com 4cm de espessura e 1 metro quadrado de área, está custando, hoje, R$ 88 na Original Tatami, que tem o selo de autorizada pela FPJ. O outro, com lona, chamado de "tatame olímpico", sai por R$ 400, mas tem o dobro do tamanho. Considerando que foi o locado o mais barato, a partir de argumentos detalhados mais adiante, comprar as 450 placas na Original Tatami custaria R$ 39,6 mil hoje. Em 2014, o valor era mais baixo. E, em concorrentes também de boa reputação, o preço é ainda mais em conta.
"Eu não quero comprar tatame. Por que que eu quero comprar? A Confederação Brasileira de Futebol tem campo de futebol? Não. Nós temos tatames para os nossos campeonatos. Quando vamos fazer o campeonato para o governo, ele que pague pelo tatame. Eu não vou colocar o meu, não quero desgastar meu material", argumenta Francisco Carvalho Filho, o Chico do Judô, presidente da FPJ e que foi vice-presidente da CBJ durante a gestão de Paulo Wanderley – só se afastou porque era também vereador em Mauá e a CBJ não queria políticos em sua direção.
Enquanto isso, Chico se aproximou do governo paulista. Em maio de 2015, deu a faixa preta ao governador Geraldo Alckmin, que havia acabado de criar o "Dia Estadual do Judô". Só entre 2011 e 2015, a FPJ recebeu mais de R$ 30 milhões da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (SELJ).
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Superfaturamento
Responsável por organizar a seletiva paulista dos Jogos Escolares, a FPJ, ao invés de utilizar os tatames que recebeu da CBJ, ou mesmo adquirir material permanente em convênios específicos, optou por alugá-lo. E não em lojas especializadas, mas em empresas de recreação – dessas que montam pula-pula em festas infantis e que dispõem de tatames/tapetes de EVA para a criançada brincar no chão.
Em 2014, pediu orçamento a três dessas empresas e acabou contratando a Tio Palito Recreações e Eventos, baseada em Santa Bárbara D'Oeste. Nem o contrato nem o orçamento especificam qual tipo de peça é locada, ainda que seja improvável que empresas de recreação infantil tenham tatames olímpicos de judô para alugar – até porque os clubes e academias que precisam de tatames, os têm de forma permanente. Para alugar as peças, a Tio Palito cobrou R$ 90 por diária. Pela locação, cobrou mais do que o valor de compra. O contrato pode ser visto aqui.
Naquele ano, foram realizadas sete etapas regionais, uma repescagem, e duas seletivas finais, cada uma de um dia. Mesmo assim, foram locados tatames para o dobro de dias, 20, gerando um custo de R$ 810 mil só em aluguel. Ainda que o produto custasse menos de R$ 90 para compra, no contrato ainda há uma cláusula que, se alguma peça fosse danificada, a FPJ deveria pagar R$ 950 por ela. A federação alega que a placa utilizada era a olímpica, o que geraria 900 m² em tatame, muito acima do que cabe num ginásio de uma cidade pequena de interior – os maiores ginásios do país têm quadra de 800 m².
No ano anterior, em 2013, a Tio Palito já havia levado contrato semelhante, oferecendo 6.750 diárias de locação de tatames por R$ 85 – um total de R$ 573 mil. Na ocasião, ofereceu o mesmo preço à FPJ a empresa "Portbras Eventos Esportivos", que na época pertencia ao presidente da Confederação Brasileira de Atletismo, Toninho Fernandes.
Em apenas dois anos, para pouco mais de 30 dias de utilização de tatames, a FPJ gastou R$ 1,38 milhão. Ainda assim, não ficou com nenhuma placa. Tivesse o dinheiro sido aplicado em compra de material, teria sido possível adquirir, por R$ 88 (preço de hoje), mais de 15,5 mil placas de tatame, equipando pelo menos 254 locais de prática de judô no estado.
Dinheiro de sobra
Entre 2013 e 2015, a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, a SELJ, injetou valores expressivos em federações estaduais para que elas realizassem as seletivas estaduais dos Jogos Escolares. Em três anos, só a FPJ levou mais de R$ 6,4 milhões.
No convênio de 2014, foram repassados R$ 2,4 milhões, dos quais R$ 530 mil fiaram com a Rumo Certo Eventos Esportivos, empresa que foi protagonista de reportagem publicada na segunda-feira pelo Olhar Olímpico. Contratada para serviços de "organização", "administrativo", "palestra", "suporte técnico", "classificação de atletas paraolímpicos" e "ensino de judô", ela foi cescolhida sempre vencendo as mesmas duas concorrentes.
Uma, a Anjy Serviços Administrativos, que, à época, tinha os mesmos sócios que a Rumo Certo. "Eu não sabia dessa informação", alega Chico do Judô. O dirigente diz que chegou até a Rumo Certo por "indicação" da SELJ. "Precisava de uma empresa que fosse prestadora de serviço e pudesse emitir nota para a gente", explica o dirigente, que negou de forma veemente que, em qualquer oportunidade, tenha trabalhado com judô paraolímpico – mas ele apresentou nota de contratação de um escritório de contabilidade para auferir classificação de atletas cegos.
Ele se defende da mesma forma ao explicar por que o terceiro orçamento para essas concorrências, mesmo para o "ensino de judô" ou para "palestras contra as drogas" (veja aqui), foi pedido à Assessoria Contábil e Financeira Pereira, um escritório de contabilidade de Mauá, sua cidade. "Eu só precisava de alguém que fizesse o serviço administrativo de contratar o palestrante, entende?".
Os palestrantes nunca foram informados à SELJ, que também deixou passar que três orçamentos de empresas diferentes têm absolutamente o mesmo layout, o mesmo texto e a mesma tipografia. Só mudam os valores dos "concorrentes". Veja aqui, aqui e aqui. Toninho Fernandes, personagem de matéria publicada na quarta-feira e presidente da CBAt, é um dos que enviou orçamento idêntico ao dos concorrentes.
Custos
Ainda que organizasse apenas uma seletiva entre crianças e adolescentes para uma competição escolar, a FPJ teve orçamento milionário. Em 2014, treze confederações brasileiras olímpicas receberam, da Lei Agnelo/Piva, valores inferiores aos que a FPJ usou para fazer a seletiva dos Jogos Escolares.
Com os recursos em mãos, a FPJ comprou 4 mil medalhas, por R$ 60 mil. Cada uma das nove etapas teve a disputa de 32 categorias (16 mirins, 16 infantis). Ou seja: 864 atletas foram ao pódio. Camisetas foram 12 mil, mesmo número de lanches contratados, ainda que os atletas que disputaram a repescagem e as duas etapas finais (uma de cada faixa etária) já tivessem participado de etapas anteriores – e, consequentemente, ganhado a camiseta. Veja parte da planilha aqui.
A assessoria de imprensa custou R$ 108 mil em 2013 – e R$ 70 mil em 2014 -, valor muito acima do mercado. De forma geral, as assessorias não revelam quanto ganham à imprensa, mas a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) expôs seu contrato: em 2015, ela pagava R$ 180 mil por ano pelo serviço.
O que eles dizem
FPJ
A reportagem falou ao telefone com Chico do Judô na segunda-feira. Além das declarações que constam na reportagem, ele argumentou que comprovou que as competições foram realizadas com sucesso. Sobre a assessoria de imprensa, alegou que usou o dinheiro disponível e que o valor pago era justo.
Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude
Procurada, a SELJ não respondeu sobre os motivos que a levaram a autorizar a locação de tatames por valores tão altos. A secretaria, porém, explicou que, nos convênios citados, de acordo com a legislação vigente, as entidades esportivas apresentavam no plano de trabalho grade comparativa de preços contendo, no mínimo, três empresas e que os documentos eram checados pela área técnica. que formalizava os processos.
A secretaria argumenta que "sempre coube às entidades a responsabilidade de melhor utilização dos recursos, com posterior verificação da SELJ e envio dos processos ao Tribunal de Contas do Estado".
A pasta lembra que uma lei federal, de 2016, mudou o formato de celebração de convênios, que agora passam por um chamamento público – as exigências para as prestações de contas, porém, seguem essencialmente as mesmas. A SELJ ainda diz que 'qualquer indício de irregularidade, ainda que posterior à celebração dos convênios, será investigado pela SELJ e encaminhado à Corregedoria Geral da Administração".
Rumo Certo
Proprietário da empresa, Severino da Silva Santos negou de forma veemente que a sua empresa seja de fachada, o que chamou de "falácia". Questionado sobre os orçamentos genéricos, considerados como indícios de fraude por órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou que, se o repórter quisesse informações, deveria ter lido os planos de trabalho – os documentos expostos aqui, saíram de lá.
Severino garante que "entregou e sempre entregará todos os materiais e documentos legais necessários para a correta prestação de contas com as entidades as quais nos contrataram". A FPJ nunca os entregou à SELJ. Quando questionado pessoalmente, Severino disse que mandaria esses documentos por e-mail, o que nunca o fez.
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